Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge
Após longos anos de espera, recebemos finalmente Final Fantasy XVI, novo capítulo de uma das franquias mais tradicionais de RPG. Desenvolvido pela Creative Business Unit III da Square Enix, o jogo causou alvoroço quando foi revelado que ele teria uma abordagem mais voltada para a ação do que um RPG de turnos.
Apesar disso, o jogo foi recebido com muita expectativa por parte dos fãs e também dos jogadores que não eram familiarizados com a série e viram nessa mudança uma oportunidade de conhecer a franquia. Tivemos a chance de jogar e você vai ficar sabendo se Final Fantasy XVI atendeu essas expectativas ou não.
Final Fantasy XVI é ambientado no mundo de Valisthea, que é dividido em dois continentes: Tormenta e Cinza. Esse território é dividido entre seis nações: o Grão-Ducado de Rosaria, o Sacro Império de Sanbreque, isolado no continente Cinza está o Reino de Waloed, os cinco Estados que formam a República de Dhalmekia, o Reino de Ferro e por fim o Domínio Cristalino.
Valisthea é também o lar de cinco Cristais-Máter de tamanho colossal, que garantem éter para os habitantes dos continentes. O éter é utilizado amplamente no dia a dia de todos os habitantes, servindo para coisas simples como iluminação e acender fogueiras, e cigarros, e até mesmo na indústria ou para conjurar magias.
Entre os humanos existem também aqueles que são capazes de utilizar magia sem o auxílio dos cristais. Por conta dessa condição eles são tratados como seres inferiores, recebendo tatuagens no rosto e sendo chamados de Portadores. Após isso, são escravizados e utilizados em serviços domésticos e até mesmo em combate.
Durante o período em que se passa o jogo, os reinos estão em conflito por disputas de território e controle dos Cristais-Máter, visto que uma maldição chamada a Praga está consumindo o território de Valisthea, transformando terra viva em morta, onde nada cresce e nem mesmo o éter flui.
Além dos Portadores, existem também entre os humanos os Dominantes, que são capazes de utilizar magia controlando os Eikons, seres extremamente poderosos e que são guardiões dos elementos: fogo, terra, vento, gelo, trovão, luz e escuridão. Os Dominantes são valiosos para cada nação, pois são vantagens militares importantíssimas.
Você joga como Clive Rosfield, filho mais velho do atual arquiduque de Rosaria e irmão de Joshua, filho mais novo do arquiduque e atual Dominante da Fênix, Eikon de fogo. Clive está treinando para se tornar um Escudo de Rosaria, guardiões do grão-ducado. Clive está especificamente treinando para ser o Escudo pessoal de Joshua e se dedica muito ao irmão.
Feitas as apresentações iniciais, vamos descobrir mais sobre Final Fantasy XVI e o mundo de Valisthea.
O ponto mais polêmico de Final Fantasy XVI é o seu sistema de combate. A Square Enix convidou Ryota Suzuki para dirigir a criação do combate do jogo. Ele é um veterano na indústria e trabalhou em jogos como Dragon’s Dogma, Monster Hunter e Devil May Cry. Suzuki dirigiu a elaboração de um combate de ação bastante semelhante com Devil May Cry.
Para que isso funcione, o jogo limitou os personagens controláveis para apenas um, o protagonista. Mecanicamente ele funciona como um jogo de ação e é possível utilizar um ataque básico com espada, uma magia simples de acordo com o elemento do Eikon equipado no momento e também três habilidades por Eikon equipado.
Dessas três habilidades, uma é fixa e só pode ser utilizada quando você estiver controlando aquele Eikon. As outras duas podem ser dominadas totalmente no menu de habilidades e assim é possível designar ela para qualquer outro Eikon, mesmo que sejam de elementos diferentes.
O jogo conta também com pulos, esquiva e bloqueio, o famoso “parry”. Além disso, é possível desbloquear mais algumas habilidades como ataques aéreos com salto, ataques de investida, entre outros.
