Crítica: Detroit Become Human – Entre as duas almas de David Cage

Escrito por Silvio Diaz
Crítica

É impossível  falar de Detroit Become Human sem falar de seu criador. David Cage, fundador do estúdio Quantic Dream dirigiu e roteirizou Detroit, Beyond Two Souls,Heavy Rain e alguns outros. Todos com uma pegada mais focada em narrativa, dando ao jogador apenas algumas opções de escolha e ação. A questão é que Detroit Become Human é o resultado de todos esses jogos criados por cage, não necessariamente uma evolução, mas uma junção e fortificação de todos os seus traços.

Os traços de David Cage

Se focando nos três últimos jogos criados por Cage, Heavy Rain, Beyond Two Souls e Detroit, dá pra criar um traço de suas ideias e noção de escrita. Todos tem um começo calmo e humano com histórias focadas nos personagens e seus conflitos. Em Heavy Rain é a perda de um filho,em Beyond é sobre Jodie Holmes, interpretada por Ellen Page tendo que lidar com um espírito ligado a ela; e em Detroit é sobre a diferente vida dos androids e o preconceito que vivem.

Ao mesmo tempo, nos três exclusivos da Sony, esse foco nos personagens é deixado de lado no decorrer da campanha e passam a se tornar algo maior. Beyond Two Souls é um exemplo perfeito disso. Na campanha do game, o jogador conhece momentos diferentes da vida de Jodie e aos poucos ele larga a história da personagem para uma outra escala. Em questão de horas, fantasmas indios aparecem e não demora para que o jogo se torne sobre salvar o mundo de uma “dimensão fantasma”.

Até mesmo quando David Cage tentou se conter, criou um buraco de roteiro. Em Heavy Rain na história original o jogador teria algo parecido com um conexão psíquica com o assassino do origami. Entretanto. para tornar a história mais pé no chão, retirou esses momentos do game sem tirar os apagões do personagem principal que no roteiro original seriam causados por essa conexão. Esses cortes seriam momentos de gameplay, com o jogador nadando em cenários inundados que o levavam a conclusões e até pistas do serial killer. Um furo de roteiro que exemplifica um ponto recorrente de Detroit Become Human: A falta de habilidade de Cage, em conectar acontecimentos.

O resultado em Detroit Become Human

A impressão que a campanha de Detroit Become Human dá é que existiam ideias a serem postas no jogo, mas não existe uma  noção de como conectar elas. Isso tanto em dialogos, momentos e simbologias. Com essa falta de conexão, diálogos mudam de tom de repente e pensamentos e opiniões de personagens se alteram sem nenhum sentido.

Ao mesmo tempo, esses grandes momentos que pontuam o game perdem seu valor, já que essas conexões normalmente são problemáticas, tediosas ou até sem muito sentido. Desde personagens rapidamente se tornando líderes de grupos ou cenas com um clichê ruim para criar dramaticidade.

Nesses elos narrativos problemáticos, também estão as simbologias do jogo. Para contar uma história de um povo que está passando por preconceitos e sendo postos como algo menor na sociedade, David Cage se inspira no racismo contra negros da maneira mais básica possivel. Sendo assim, diversos elementos do apartheid americano, como a separação de androids em ônibus são usada com um tom de “novidade irreal”. Mesmo que a falta de sutileza seja algo comum nos jogos da Quantic Dream, esse exagero nas cenas são agravados pelas variedades de escolhas e possíveis acontecimentos.

Mais do que apenas escolhas

No anúncio de Detroit Become Human o foco era mostrar que dessa vez o jogo teria diversas possibilidades. Que qualquer personagem poderia morrer e que cada escolha do jogador realmente teria alguma importância. Nesse sentido, a Quantic Dream conseguiu. O jogo deixa sempre a impressão de que tudo tem algum tipo de peso e que cada escolha realmente importa, mesmo que algumas não funcionem bem.

Por exemplo, não existe peso algum em tentar salvar um personagem, praticamente todas as vezes funciona e qualquer consequência possível é deixada de lado. Ainda sim, terminar um capítulo e ver a quantidade de possibilidades é algo impressionante e até divertido.

Detroit deixa claro que o problema de escolhas nos outros jogos da desenvolvedora era muito mais técnico, e tal qual os gráficos que colocam os atores Jesse Williams(Markus) e Valorie Curry(Kara) com um visual muito próximo do real, isso não é mais um empecilho. Entretanto, desde o começo, o verdadeiro problema dos jogos escritos por David Cage são a história, e isso se mantém.

A atriz Jesse Williams interpreta Kara em Detroit Become Human

A atriz Jesse Williams interpreta Kara em Detroit Become Human

Além das opções

The Walking Dead da Telltale é um belo exemplo disso. Mesmo tendo algumas escolhas que realmente alteram conversas e até a sobrevivência de alguns personagens, quase nenhum momento é realmente alterado pelas ações do jogador. Ainda sim, graças a um bom roteiro, com bons personagens, as opções servem muito mais para iludir o jogador e funciona perfeitamente. Não é atoa que venceu o Game of the Year de 2012.

No caso dos jogos de David Cage, principalmente em Detroit, parece que o jogador mudar a narrativa é o foco, entretanto, todos os caminhos ainda dão uma impressão de arrogância. Como se tudo contado ali fosse único e especial, sendo que no fim, a maioria dos acontecimentos não conseguem cumprir o que claramente tenta fazer.

A única maneira de realmente conectar alguém à história batida de androids ganhando emoções, seria conectado o jogador aos personagens. Entretanto, graças a falta de sutileza em suas analogias e cenas extremamente mal escritas, Detroit Become Human se torna apenas um exemplo da arrogância de David Cage. Um escritor que a cada fala que escreve, deixa transparecer a prepotência de seu trabalho, como se tudo ali tivesse muito mais importância do que na realidade tem.

David Cage

David Cage, escritor e diretor de Detroit Become Human

Graças a essa arrogância de David Cage, Detroit Become Human apenas ajuda a demonstrar os problemas de seus jogos. Sem personagens cativantes e uma narrativa principal que piora gradativamente, seus bons momentos se tornam quase indiferentes.

No fim, a história dos androids se torna apenas curiosa graças às diversas possibilidades de narrativa dada ao jogador, já que permite visões e momentos completamente diferentes um dos outros. Os problemas narrativos seguem em qualquer conexão de histórias e atrapalham em diversos momentos na construção de personagens,tornando a ideia interessante em um agravante dos problemas de roteiro.

Detroit Become Human é exclusivo para Playstation 4.

Está critica foi escrita em base de uma cópia do game enviada pela assessoria de imprensa da Sony.