Crítica: Assassin’s Creed Mirage – back to basics

Por Arthur Tayt-Sohn

Nota: 8

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge

A franquia Assassin’s Creed volta após 3 anos desde o último jogo, Valhalla. A Ubisoft prometeu retornar às origens da franquia com Mirage, oferecendo um jogo com uma experiência mais próxima dos clássicos e com menos elementos de RPG.

Tivemos a oportunidade de jogar Mirage e contamos agora nossa experiência com o jogo e se ele realmente entrega o que promete.

De volta ao Oriente Médio

Assassin’s Creed Mirage é ambientado em Bagdá, onde hoje fica o Iraque. O jogo se passa no Século IX, durante a “Idade de Ouro Islâmica”, uma época onde a cultura muçulmana floresceu e o mundo islâmico contribuiu muito em áreas como artes, ciência, filosofia, economia, etc.

Jogamos como Basim Ibn Ishaq, um ladrão que vive nas ruas de Bagdá e vive de furtos para sobreviver, junto com sua amiga de infância Nehal. É o mesmo Basim que aparece em Assassin’s Creed Valhalla.

Desde jovem, Basim não se conforma com as injustiças e desigualdades que seu povo sofre nas mãos do califado e entre um “trabalho” e outro, tenta chamar atenção dos Ocultos, como são chamados os Assassinos aqui, para que o recrutem para sua organização.

Em uma tentativa de provar seu valor para os Ocultos, Basim tenta roubar um artefato do palácio do califa. Lá ele descobre que uma Ordem dos Anciões, precursora dos Templários, tem interesse nesse artefato.

Após o roubo dar errado e resultar em mortes inesperadas, Basim se vê no meio de um conflito nas sombras entre os Ocultos e a Ordem, acabando por se tornar um recruta do primeiro grupo, em busca de justiça e de conhecer a si mesmo.

Back to basics

Como prometido pela Ubisoft, Mirage realmente é uma volta às origens, mecanicamente falando. O jogo elimina praticamente tudo de elementos de RPG que vimos nos jogos anteriores e foca muito mais no aspecto furtivo de Basim.

Isso conversa bem com o roteiro do jogo, visto que Basim não é um guerreiro experiente, porém sua vida como ladrão nas ruas de Bagdá o tornou muito habilidoso em furtividade, corrida, saltos e parkour.

O combate do jogo é bastante simples, contando com ataque fraco e forte, esquiva e aparar, o famoso parry. Enquanto combates um contra um são mais tranquilos, eles vão se tornando mais desafiadores conforme você luta contra mais inimigos ao mesmo tempo. Isso reforça o foco do jogo em furtividade e assassinatos planejados.

Os equipamentos agora contam com status mais simplificados também. As armas possuem dano e uma habilidade específica. Os trajes de Basim também fornecem alguma habilidade ou vantagem, como assassinatos mais silenciosos por exemplo. Os equipamentos podem ser melhorados em lojas espalhadas pela cidade.

Mirage também conta com ferramentas que ajudam em combate e assassinatos. Facas arremessáveis, bombas de som, armadilhas, etc. Essas ferramentas também podem ser melhoradas nos esconderijos dos Ocultos para que tenham funções a mais, como maior alcance, envenenamentos, etc.

A árvore de habilidades também se tornou mais simples, contando com praticamente nenhuma que altere profundamente o combate, sendo a maioria melhorando as capacidades furtivas e de assassinato de Basim, outra demonstração do foco que o jogo dá nesses aspectos.

Falando como alguém que jogou o primeiro Assassin’s Creed no lançamento, e depois novamente uns 10 anos depois, Mirage passa a sensação de como nós achávamos que era jogar o primeiro jogo em seu lançamento. Explico.

O primeiro jogo foi um fenômeno, mas foi um jogo que contava com suas limitações da época. Apesar das excelentes ideias, naturalmente que a tecnologia daquela época não proporcionava uma experiência tão polida. Gostávamos muito do jogo, mas talvez hoje possa haver um estranhamento caso você jogue.

Mirage de certa forma apresenta uma experiência muito parecida com o primeiro jogo, mas de forma bem mais polida, graças aos avanços que foram ocorrendo naturalmente. O jogo até mesmo ocorre em um cenário que lembra o original: o Oriente Médio.

Talvez ele cause estranheza no combate para os que já estão acostumados com os jogos mais modernos da franquia, mas pra mim isso não causou nenhum problema, visto que eu já gosto mais da experiência furtiva da franquia. E acreditem, o combate no primeiro jogo era muito mais problemático.

Em Mirage o combate é simples e funcional. E nos raros momentos que você vai realmente precisar lutar em combates francos, ele não vai apresentar muitos problemas. Além disso, ele é bastante fácil de dominar.