Por ser um RPG de ação, acabam surgindo algumas preocupações sobre como balancear corretamente o jogo. Isso porque são dois gêneros de jogos que são mecanicamente opostos, por assim dizer.
Em RPGs de turno o jogador precisa mitigar os danos e efeitos negativos. Ou seja, você com certeza receberá dano e precisa gerenciar equipamentos e itens que garantam a sua sobrevivência em cada batalha. Poções, equipamentos que garantam proteção extra, etc.
Por outro lado, em jogos de ação a preocupação do jogador é evitar danos, seja defendendo ou esquivando e se aproveitando das vulnerabilidades dos inimigos para causar o máximo de dano possível e acabar com o combate o mais rápido que puder.
Quando juntamos essas duas mecânicas é preciso encontrar um equilíbrio para que o jogador não abuse dos elementos de RPG para quebrar o jogo com muita facilidade e também para que ele não transforme os inimigos em esponjas de dano e façam o jogador se frustrar com combates longos e sem sentido.
Jogos como Dark Souls e Elden Ring solucionaram isso adicionando camadas de dificuldade e um combate mais cadenciado. Mesmo que você melhore seu personagem com pontos de habilidade e equipamentos, o jogo impõe seu ritmo de combate e exige do jogador um nível maior de habilidade.
Final Fantasy VII Remake usa uma abordagem mesclada, onde você tem certa liberdade no combate e até consegue evitar dano em diversos momentos, consegue até mesmo desviar de magias mas em outros momentos você irá sofrer algum tipo de dano ou efeito negativo e terá que mitigar isso.
O Remake também mantém características de RPG de turno, permitindo utilizar o menu para lançar magias, utilizar itens, etc. É de certa forma uma evolução de algo que já era visto em jogos como Star Ocean, por exemplo.
Final Fantasy XVI traz como proposta um jogo onde não veremos muitas magias e habilidades que normalmente encontramos na franquia, principalmente as que causam status negativos. Ele é mais focado na ação e as magias e habilidades em geral são para causar dano.
O jogo conta com o tradicional sistema de level, permitindo que você evolua seu personagem conforme derrota inimigos e ganha experiência. Também é possível equipar uma espada, um cinto, um par de braceletes e três acessórios.
Os status do personagem foram simplificados, contando basicamente com dano, defesa, vida e atordoamento, que é a capacidade de deixar o inimigo atordoado por um momento, aumentando o dano causado a ele.
Os acessórios garantem algumas vantagens como menor tempo de recarga das habilidades, aumento de status básicos, aumento da potência das poções e também aumento do dano das habilidades de Clive.
Para que o fator RPG não quebre o jogo tornando ele muito fácil para o jogador, o número de poções que você pode carregar é limitado. A poção comum por exemplo, você só consegue carregar inicialmente quatro unidades. Fora as poções, há algumas poucas outras maneiras de conseguir se curar em combate, como algumas habilidades que permitem isso.
Em diversos momentos você será acompanhando por outros personagens, que lutam ao seu lado. Em combates com grupos de inimigos, eles se preocupam com alvos menores e permitem que o jogador foque nos alvos prioritários.
Em alguns jogos que utilizam essa mesma abordagem, as vezes seus aliados acabam mais atrapalhando do que ajudando, o que não ocorre em Final Fantasy XVI. Mesmo quando sobra somente um inimigo no combate, os seus aliados não utilizam habilidades que quebram seu ritmo do seu combo ou algo assim.
Outra preocupação que eu tive com o jogo foi com a câmera. É possível jogar com ela destravada ou travar a mira nos inimigos. Surpreendentemente a câmera destravada funcionou muito bem, me permitindo trocar de alvos de maneira bem dinâmica e raramente eu não consegui atacar o alvo que eu queria, normalmente isso ocorria quando eu tentava chegar na retaguarda, o que acaba sendo natural que você seja bloqueado.
