Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge
Lançado em meio a inúmeras polêmicas e discussões, Forspoken é o novo jogo publicado pela Square Enix, e produzido pela Luminous Productions. Nas últimas semanas, o jogo causou inúmeras discussões na internet e algumas reações bastante exageradas.
Tive a oportunidade de finalmente jogar e entender o que realmente é Forspoken, e o que ele não é. Para esse review, eu não tive contato com nenhum tipo de conteúdo sobre o jogo. Meu único contato prévio com o jogo foi a demo liberada pela Square Enix algum tempo atrás.
A ideia é ter um review o mais imparcial possível, sem influência de qualquer opinião externa que possa prejudicar minha real experiência com o jogo. Sem mais delongas, vamos conhecer o mundo de Athia.
Para os que não estão familiarizados com o gênero, isekai são histórias comuns no Japão onde um personagem é transportado para um mundo fantasioso ou universo paralelo. Algumas obras famosas do gênero incluem Digimon e Guerreiras Mágicas de Rayearth.
Em Forspoken, você joga como Frey Holland, uma órfã que acabou se envolvendo com alguns pequenos delitos. Durante o seu julgamento, recebe uma última chance para não ser condenada à prisão.
Tudo isso ocorre em plena véspera de Natal, que por acaso também é véspera do aniversário de Frey, evidenciando um pouco mais a solidão e sofrimento de Frey. Sua única companhia é a gata Homero.
Nessa mesma noite, sua casa é incendiada de forma criminosa e Frey consegue fugir apenas com sua gata. Após alguns breves acontecimentos, ela encontra um bracelete dourado e, ao colocá-lo em seu braço, é transportada para um outro mundo, chamado Athia.
Perdida em um mundo desconhecido e estranho, Frey tem ainda mais surpresas ao descobrir que o bracelete é sensciente e capaz de falar. Frey o batiza de Algema (Cuff em inglês) e segue em busca de respostas.
Após serem atacados por um dragão e por algumas criaturas que sofreram mutação, Frey descobre que é capaz de conjurar magias e utilizar algumas novas habilidades. A partir daí essa dupla improvável parte em busca de outros seres humanos e respostas.
Se você não estava dormindo nas últimas duas semanas, provavelmente se deparou com a famigerada cena “I can move shit with my mind”. Esse é o primeiro poder que você recebe ao chegar em Athia.
Durante o decorrer do jogo será possível desbloquear mais três grupos de magias, além de algumas habilidades extras que você desbloqueia explorando fontes mágicas espalhadas pelo mapa.
Além das magias, que podem ser ofensivas ou de suporte, Frey conta com habilidades de deslocamento mágicas, como o parkour mágico, que permite correr e saltar grandes distâncias. Além de serem utilizadas na movimentação pelo mapa, são úteis em combate.
Apesar de utilizar magias, as lutas estão muito distantes de combates mágicos que vemos tradicionalmente. Os combates são muito mais rápidos e dinâmicos, podendo ser contra inimigos individuais ou grupos.
O jogo conta com uma variedade pequena de inimigos, o que acaba não se tornando um problema grande devido à duração de Forspoken. Me decepcionou a falta de personalidade e originalidade deles, salvo os chefes que tem um cuidado um pouco melhor. Mas até mesmo alguns subchefes opcionais são desinteressantes.
O combate em si é bastante divertido e funciona bem. A minha experiência com a demo tinha sido péssima e jogando a versão completa, foi possível perceber que o ponto do jogo onde a demo se passa é bastante avançada na história e sobrecarrega o jogador com seus sistemas.
Começando o jogo do seu início, aprendendo aos poucos e se acostumando com os seus sistemas, o combate funciona melhor e acabou me agradando. Apesar de não ser o mais polido que já joguei, não tive muitos problemas com ele, sendo o pior problema a câmera que na verdade é um problema bastante comum até em jogos desse tipo.
