Crítica: Biomutant – uma fábula de Kung-fusão

Por Arthur Tayt-Sohn

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge

Quando foi revelado, Biomutant chamou a atenção por conta do seu carismático personagem, um pequeno mamífero mutante, bem como pela equipe por trás do jogo, formada por veteranos da indústria que durante anos trabalharam em Just Cause.

Agora em um novo estúdio, a equipe queria produzir um jogo que fosse simplesmente divertido. Chamado de “fábula kung-fu”, em um mundo pós-apocalíptico, Biomutant é um RPG de ação ambicioso, e acaba se perdendo em sua própria ambição.

Um mundo pós-humanidade.

A história do jogo se passa em uma Terra devastada pelos seres humanos. As pessoas, agora extintas, abusaram da utilização de recursos naturais e da poluição, tornando o planeta inabitável para eles.

Além disso, o lixo radioativo acabou afetando as outras criaturas da Terra, que se tornaram seres antropomórficos, desenvolvendo características humanas como fala, inteligência e consciência, além de habilidades sobrenaturais conhecidas como poder psiônicos.

Você controla um desses pequenos, que você personaliza no início do jogo de acordo com o seu estilo de jogo, indo desde um pistoleiro até um mestre das artes psiônicas. Também é possível escolher sua aparência, que influencia em algumas de suas habilidades, bem como status iniciais.

Um mundo vibrante inabitado

Vamos iniciar falando o que pode se considerado a melhor parte do jogo: seu mundo. Visualmente falando, o mundo de Biomutant é bem bonito. Mesmo que não seja exatamente o que há de mais detalhado nos jogos, a Experiment 101 criou uma ambientação colorida e diversificada.

São diversos biomas e chama atenção o bom uso de cores e luz. Tanto a luz do dia, que realça as cores das plantas, árvores e montanhas, como a noite, em que o reflexo da lua cria efeitos muito bonitos.

A parte urbana do jogo também tem seu charme, apesar de por vezes ficar repetitiva e mostrar claramente um reaproveitamento de cenário. De qualquer forma, ela cumpre seu papel de mostrar o que os humanos deixaram para trás nesse mundo.

A impressão que dá é que os desenvolvedores passaram tanto tempo pensando em criar um mundo bonito que esqueceram de fazer o restante do jogo. Sobretudo deixa-lo convincentemente habitado. Em diversos momentos eu passei um bom tempo sem ver nada além do meu personagem.

E se pensarmos que a THQ Nordic revelou que o estúdio responsável pelo jogo possui cerca de 20 pessoas trabalhando, vamos tomando consciência de quão ambicioso era esse projeto, e isso explica os problemas do jogo que vem a seguir.

Kung-fu pero no mucho

Biomutant foi apresentado ao mundo como uma fábula de kung-fu, inspirado em animações como Kung-Fu Panda. O que seria excelente se o combate funcionasse de forma satisfatória, pelo menos, dando ao jogador o sentimento de ter controle do que está acontecendo. Algo que não acontece.

Os combates são confusos, dificultando ter noção do que está acontecendo na tela. As animações não deixam claro os movimentos tanto do seu personagem quanto dos seus inimigos. Então as vezes até o uso do parry é prejudicado por conta disso. Outro problema é que muitas vezes seus ataques não tem um peso ou efetividade coerente. Em jogos que possuem esquiva, é comum que ao realizar esse movimento, seu inimigo fique vulnerável e você consiga executar um combo, o que não acontece aqui.

Por diversas vezes eu fiz uma esquiva perfeita e ao iniciar um combo, o inimigo me atacou e interrompeu todo o meu movimento. O parry já funciona um pouco melhor nesse sentido, exigindo que após o movimento você ataque o inimigo, o jogue pro ar e execute o seu combo de preferência.

Outro problema é a falta de uma trava na mira. Existem outros jogos que funcionam sem essa trava, mas isso exige que as mecânicas estejam muito refinadas. Um bom exemplo é Ghost of Tsushima. Por mais que a mira seja solta, você sabe exatamente onde vai atacar, o que o Fantasma irá fazer se você apertar um comando, e por aí vai.

Em Biomutant, essa mira solta atrapalha muito. O jogo troca de alvo constantemente e dependendo da habilidade e da distância do seu inimigo, vai ser comum que você ataque no vazio simplesmente porque o jogo não consegue entender para onde você está mirando e atacando.

Esse conjunto tornou os combates desinteressantes e muitas vezes frustrantes. Esse problema fez com que eu muitas vezes ignorasse os inimigos no mundo e focasse somente em ir para meus objetivos principais.

A crítica a Biomutant não para por ai. As lutas com os devoradores, os chefes de cada área de jogo, merecem destaque por serem tão entediantes quanto simplórias. Além da falta de identidade deles, essas lutas estão entre algumas das mais chatas que já joguei. E a falta de polimento do combate contribui bastante pra isso.

E apesar de o jogo contar com diversos tipos de armamento, corpo a corpo e à distância, não é como se fizesse tanta diferença a sua escolha. Armas mais pesadas não tinham o peso contra inimigos que eu esperava, apesar de ainda sim diminuírem sua velocidade de ataque.

Arsenal de sucata

Falando especificamente das armas, o jogo tem um sistema bem interessante de criação e personalização dos seus equipamentos. Como o jogo se passa em um mundo quase destruído, o que resta são suas sucatas.