A câmera travada eu utilizei apenas em combates um contra um, facilitando um pouco mais para mirar as habilidades. A câmera destravada funcionou muito bem principalmente para utilizar habilidades em área contra grupos de inimigos, pois ela utiliza uma “semi-trava” onde você tem noção da direção que seus ataques irão.
Como um jogo de ação, Final Fantasy XVI funciona muito bem. Jogando no modo “foco na ação”, que seria uma dificuldade mais elevada, não tive grandes desafios e quem já tem certa experiência com jogos de ação também não terá. Os seus sistemas também são facilmente dominados.
Inimigos menores são derrotados de modo mais tradicional, atacando até que a vida deles se esgote. Inimigos maiores e chefes possuem além de uma barra de vida uma barra de “atordoamento”. Essa barra possui dois níveis e quebrando os dois níveis, os inimigos ficam atordoados, se tornando imóveis e recebendo maior dano.
Logo no início, após conseguir o poder de Garuda, é possível puxar o inimigo ao chão após quebrar o primeiro nívei de atordoamento, permitindo causar bastante dano e destruindo mais ainda essa barra.
Essa é uma das estratégias que o jogo oferece com seu leque de habilidades. Como não trocamos de tipos de armas, são essas habilidades que dão variedade ao combate. Dessa forma é possível formular um set que mais se adeque ao seu estilo de combate.
Cada Eikon possui abordagens diferentes. Garuda funciona bem para atordoar inimigos, Shiva possui mobilidade e controle de grupo, Odin se beneficia de combates um contra um para carregar uma habilidade poderosa, Titan possui boas habilidades de defesa e contra-ataque, etc.
Fênix por exemplo permite se aproximar rapidamente dos inimigos e conta com uma habilidade muito interessante que pode ser usada a longa distância. Essa habilidade também pode ser utilizada para se defender de magias e caso seja utilizada no tempo certo, anula a magia dos inimigos e fortalece o dano causado ao inimigo.
Titan conta com uma habilidade que permite se defender de ataques inimigos. Ao ser utilizada no tempo certo também, possibilita a execução de um parry e um contra ataque poderoso. Algumas habilidades também são fortalecidas conforme você as carrega por algum tempo.
Além disso, ao se esquivar de habilidades e ataques inimigos no tempo exato, é criada uma pequena janela que permite um contra ataque físico ou mágico com poder aprimorado. Dessa forma, o jogador é incentivado a não apenas evitar danos, mas também a analisar situações de risco x recompensa para anular os danos dos inimigos e ao mesmo tempo causar dano massivo.
E o interessante é que praticamente todos os ataques e habilidades inimigos podem ser anulados dessa forma. Algumas poucas exceções são ataques especiais carregados pelos inimigos que exigem que você cause dano massivo contra eles para impedir o carregamento dessas habilidades.
Ou seja, Final Fantasy XVI recompensa quem conseguir dominar suas mecânicas, o que pra mim foi bem legal por eu gostar de jogos de ação e já estar acostumado com essas mecânicas. Por outro lado, isso pode frustrar um pouco jogadores de RPG tradicionais que prefiram a abordagem mais metódica dos jogos de turno.
Pensando nisso, o jogo conta com opções de acessibilidade, como o modo história, que tem dificuldade menor, e alguns acessórios que podem ser equipados e permitem se curar e esquivar automaticamente, etc. A ideia é justamente oferecer uma experiência acessível para todos.
Além dos combates entre Clive e seus inimigos, existem os combates com os Eikons. Como já foi demonstrado em trailers, o protagonista é o Dominante de Ifrit e em alguns momentos controlamos ele. Também controlamos a Fênix em alguns combates.
O combate dos Eikons funciona de forma bastante parecida, com a diferença de que só podemos utilizar as habilidades de Ifrit. Outra diferença nessa abordagem são alguns momentos em que você precisa controlar os Eikons de maneira quase parecida com jogos de plataforma e até mesmo shooters.