É possível trocar rapidamente entre os grupos de magia e criar combinações muito interessantes. Uma das magias do elemento terra permite prender inimigos ao chão, que pode ser combinada com uma magia de água que é lançada em um ponto estático do campo, por exemplo.
Também é importante se atentar às resistências e fraquezas dos inimigos. Alguns deles resistem a certos tipos de elementos e também a efeitos como o próprio aprisionamento de terra que citei acima.
Algumas magias são mais úteis contra grupos de inimigos e outras funcionam melhor contra inimigos individuais. Também é importante gerenciar o vigor de Frey, para que seja possível utilizar o parkour mágico em combate para desviar de ataques inimigos, sendo a sua principal forma de defesa, além de aproximação ou reposicionamento.
Esse sistema me lembrou bastante um jogo indie chamado Wizard of Legend, onde controlamos um feiticeiro que possui um leque de magias disponíveis, contando também com um combate mais ágil e dinâmico.
É um conceito bastante interessante e que eu estava curioso em saber como seria aplicado em um jogo 3D de orçamento maior. Pessoalmente eu achei bastante prazeroso testar combinações de magias, ou simplesmente experimentar todas elas só pra ver o que eram capazes de fazer.
O jogo recompensa tanto a sua criatividade quanto a sua habilidade, já que possui um sistema de pontuação semelhante ao de Devil May Cry, que classifica o jogador com um ranking baseado em variedade de habilidades que utiliza, como também não tomar dano e realizar desvios e defesas perfeitos. Isso estimula o jogador a encontrar as combinações mais criativas e efetivas, bem como dominar os sistemas do jogo.
Infelizmente, pela falta de criatividade nos inimigos, esses sistemas acabam sendo subaproveitados. A minha sensação acabou sendo a de estar jogando uma tech demo exibindo o que os desenvolvedores são capazes de fazer.
E é uma pena, porque Forspoken conta com coreografias de combate muito legais. A forma com que Frey se movimenta e executa seus feitiços é bastante criativa, os efeitos das magias, apesar do visível downgrade que o jogo recebeu, ainda são muito legais, com utilização de muitas partículas e uma identidade visual interessante.
Forspoken apresenta um sistema com um imenso potencial que acaba sendo desperdiçado em seus inimigos não tão interessantes. O dinamismo do combate, suas coreografias, possibilidades de combinações e efeitos das magias me agradaram bastante, mas acabei me frustrando um pouco pensando em como isso poderia ser muito melhor aproveitado.
Além da árvore de habilidades onde você consegue desbloquear novas magias ao ganhar Mana o suficiente, seja subindo de nível ou coletando pelo mapa, Forspoken conta com um sistema simples de crafting que sinceramente não tinha razão para existir.
Jogos de action RPG em mundo aberto parecem seguir uma receita de bolo, onde é preciso de alguns sistemas para justificar a existência de outros. No caso do crafting, ele justifica a coleta de materiais pelo mapa, o que poderia ser substituído por atividades mais interessantes.
Um exemplo são os labirintos subterrâneos, onde enfrentamos uma série de inimigos e um subchefe, tendo como recompensa um equipamento, como uma nova capa para Frey, e mais algumas informações para agregar à lore do jogo.
Esses labirintos não têm nenhuma variedade e os subchefes, como citei antes, são bastante genéricos também. Penso que o esforço gasto em sistemas desnecessários como crafting poderiam ser utilizados no desenvolvimento das atividades opcionais.
O jogo acaba pecando também nesse aspecto, ao tentar replicar uma fórmula ubisoftlike que convenhamos já foi utilizada ao extremo e dificilmente vai conseguir trazer algo de novo e interessante para agregar ao jogo.
Apesar disso, a duração do jogo impede que ele se torne muito maçante. Você pode fazer todas as atividades extras ou só fazer parkour pelo mundo aberto, mas se você preferir fazer apenas a história principal, é possível concluir ela em cerca de dez horas.