O sistema de crafting permite uma variedade grande de personalização. E o jogo conta com uma grande quantidade de loot que pode ser utilizada para isso. É possível utilizar um bastão de críquete como lâmina presa em um cabo de katana, ou de um aspirador de pó se você preferir.

Grampeadores se tornam empunhaduras de armas, lápis podem ser acoplados à sua arma para perfurar a armadura dos inimigos, sucata de madeira se transforma em um rifle automático, bem como as diversas armaduras que você encontra podem ser um pijama ou um capacete de moto.

De fato o jogo conta com um número considerável de peças que podem usar usadas para personalizar seus equipamentos como você desejar, além de algumas armas já prontas que você encontra pelo caminho. Apesar disso, acaba não fazendo tanta diferença no jogo, devido à sua baixa dificuldade e ao fato de seus equipamentos terem pouco impacto além dos números de ataque e defesa que proporcionam.

Biomutant conta inclusive com modificações de armas que adicionam danos elementais ou status negativos que eu sinceramente não vi nenhuma necessidade de utilizar. E além dessas modificações, os próprios poder psiônicos possuem características elementais. Uma esquiva de fogo, um golpe em área de gelo, saltos de explosões tóxicas. Utilizei diversas dessas habilidades e não consegui encontrar uma grande utilidade para elas.

São diversas mecânicas que estão dentro do jogo mas não conversam bem como o mundo ou com o combate. Não senti aquele incentivo de fazer sidequests ou procurar loot para criar um equipamento por motivos que não fossem puramente estéticos, ou somente para aumentar o poder bruto.

Uma fábula não tão épica assim

Já que falamos de quests, vamos conversar sobre a história de Biomutant, ou sobre como ela vai do nada a lugar nenhum.

Após a introdução inicial do jogo, somos apresentados à situação atual do mundo. A grande árvore da vida está sendo consumida por quatro devoradores. Enquanto isso, diversas tribos lutam por seus objetivos, que vão desde se unir, subjugar ou eliminar todas as outras tribos rivais.

No meio dessa confusão, seu personagem precisa acertar as contas com o passado, quando um carnívoro atacou sua vila, matou seus pais e por alguma razão misteriosa permitiu que o protagonista sobrevivesse. Cabe a você decidir qual tribo se aliar, decidir o destino da árvore da vida, combater os devoradores e se resolver com seu passado, encontrando o temível carnívoro algoz de sua infância.

Biomutant apresenta diversos elementos dignos de uma fábula épica, não fosse o problema inicial de já termos um mercado saturado de jogos baseados na Jornada do Herói, além de a Experiment 101 não ter conseguido se aprofundar esse enredo.

Os personagens e suas motivações são extremamente desinteressantes e por diversas vezes o jogo perde a oportunidade de desenvolver uma boa ideia pela falta de escopo no projeto, quando tenta abraçar um mundo ambicioso demais para as patas do protagonista.

Um momento interessante é quando somos confrontados com um personagem carnívoro que, por mais que tenha tentado se adaptar a um mundo disputado de igual para igual com herbívoros, não conseguia se alimentar de vegetais apenas e se obrigou a caçar outros seres vivos para não morrer de fome. Por conta dessa dificuldade de compreender a natureza desses seres, os herbívoros partem para a aniquilação desses animais que só estavam seguindo sua própria natureza. Em um primeiro momento, eu imaginei as possibilidades desse enredo.

O jogo perdeu uma grande oportunidade de contar uma história interessante sobre a subversão da cadeia alimentar, um mundo onde caçadores se tornam caça, onde herbívoros aniquilam carnívoros somente por conta de sua natureza. Mas ele não faz isso, Biomutant simplesmente cita essa situação em um diálogo vazio e fica por isso mesmo.

Os conflitos entre as tribos são resolvidos basicamente invadindo os fortes das tribos rivais. Depois de alguns combates em fortificações praticamente inabitadas, você pode confrontar seus líderes e vencê-los em combate ou convencê-los do seu ponto de vista em diálogos extremamente rasos, como todo o restante das conversas do jogo.

Um mundo grande demais para pequenos mamíferos

É importante ressaltar que a equipe que produziu o jogo é de fato bem pequena e reconheço o esforço deles no desenvolvimento de Biomutant. Na verdade, a minha sensação jogando foi de ver muito potencial desperdiçado em um jogo que poderia ser de fato épico.

O principal problema dele, e que levou a todos os outros problemas, foi não delimitar um escopo para o projeto. Não que ele devesse ser perfeito em tudo, existem excelentes jogos que possuem falhas que são compensadas em outros pontos que se destacam.

Biomutant poderia não ter um mundo tão desnecessariamente aberto para que os esforços de produção pudessem ser alocados no polimento do seu combate, ou no desenvolvimento de um enredo mais rico e profundo, por exemplo.

Acaba que sendo lançado no estado em que foi lançado, o jogo não te incentiva a se interessar por nada dele, a ponto de ignorar todos os seus problemas. Poderíamos ignorar a história rasa e sem sentido, se o combate fosse excepcional. O combate desengonçado poderia ser ignorado se tivéssemos um enredo digno de uma fábula épica de kung-fu.

Biomutant tenta abraçar o mundo inteiro e no fim das contas, faz muitas coisas, mas nenhuma de forma realmente satisfatória. Um grande potencial perdido, apesar de acreditar que os desenvolvedores podem fazer muito mais.

Nome do jogo:

Biomutant

Publisher:

THQ Nordic

Desenvolvedora:

Experiment 101

Plataformas Disponíveis:

PC, Playstation 4, Xbox One