Algumas lutas com a Fênix, por exemplo, parecem ter sido inspiradas em Drakengard, nas fases em que controlamos o dragão. Já alguns combates com Ifrit são quase uma corrida em plataforma onde precisamos saltar e desviar de projéteis.
Essas abordagens são interessantes porque demonstram o poder colossal que os Eikons possuem. Como já dito pelo produtor Yoshi-P, Eikons são como as armas de destruição em massa do mundo real. A proposta de dar o controle dessas criaturas para o jogador se relaciona bem com a ideia que o jogo quer passar, sobre a responsabilidade de controlar tamanho poder.
E os combates com Eikon possuem proporções quase inimagináveis. Cada combate é mais surpreendente que o anterior e gradualmente vão adicionando novas mecânicas, novos cenários e escalas de poder exponencialmente maiores, talvez as maiores que já vi em um Final Fantasy.
Sendo assim, uma das minhas preocupações que era o combate acabou me surpreendendo. Ele é divertido e bastante polido. Não é tão profundo como o de Devil May Cry, que acaba tendo maior variedade, mais verticalidade, etc. Se ele vai ser desafiador, isso vai variar de acordo com cada jogador, se estão acostumados com jogos de ação, etc.
A Square Enix também conseguiu encontrar um equilíbrio onde o jogo não pendesse muito para a ação, anulando totalmente a progressão de jogos de RPG, e nem totalmente para o RPG, permitindo por exemplo que fazer grind deixasse Clive invencível, exigindo que o jogador evite danos, saiba o momento certo de atacar, etc.
O jogo não foi desafiador pra mim, mas não me trouxe frustração. Eu me diverti bastante com ele e mesmo em alguns combates mais longos eu não tive a noção de muito tempo passando, de que eu estava ali macetando botões infinitamente em batalhas intermináveis.
Caso o jogador esteja procurando um desafio maior, é possível jogar o modo New Game+ que adiciona um novo nível de dificuldade, aumenta o limite do level máximo de Clive e também conta com alguns equipamentos adicionais.
Outro desafio opcional do jogo são as caçadas de inimigos notórios. Esses inimigos são classificados em ranques e oferecem recompensas como itens raros que podem ser utilizados para criar equipamentos poderosos para Clive.
Com essa frase, a Square Enix define o que está acontecendo no mundo de Valisthea. Um mundo cuidadosamente construído e que está à beira da ruína, seja pela escassez do principal recurso natural desse mundo, pela expansão da Praga ou pelas intermináveis guerras que vieram por consequência.
Final Fantasy XVI foi desenvolvido pela equipe Creative Business Unit III, uma divisão da Square que conta com membros que trabalharam em Final Fantasy XIV, incluindo o produtor Naoki Yoshida e diversos veteranos que trabalharam nos jogos do universo Ivalice, antologia criada por Yasumi Matsuno e que inclui os jogos Final Fantasy Tactics, Final Fantasy XII e Vagrant Story.
Conhecendo um pouco da equipe envolvida no projeto, já é possível ter uma ideia de como seria a proposta do jogo. Yoshida é um grande admirador de Matsuno e da forma com que ele gosta de construir universos de jogos que são ao mesmo tempo fantasiosos e críveis, muitas vezes inspirados em conflitos militares e políticos do mundo real.
Final Fantasy XVI segue essa mesma proposta. O jogo se inicia apresentando o contexto político e histórico de Valisthea e logo em seu início mostra um desenrolar crucial nos conflitos que estão ocorrendo, com a queda do arquiduque de Rosaria e anexação do território pelo Sacro Império de Sanbreque.
Após a queda do grão-ducado de Rosaria, Clive é marcado com a tatuagem de um Portador e integrado à linha de frente do exército do Império. A partir daí se desenvolve a sua história pessoal e suas ações impactam diretamente no destino de todo o mundo de Valisthea.