Eu particularmente gosto de jogos que não são tão longos e acredito que esse seja um acerto do jogo. Lógico que isso acaba despertando discussões sobre preço de jogos x duração, o que é natural visto que jogos são caros, ainda mais para brasileiros.
O ponto mais polêmico do jogo provavelmente é o seu roteiro. Dias antes do lançamento, começaram a pipocar trechos da história que causaram muita discussão na internet. Observei algumas reações muito curiosas, e até exageradas.
Bom, Forspoken é um isekai. E se você leva a sério esse tipo de história, você já está errado. Cheguei a ver algumas reações muito negativas sobre o roteiro, e algumas piadas do jogo, e ao jogar eu cheguei a conclusão que era exatamente o tipo de roteiro que eu esperaria de uma história desse tipo.
A história chegou a me lembrar o filme Loucuras da Idade Média, estrelado por Martin Lawrence em 2001. O filme conta a história de um homem americano que acaba sendo transportado para a Inglaterra da Idade Média, um típico “isekai” ocidental.
A diferença é que em Forspoken há também espaço para alguns momentos mais sérios, o que nesse aspecto me lembrou diversos filmes da Marvel. Aliás, muitos diálogos e piadas que observei pessoas reclamando ou zoando eram exatamente o tipo de coisa que as pessoas amam em filmes da Marvel.
E tudo bem não ser o seu tipo de humor ou de história preferida, mas não é também exatamente algo que destoa da proposta do jogo. Algumas pessoas justificaram que era um tom que não combinava com uma direção de arte “mais realista” do jogo, o que eu discordo totalmente.
Séries como Fallout possuem uma direção de arte mais realista e exploram de forma muito interessante o humor. Não é de forma alguma um problema isso. E serei obrigado a admitir que alguns diálogos e piadas conseguiram me fazer rir, o que é algo positivo pra mim.
Forspoken explora uma premissa simples, você está em um mundo de fantasia e por um grande acaso do destino é a única pessoa que pode salvar esse mundo. Enquanto isso, busca por respostas sobre a origem dos seus poderes e sua própria origem.
O jogo é bastante direto no desenvolvimento do roteiro e atividades opcionais como exploração e sidequests só são necessárias caso você queira enriquecer um pouco mais o seu conhecimento sobre história de Athia e seus acontecimentos.
Apesar de não ser excepcional, o jogo cumpre o seu papel de desenvolver os personagens e os acontecimentos, pecando apenas na atuação dos personagens, que decepciona em alguns pontos. Algo que provavelmente ocorre por uma questão de orçamento, visto que apesar de ser um jogo publicado pela Square Enix, ele não aparenta ser um jogo de orçamento tão generoso, por assim dizer.
O roteiro conta com seus clichês típicos, mas não é mal escrito. Forspoken conta uma história padrão de aventura, sem se arriscar muito. O seu humor é bastante comum em diversas histórias e se ele vai agradar ou não já é algo bastante subjetivo e de acordo com o gosto pessoal de cada um. Particularmente eu gosto de roteiros profundos e bem desenvolvidos e mesmo assim me diverti com a história de Forspoken.
E mesmo a tão criticada interação entre Frey e Cuff não foram um problema pra mim. Tive a impressão de que eles foram menos falantes que na demo e os diálogos não são tão ruins assim. Mas se mesmo assim isso atrapalhar você, é possível ajustar a frequência dos diálogos nas opções.
Um dos pontos que acho que de fato é bastante negativo no jogo é a sua falta de identidade. Jogos de mundo aberto exigem bastante cuidado e trabalho para que não se tornem algo maçante e monótono. E infelizmente isso acaba acontecendo no jogo.
E quanto a direção de arte acerta na caracterização da personagem Frey e de alguns secundários, bem como nos efeitos das magias, todo o resto carece de capricho e de identidade.
