Texto escrito pelo colaborador Mateus Carvalho.
A história dos videogames se faz em cima de jogos onde o objetivo do jogador é chegar do ponto A ao ponto B. Há de se dizer, inclusive, que qualquer jogo que permita algum tipo de movimentação livre de personagem tem na cobertura de cenário uma parte essencial da experiência.
Neon White é um ode a um dos elementos mais essenciais dos videogames. Simples em conceito, mas gigante em suas possibilidades, o novo jogo de Ben Esposito apresenta uma ideia central clara: viajar pelos cenários pode ser desafiador, cativante e profundo a ponto de segurar um jogo completo.
Para isso, Neon White busca atacar todos os sentidos do jogador de uma vez. O EDM agressivo das fases, os diversos elementos de cenário que, em um primeiro momento, parecem incompreensíveis, e a gama de alternativas a cada segundo fazem com que cada nível pareça muito maior do que é.
A diversão está em quebrar cada elemento a ponto de simplesmente compreender o que está acontecendo na tela. Esse é um jogo que demanda revisitas em seus níveis repetidas vezes para que você o domine. E, como dito acima, ele faz muito com pouco. Uma das mecânicas principais é a das cartas de armas espalhadas pelo cenário. Além de ajudarem na ofensiva do personagem, cada arma tem uma habilidade de descarte única voltada para mobilidade. Às vezes será necessário descartá-las imediatamente. Outras, segurar o descarte para um momento posterior e, em várias ocasiões, não é necessário mantê-las, mas você vai querer tê-las no bolso para fazer skips essenciais em cada nível. Esse é, afinal, um jogo que vai te fazer querer melhorar a cada nova tentativa.
É aí que o jogo acontece. Ben Esposito quer que você mastigue o level design de cada estágio até que a sua run perfeita aconteça. Depois de algumas repetições, a experiência se torna intuitiva. Nesse momento, eu provavelmente consigo descrever perfeitamente os comandos específicos necessários para passar certos níveis. É o que esse jogo faz com você.
Como o personagem titular, Neon White brilha quando está mais rápido. As fases variam de tamanho, e os níveis mais curtos são certamente os melhores. Há de se admirar o quão pouca precisão o jogo exige do jogador. Não se trata de acertar os pixels perfeitos na hora certa, e sim de cometer o menor número de erros e saber como usar os atalhos oferecidos em cada nível para obter um tempo melhor. A sensação de opressão em cada fase só é superada pela satisfação de obter uma medalha de “ace” ao final do ciclo. É viciante.
Apesar disso, o jogo tem sim fases mais longas, que acabam sendo alguns de seus piores momentos. Enquanto os níveis curtos são mais fáceis de digerir e ainda mais fáceis de refazer, os mais demorados acabam sendo frustrantes pois intensificam boa parte dos problemas na proposta de Neon White. Pequenos erros acabam invalidando uma tentativa inteira, entender o design se torna mais complicado devido ao tamanho, e o número de elementos na tela acaba sendo cansativo depois de um tempo.
Também frustrantes são as boss battles do jogo. Ao todo são três, e enquanto a primeira é mais interessante, as outras duas são facilmente os piores níveis do jogo pelos motivos citados acima. A última fase do jogo em especial é extremamente frustrante pois deixa todos os problemas em evidência, e de maneira ainda mais exacerbada. Enquanto os outros estágios são desafios interessantes, estes acabam sendo mais testes de paciência do que qualquer outra coisa.
Por sorte, boa parte dos piores níveis se concentram no late game, e, nesse ponto, o jogo provavelmente já conquistou o jogador. Se não com seu nível design, com sua narrativa.
Apesar de ser conhecido por Donut County, o desenvolvedor Ben Esposito fez muitos trabalhos independentes antes daquele jogo. Um deles era Sonic Dreams, uma compilação de fan games criada para abastecer a ideia específica que a internet criou do ouriço azul. A perversão extrema que se tornou inerente à qualquer menção do mascote da SEGA virava, ali, a força motriz de um projeto feito única e exclusivamente para “estar dentro da piada”.
Neon White também parece estar sempre “dentro da piada”, seja ela qual for. Seus diálogos são propositalmente difíceis de aturar, com milhares de referências vazias e frases de efeito vergonhosas. O jogo, claro, sabe que esse é o efeito desejado, e sabe que simplesmente fazer de propósito não torna a situação melhor. Ele simplesmente está dentro da piada.
Apesar disso, o jogo entrega mais do que seria necessário para um jogo desse tipo no que tange personagens e história. Com um elenco assumidamente arquetípico, Neon White chega a codificar cada personagem dentro dos clichês esperados de um anime ruim: o protagonista cool, a femme fatale, o melhor amigo de cabeça vazia, a personagem “cute but psycho” e o antagonista demoníaco que compartilha o passado com o personagem principal.
Destes, Neon Red e Neon Green são os mais interessantes por se apresentarem como versões críveis dos arquétipos. Yellow ganha no carisma inerente à esse tipo de personagem, e White, como protagonista, tem um bom balanço entre o cool e o imbecil. Violet, por outro lado, é o elo mais fraco do elenco, sendo apenas uma grande coleção de fetiches embalada em uma personalidade mais unidimensional do que o jogo acredita que é. Para terminar de falar sobre o elenco, os três anjos principais (Raz, Gaby e Mikey) são extremamente divertidos e mereciam maior tempo de tela.
A história em si, porém, é mais fraca. Cheia de plot twists telegrafados, conveniências exageradas e becos narrativos, é difícil realmente se importar com o que está acontecendo, por mais que nos importemos com quem está acontecendo.
No fim das contas, Neon White é um jogo que abraça todas as suas contradições. Um jogo que explode de estilo e ativamente ignora substância, mas que também apresenta uma narrativa mais profunda do que o necessário. Um jogo que ataca todos os sentidos do jogador, mas que quer que este preste atenção em cada elemento dos níveis para conseguir o melhor tempo e também pegar os coletáveis.
Que Neon White seja tão bom como é já é um pequeno milagre por si só, e apesar de ser inconstante em sua segunda metade, é inegável que quando o jogador entra no flow que o jogo proporciona (o que não é raro), é uma experiência engrandecedora. A imersão é tamanha que cada segundo parado vai parecer uma falha. Acima disso, cada segundo onde seu dedo não estiver cavado no “W” vai parecer uma falha.
Não é isso que o jogo explicitamente quer, mas é a conclusão mais fácil de se chegar. Mais do que um jogo de speedrunning, mais do que um argumento de que estilo pode ser substância, e mais do que simplesmente um jogo divertido, Neon White é feito para que todos os seus elementos apontem para apenas uma direção: em frente.
Neon White
Annapurna Interactive
Angel Matrix, Ben Esposito
PC, Nintendo Switch