Durante sua jornada, Clive irá buscar vingança pela morte de seu irmão Joshua. Para isso ele contará com a ajuda de Cidolfus Telamon, mais conhecido como Cid. Após resgatar Clive de uma emboscada, Cid apresenta ao protagonista o seu esconderijo, onde ele e seu grupo abrigam e cuidam de Portadores e outros perseguidos de Valisthea. É nessa emboscada que Clive também reencontra Jill Warrick, que tinha sido criada por sua família como membro dela e agora despertou como Dominante de Shiva. Também reencontramos o lobo Torgal, fiel companheiro de Clive desde sua infância.
A história de Final Fantasy XVI apresenta uma jornada de desenvolvimento pessoal dos personagens, ao mesmo tempo que vai desenvolvendo o mundo a sua volta. É interessante que, inspirados pelas obras do Yasumi Matsuno, a equipe do jogo se preocupou muito em não deixar de lado o desenvolvimento do mundo.
Um exemplo disso é o glossário em tempo real que o jogo apresenta. Quando chegamos em alguma área do jogo, podemos abrir esse menu do glossário e ele apresenta os principais personagens, eventos e pontos de interesse daquela área, de maneira bem rápida e resumida.
Posteriormente, ao liberarmos o Esconderijo, o jogo também apresenta mais funções que enriquecem a construção do mundo. Na biblioteca “Os Mil Livros” temos um glossário massivo que apresenta todas as informações do jogo, separadas por tópicos e por cronologia. É uma enciclopédia robusta que também apresenta tópicos relacionados e um sistema de busca.
Por exemplo, se consultarmos a informação de um personagem importante de Sanbreque, o jogo apresenta várias abas com informações cronológicas de acordo com as atualizações da história. Desde o momento que o conhecemos e caso ele mude de posição ou morra, as informações vão sendo atualizadas. Abaixo você encontrará tópicos relacionados. Por ser uma figura importante de Sanbreque, o jogo irá sugerir os tópicos do império, pessoas relacionadas a ele e eventos importantes que ele participou.
Além disso, em outra área do Esconderijo encontramos uma outra personagem que explica a situação do mundo, com as movimentações dos exércitos entre os continentes. Também temos um mapa cronológico que mostra as mudanças nos territórios. Ao lado temos uma árvore de relacionamento dos personagens do jogo, que vai sendo expandido conforme conhecemos mais pessoas e atualiza suas posições, seus falecimentos, etc.
Final Fantasy XVI é um jogo que dedica muito tempo em construir sua lore, com muitas informações e recompensando o jogador que goste de ler, conversar com NPC’s e realizar sidequests.
Em um ponto inicial do jogo podemos usar o glossário em tempo real e ler sobre um personagem que foi ajudado por Joshua tempos antes dos acontecimentos do jogo. Ao encontrar com Joshua, o personagem menciona esse fato e diz que Joshua talvez nem se lembre. Mas o Dominante acaba se lembrando desse fato.
Isso também acontece com Clive. Ao finalizar uma sidequest, o personagem que eu ajudei comenta que lembra dele por conta de uma sidequest que fiz cinco anos antes na linha cronológica do jogo.
Poucas vezes eu vi jogos que desenvolviam personagens NPC’s e o mundo ao seu redor dessa forma. Final Fantasy XVI faz o jogador saber que suas ações estão causando impactos reais na vida das pessoas. Existe um NPC que faz um comentário bastante interessante de que após ser libertado da escravidão, conseguiu aprender a ler e escrever. Algum tempo depois o NPC diz que está escrevendo um livro sobre as aventuras do grupo de Clive.
O jogo também apresenta muitas sidequests que recompensam com mais desenvolvimento de mundo, que mostram a precária situação dos Portadores e também a reorganização de toda uma comunidade após momentos de crise.
E devo dizer que algumas dessas sidequests estão entre as mais emotivas e bem escritas que já vi, me lembrando bastante algumas que vivenciei em NieR: Replicant e NieR: Automata. E as vezes algumas são muito simples, como ajudar um botânico a desenvolver uma muda de árvore que possa fornecer maçãs para as pessoas do Esconderijo e que no final entregou um texto profundo e tocante sobre o legado que deixamos no mundo e como trabalhamos muitas vezes para o próximo e não para nós.
