Relacionamentos abusivos podem acontecer com qualquer um. Não precisa ser namorado ou estar casado para estar em um, basta ter um relacionamento. Com namoro, amizades e até parentes e familiares é possível existir um relacionamento abusivo e isso é extremamente complicado de lidar. Além de ser difícil perceber quando está em um, as vezes parece impossível sair dele.
A questão é que esse tópico é muito comum no mundo,muitas pessoas já passaram por isso. Algumas só descobriram depois de anos do fim,outras durante e ainda sim, é muito pouco explorado na mídia.
ALERTA DE SPOILER
Entretanto, Red Dead Redemption 2, mesmo que ainda seja sobre redenção e o fim do velho oeste, é possível interpretar que a história é sobre um homem que viveu a vida inteira em um relacionamento abusivo.
O protagonista, Arthur Morgan e Dutch Van der Linde tem um relacionamento quase que de pai e filho. Para Morgan tudo da vida dele se deve a Dutch e graças a isso o mesmo é completamente leal ao líder da gangue Van Der Linde. Entretanto, boa parte da campanha acaba se focando na desconstrução dessa lealdade. Aos poucos, graças a atitudes estranhas de Dutch, Arthur passa a não confiar tanto assim em seu líder, e a partir disso, quase todos os diálogos entre os dois são um grande alarme de um relacionamento abusivo.
Mesmo que o jogo não seja exatamente sobre isso, é possível dividir a história de Arthur na campanha em duas partes. A primeira, onde ele passa a questionar e pensar sobre como Dutch está agindo e a segunda, quando ele aceita que não confia mais em seu amigo e pai adotivo, e passa a tentar se livrar ou livrar quem ama dessa situação.
Um dos primeiros sinais desse relacionamento abusivo são as conversas entre os dois. Arthur tenta entender e mostrar sua decepção ou dúvida nas atitudes de Dutch e nesses diálogos é difícil não se sentir incomodado. É visível que Dutch usa de todas as formas para criar uma culpa em Arthur por estar duvidando de seu amado pai adotivo. Van der Linde se coloca como vítima e transmite para Arthur a visão de que está atacando seu amigo sem motivo algum.
Sem falar em todos os momentos que Arthur faz algo por Dutch mesmo não acreditando na atitude e até mesmo achando errado. São pequenos momentos que conseguem transmitir muito com pouco. Não é atoa que com o tempo o próprio Arthur percebe e chega na “segunda parte” de sua história. Exatamente após o capítulo 5, Dutch perde toda a crença de Arthur que aos poucos luta e passa a seguir e questionar as suas próprias escolhas.
Óbvio que essa situação fala mais sobre Arthur perceber o próprio fim da gangue e do mundo que ele cresceu, mas ainda sim, é possível criar um paralelo com um relacionamento abusivo. A própria música que marca esse momento fala sobre isso.
Unshaken de D’Angelo, ou como na trilha sonora está sendo chamada “May I?” é um questionamento. No jogo, é sobre se Arthur consegue aguentar a situação de ver seu mundo desmoronar, de ver tudo aquilo que ele acredita se tornando nada e no fim se questionar como não percebeu aquilo antes.
Exatamente o sentimento de sair ou perceber um relacionamento abusivo. Além de Morgan ver que o fim de tudo o que ama está próximo, nesse momento fica claro pra ele o quão problemático foram todos esse anos e como ele precisa se livrar disso.
O próprio Jhon Marston, protagonista do primeiro game é um dos que mais bate na tecla sobre esses problemas. Enquanto parte da gangue passa a duvidar dos pensamentos e ideologias de Dutch e começam a questionar suas atitudes e planos, Jhon vai um pouco além, e traz a discussão sobre se algo realmente mudou.
Marston passa a se questionar sobre o quanto dessa vida deles realmente foi boa e não apenas uma crença. Como se estivessem iludidos esse tempo todo pelos ideais de seu líder. O que é extremamente comum em um relacionamento abusivo.
É muito difícil perceber que está em uma relação desse tipo, não é atoa que muitos deles duram anos. O sentimento é de que essa maior parte do tempo problemática é muito menor do que é e os mínimos momentos bons ou neutros vencem. Dessa maneira se cria um ciclo vicioso muito difícil de sair.O curioso é que logo Jhon percebe isso. O único da gangue que se afastou por um ano inteiro e conseguiu ficar longe dessa ilusão ideológica de Dutch.
Obviamente, não existe apenas um bem e mal e essa extrapolação de Dutch, que acaba tornando seus abusos mais visíveis, vem pelo fim do “Oeste Selvagem” que o está encurralando. Ainda sim, até mesmo a própria vida no velho oeste pode ser um paralelo de relacionamento abusivo.
A vida de Arthur foi destruída pelo velho oeste. Desde o começo da campanha é possível perceber o remorso de suas escolhas feitas por esse relacionamento triplo entre ele, Dutch e a vida do Oeste Selvagem. Arthur deixou de ter um relacionamento com Abigail graças a suas escolhas. O grande amor de sua vida, Marry Linton, o deixou graças a sua vida e mais pra frente no jogo, com uma pequena e dolorosa pincelada, descobrimos que Arthur deixou de viver com um filho, por escolher o velho oeste.
Tudo isso se junta com o quão triste o jogo é. Não é atoa que ele necessita um tempo para o jogador entrar no mundo e passar os sentimentos que quer levar. A solidão, as mortes e até o tédio desse mundo fazem parte dessa história, todas elas levam o jogador aos sentimentos de Arthur, um homem arrependido por todas as suas escolhas na vida.
No fim, como na música de D’Angelo, a única coisa que lhe restou foi se perguntar onde ele esteve todo esse tempo. É daí que vem a redenção do protagonista, que pela primeira vez decidiu negar tudo o que achou amar para aprender o que realmente importava para ele. Não é atoa que mesmo sabendo que vai morrer, Arthur busca salvar John, o único ali que tinha chances reais de ter a vida que ele sempre quis e nunca conseguiu ter.
Red Dead Redemption 2
Rockstar Games
PC, Playstation 4, Xbox One