E sim, o mundo é de fato muito vazio como todos observaram em trailers e na demo, infelizmente. Apesar de existir uma razão narrativa para isso, para a falta de pessoas e de movimento no mundo de Athia, outros jogos são mais competentes em explorar o vazio. Cito alguns como Death Stranding, Shadow of the Colossus e Journey. Os dois últimos são jogos um pouco mais contidos em seu mundo, o que facilita.
Além da questão gráfica mais técnica, com o visível downgrade que o jogo sofreu, o ambiente é bastante genérico. Se tratando de um mundo de fantasia, havia espaço para criar tanto um ambiente quanto a arquitetura das construções de forma criativa, o que o jogo acaba pecando.
Existem alguns momentos que o jogo até se esforça, como em um dos castelos que visitamos, mas ainda sim Forspoken decepciona nesse aspecto. Isso acaba até destacando mais Frey, que tem algumas capas bem legais e bem feitas, do restante do ambiente totalmente genérico.
A caracterização de alguns personagens secundários, como o Conselho da cidade de Cipal, e das Theias, antagonistas do jogo, possuem mais capricho e combinam bem com a temática de fantasia do jogo, mas o resto de Forspoken acaba não acompanhando.
Todo o restante, desde os cenários até os inimigos, não se destaca. E o fato de o jogo ter sofrido um downgrade maior do que eu esperava, prejudica mais ainda a experiência. Isso reforça minha tese de que esse jogo parece uma tech demo onde o estúdio apresenta sistemas de combate e movimentação criativos e com bastante potencial, inserindo tudo em um mundo genérico que não aproveita esses sistemas de forma satisfatória.
Talvez em uma possível sequência, que o jogo deixa uma ponta para que exista, a Luminous Productions possa explorar melhor o potencial do jogo, para que além dos sistemas ela consiga criar um mundo com mais identidade e memorável.
Forspoken pode não ser aquilo que todos esperavam, mas também não é o completo desastre que as reações na internet fizeram parecer. É possível se divertir com seu combate e movimentação, ignorando seus problemas.
O jogo sofreu com uma curiosa recepção negativa bastante exagerada, na minha opinião. Isso pode ter ocorrido por diversos fatores, alguns por culpa da própria Square Enix, como a demo desastrosa apresentou o jogo com muitos sistemas que sobrecarregaram o jogador, e outros fatores externos à empresa.
Senti uma estranha má vontade com Forspoken, com pessoas dispostas a simplesmente odiar o jogo. Tanto por parte dos jogadores como por uma parcela do jornalismo de jogos. Eu já vi jogos muito piores sendo melhor recebidos que Forspoken, que está longe de ser um jogo impossível de se aproveitar.
Não dá pra ignorar que existe uma pequena, mas barulhenta minoria, que tem problemas em aceitar representatividade negra nos jogos. Ainda mais se tratando de uma mulher negra. Aliado a isso, o jogo é exclusivo para o PS5, nos consoles, o que já acirra o famigerado console war, onde o que importa é encontrar o máximo de defeitos no jogo do console “rival”.
Alguns dias atrás vi um jornalista do portal RPGFan ser atacado porque ele ousou dar uma nota 80 para o jogo, afinal está proibido se divertir com um jogo só porque você não gosta dele. Também observei diversas tentativas de tirar sarro do jogo com seus diálogos “ruins” que na verdade eram totalmente aceitáveis.
Enfim, apesar de todos os problemas que o jogo possui, e que eu listei acima da forma mais realista possível, é perfeitamente possível se divertir com o jogo. Sem entrar no mérito do valor do jogo, que é realmente caro para nossos padrões atuais, ele não é injogável. Exceto pelo port problemático do jogo no PC, o que não é uma novidade se tratando de jogos da Square-Enix. Fãs de Nier:Automata me entendem nessa.
Espero que a Luminous Productions tenha oportunidade de aprender com seus erros e acertos, e que o estúdio possa ter a oportunidade de criar um novo jogo, até mesmo uma sequência, desenvolvendo melhor o potencial que ele possui.
Forspoken
Square Enix
Luminous Productions
PC, Playstation 5