A trama principal do jogo também é bem desenvolvida. Apesar do marketing da Square Enix ter vendido a ideia de que seria apenas um Game of Thrones, o jogo é puro suco de Final Fantasy. Então você pode esperar toda a fantasia típica da franquia.
Sim, há uma forte inspiração na história de George R.R. Martin, mas o jogo também absorve outros elementos, como conflitos reais da história da humanidade. Os Eikons por exemplo, como citei anteriormente, são metáforas para armas de destruição em massa.
Como esses armamentos nucleares, os Eikons são quase “não-armas”. Há o receio da utilização desses guardiões no campo de batalha devido ao seu poder destrutivo. Em um momento do jogo um personagem sugere utilizar um Eikon, sendo respondido por outro personagem que isso faria com que o exército inimigo fizesse o mesmo, levando a grandes casualidades dos dois lados.
Há um clima de Guerra Fria nesse conflito, onde sempre há esse temor de utilizar tamanho poder e acabar destruindo seu próprio exército. Por isso achei interessante a ideia de colocar o jogador para controlar um Eikon em um jogo de ação, dando a ele essa responsabilidade de controlar esse poder.
Além disso, os próprios Dominantes são vistos de maneiras diferentes dependendo da nação a que pertencem. Em Rosaria, por exemplo, os Dominantes são sempre os herdeiros legítimos do trono. Em Dhalmekia, o Dominante Hugo exerce grande poder político devido à sua condição.
Cada nação possui características muito distintas, seja pelos seus costumes culturais e também pela sua organização social e política. Valisthea está sempre em constantes mudanças e Clive se vê me meio a esses conflitos desde o início.
E além disso, o jogo ainda tem espaço para alguns mistérios. Existe uma civilização avançada, que os valistheanos chamam de Decaídos, que viveram muitos anos em cidades flutuantes, controlando aeronaves e por alguma razão desapareceram. Isso me lembrou bastante as ruínas e artefatos que encontramos em missões secundárias de Final Fantasy Tactics.
O jogo deixa esse e outros mistérios no ar, revelando um mundo extremamente complexo e que não dá todas as respostas ao jogador.
Apesar de toda a complexidade desse mundo, o jogo foca muito no desenvolvimento pessoal dos personagens. Arrisco dizer que o jogo tem um dos elencos mais interessantes da franquia, se preocupando em desenvolver cada um deles na história principal e enriquecendo nas sidequests.
Clive e Jill crescem muito durante o decorrer do jogo, assim como outros personagens secundários. Cid é outro personagem fantástico, que com ideias de certa forma anarquistas cria uma comunidade baseada na autogestão e na ação direta contra poderes opressores.
Dion Lesage, príncipe de Sanbreque e Dominante de Bahamut, me surpreendeu. Pouco sobre ele tinha sido mostrado e ele se revelou outro personagem muito bem desenvolvido e que vai crescendo conforme o jogo passa.
Os antagonistas também são bem desenvolvidos. Benedikta, Hugo e outros que aparecem posteriormente possuem motivações e histórias pessoais que os humanizam. Barnabas, rei de Waloed e Dominante de Odin, é outro que surpreende pela sua natureza sombria e misteriosa.
O antagonista principal tem um papel fundamental no simbolismo do jogo, que trata de temas como sacrifício, superação e aceitação da natureza humana, de forma que nossos erros e acertos são o que definem o que é ser humano. Outro tema recorrente é a importância da liberdade para vivermos como desejarmos.
Isso funciona muito bem porque o roteiro é muito bem escrito e a direção das cenas consegue passar muito bem as mensagens que o jogo quer passar e as emoções dos personagens. Quem jogou a demo pode ter uma amostra disso na cena final do combate entre Ifrit e a Fênix.
Esse padrão de qualidade se mantém por todo o jogo e também nas sidequests, que receberam esse mesmo cuidado. Eu entendo que a estrutura dessas quests podem desanimar um pouco, pois como em muitos outros jogos elas se baseiam em ir de um ponto a outro, coletar itens, etc. Mas a recompensa que elas oferecem em construção de personagem e da mitologia do jogo compensam bastante.
A forma como a história do jogo vai se conectando conforme vamos conversando com personagens, realizando sidequests que futuramente abrem mais diálogos e cenas, o próprio crescimento dos personagens e o desenvolvimento dos conflitos em Valisthea, cria uma rede complexa de pequenas histórias que foram um enredo muito maior.
E a própria Valisthea se torna um personagem à parte. As ações de cada personagem moldam esse mundo e o jogo passa uma mensagem sobre como a sociedade humana é construída através do trabalho coletivo, da reconstrução e como muitas vezes o nosso trabalho é deixado como um legado a ser continuado pelas gerações seguintes. E muitas vezes nós não temos ideia de como será o futuro, mas ainda assim tentamos fazer a nossa parte por um mundo melhor.
Ao mesmo tempo, o jogo se preocupa no desenvolvimento pessoal do enredo de personagens, uma história que passa mensagens muito bonitas e é cheia de simbolismos, sendo tranquilamente um dos meus enredos preferidos da franquia também. E uma dica: o jogo realmente recompensa aqueles mais atentos aos detalhes da história e as sidequests, podendo até mesmo mudar a percepção do jogador sobre o desfecho do jogo.
A história de Clive, Jill, Cid e tantos outros vai se aprofundando e revela personagens muito bem construídos, até mesmo os secundários. Final Fantasy XVI também se tornou o jogo da franquia com um dos elencos mais memoráveis, me surpreendendo o quanto eu gostei deles, sobretudo do trio citado acima.
Importante citar que a dublagem do jogo foi excelente e ajudou muito a dar o tom do jogo. Destaque para o dublador de Clive, Ben Starr. Ele revelou em uma entrevista que perdeu seu pai durante as gravações da dublagem. Seu pai foi quem apresentou a franquia a ele, comprando Final Fantasy VIII.
Ben explica que Clive passa por um processo de luto semelhante ao que ele passou e por conta disso o dublador usou essa oportunidade para expressar artisticamente seu próprio luto. Por isso que determinadas cenas do jogo são bastante críveis, porque é o próprio Ben expressando a sua própria dor do luto por meio de Clive.
Apesar das críticas sobre a mudança do combate do jogo, a história é o suprassumo de um Final Fantasy. E eu não esperava menos de uma franquia tão importante e de uma equipe tão competente que trabalhou nesse jogo.
Além do cuidado com o enredo do jogo e sua construção de mundo, a equipe da Square-Enix se preocupou com uma direção de arte que desse uma identidade distinta ao jogo. Final Fantasy XVI utiliza uma engine própria, ao contrário dos últimos grandes projetos da empresa que utilizam a Luminous Engine e a Unreal Engine 4.
Com essa engine, a equipe criou gráficos que não estão entre os mais realistas dos jogos do mercado, mas que permitiu criar não só o combate voltado para a ação, como desenhar o mundo de Valisthea.
O jogo conta com mapas semi-abertos, divididos por áreas que podem ser acessados por um mapa, um belo mapa criado como um diorama por sinal, e também acessados rapidamente via viagem rápida pelo menu do jogo.
Temos áreas de florestas, planícies, desertos, regiões costeiras, vulcões e outros. Além de cidades de diversos tamanhos e com diferentes inspirações arquitetônicas. Sanbreque tem inspirações em grandes impérios, a capital de Waloed passa uma estética mais a cara da arquitetura gótica e Dhalmekia tem claras inspirações no Oriente Médio.
A direção de arte também é a cara de um Final Fantasy, inclusive referenciando diversas vezes outros jogos da franquia. Isso é jogado na nossa cara logo na demo, em um dos subchefes, que não só usa uma tradicional armadura dos cavaleiros dragão da franquia como faz uma pose idêntica à logomarca de Final Fantasy IV.
Uma outra cena do jogo referencia à tela principal de Final Fantasy I. Um dos itens bônus adquiridos por quem comprou o jogo na pré-venda é a espada Braveheart, utilizada pelo Warrior of Light de Final Fantasy I em uma das expansões do Final Fantasy XIV. Algumas áreas do deserto me lembram bastante a estética de Final Fantasy XII
Mesmo não tendo os gráficos ultrarrealistas de outros jogos, o jogo impressiona pela sua direção de arte, que entrega um mundo muito bonito e detalhado, desde os menores vilarejos até às grandes capitais.
A direção de arte também impressiona nos combates, sobretudo em combates com os Eikons, que tem algumas das cenas mais visualmente impressionantes que já vi. Sim, são o cúmulo do exagero e exatamente o que eu esperaria de um Final Fantasy.
E mesmo não sendo um jogo de mundo aberto, os cenários passam perfeitamente a impressão de quão grandioso é o mundo de Valisthea, como em uma área do deserto que possui um lago imenso e um cenário que se expande até a linha do horizonte.
E a forma que esse cenário de fantasia medieval se mescla com os cenários das ruínas super tecnológicas dos Decaídos, cria um ambiente fascinante e misterioso.
E claro que um Final Fantasy precisa ter uma trilha sonora épica, certo? O compositor Masayoshi Soken trouxe toda sua experiência trabalhando em Final Fantasy XIV e compôs algumas músicas incríveis.
Desde músicas que refletem a calmaria de vilarejos até as orquestras e corais com cantos gregorianos, as composições são impecáveis. É difícil descrever de forma escrita a trilha sonora de um jogo, então eu prefiro apenas recomendar que vocês ouçam.
Ah, e as trilhas sonoras também referenciam muito diversas músicas de Final Fantasy anteriores, mostrando como toda a equipe do jogo reverencia demais o trabalho de outros artistas que trabalharam na franquia.
Final Fantasy XVI é um dos jogos mais Final Fantasy que joguei em muito tempo. Mesmo com seu combate indo em uma direção oposta, o jogo respira a franquia e me despertou sentimentos da época que joguei Final Fantasy V, VI e VII pela primeira vez nos anos 90.
Passei um bom tempo lendo sobre o desenvolvimento desse jogo e fiquei fascinado com o esforço que foi feito para que o projeto desse certo, contando com os esforços de diversos times da Square Enix. O jogo contou com a ajuda de parte da equipe de Kingdom Hearts e da desenvolvedora Platinum Games, por exemplo.
É visível o amor de cada pessoa que trabalhou nesse jogo, devido ao cuidado que houve ao desenvolver cada aspecto do jogo. Final Fantasy XVI é também um jogo muito acessível para fãs novatos da franquia, ao mesmo tempo que entrega o saboroso “suco de Final Fantasy” para os fãs mais veteranos, mesmo que eles torçam o nariz para o combate.
Eu respirei esse jogo nos últimos dias e saí mais do que satisfeito. Saí querendo mais, pesquisando teorias, procurando mais informações sobre o seu desenvolvimento, querendo pelo menos uma DLC que explique um pouquinho mais algumas pontas…
O jogo referencia os clássicos, uma forma de respeitar todo o legado deixado por tantas outras pessoas que desenvolveram jogos da franquia e ao mesmo tempo apresenta um jogo moderno, com um roteiro sofisticado e uma complexa construção de mundo.
A longa espera valeu muito a pena e compensou a decepção com Final Fantasy XV. O mais novo título da franquia reuniu alguns dos melhores e mais apaixonados desenvolvedores da Square Enix, um trabalho de centenas de pessoas que presenteou os fãs com uma das mais genuínas experiências de um Final Fantasy.
E se Final Fantasy XVI não é um Final Fantasy de verdade, eu sou um moogle. Kupo!
Final Fantasy XVI
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