Na maior parte do tempo você vai precisar se infiltrar em áreas específicas e pra isso vai contar com a furtividade de Basim, habilidades de assassinato e as ferramentas disponíveis. Nesse ponto o jogo funciona basicamente como a maioria dos outros da franquia.

Você pode se esconder em alguns pontos, como carroças de feno, montes de mato, etc. Também pode atrair inimigos com assobios e com ferramentas, como a bombinha de barulho. A partir daí você pode planejar os assassinatos dos inimigos.

No modo de dificuldade normal, o jogo não oferece muitos desafios para quem consegue dominar essas mecânicas e planejar bem seus objetivos. Aumentando a dificuldade, os inimigos ficam mais atentos e detectam Basim com maior facilidade, além de serem mais fortes e causarem mais dano.

O foco em stealth impõe um ritmo mais lento ao jogo, onde em muitos momentos você vai precisar esperar o momento certo para eliminar um inimigo ou para passar por ele sem ser visto.

Por outro lado, o ritmo do parkour do jogo é bem acelerado e dinâmico. Diversas vezes vimos jogadores reclamando da falta de cuidado nesse aspecto do jogo, que foi algo que tornou ele muito popular, e isso foi acertado em Mirage.

Bagdá é um parque de diversões e você consegue usar praticamente tudo na cidade para escalar ou pular. Toda a área explorável do jogo parece ter sido cuidadosamente criada para que você possa utilizar o parkour, ao mesmo tempo que tudo está organicamente posicionado, não parecendo “fora do lugar” apenas para permitir que você possa escalar.

E o parkour funciona bem não apenas horizontalmente, mas também verticalmente. Eu fiquei surpreso por exemplo quando saltei de um lugar mais alto para uma barra que estava mais abaixo e Basim utilizou as mãos para pegar impulso para ir para a próxima barra. Em alguns jogos modernos eu sentia que os personagens paravam demais entre um obstáculo e outro.

Mirage tem bastante movimentação tanto verticalmente quanto horizontalmente, o que me agradou bastante. E ele flui de forma bastante natural, utilizando a ambientação orgânica de Bagdá.

Lembro que um tempo atrás surgiu uma discussão no Twitter sobre alguns jogos que “pintavam de amarelo” locais onde você deveria escalar. Isso não existe em Mirage e na verdade não precisa, porque com o tempo você sabe exatamente onde pode escalar ou pular e pra onde isso vai te levar.

O parkour é certamente o melhor acerto do jogo e fico feliz que a Ubisoft tenha voltado a ter cuidado com ele, me deixando otimista para como serão os próximos jogos. O foco também em furtividade é algo que me agrada.

Se você é um fã da franquia que não jogou o AC 1, vai ter um gostinho mais polido de como era jogar ele. Se você é um fã do primeiro jogo, Mirage vai te dar aquele gostinho de nostalgia, uma volta às origens. E isso pra mim foi muito bem-vindo.

A origem de Basim

Se você jogou Valhalla, certamente conhece Basim e o que ele representa na franquia. Mirage conta a sua origem, como ele se tornou um Oculto e como ele descobriu o seu passado e qual seu papel na história.

Para contar essa história, a Ubisoft optou por um jogo mais enxuto. Temos algumas atividades extras, mas elas foram drasticamente reduzidas. A ideia é realmente focar na trajetória do protagonista e contar sua história.

Iniciamos a jornada de Basim como um ladrão nas ruas de Bagdá, realizando furtos e invadindo propriedades, passamos pela transformação dele em um Oculto e vamos até o momento onde ele descobre o seu propósito.

A experiência de jogar Mirage é bastante diferente se você for um fã antigo da franquia e se você não tiver tanto contato com os jogos. A Ubisoft referencia diversos jogos antigos da série, até mesmo dos primeiros jogos.

Um exemplo disso é uma carta que encontramos em um esconderijo dos Ocultos, onde um membro de outro Capítulo da ordem conta entusiasmado sobre um Oculto que estava ansioso para ter uma segunda Lâmina Oculta, sem nem se importar em perder outro dedo. O conceito dessa lâmina foi usado séculos depois por Leonardo da Vinci na criação de uma lâmina para Ezio Auditore, de Assassin’s Creed 2.

A sensação que eu tive jogando Mirage foi de que a Ubisoft estava querendo dizer “ei, nós não nos esquecemos do que Assassin’s Creed significa”. Tanto o foco no enredo quanto as inúmeras referências encontradas no jogo me deram uma sensação de nostalgia.

E pode parecer muito estranho o que vou dizer, mas Mirage poderia ser um pouco maior. Um jogo com algumas horinhas a mais poderia desenvolver melhor personagens secundários e os antagonistas, que são pontos mais fracos da história.

Um protagonista se desenvolve melhor quando temos personagens de apoio que também se desenvolvem e criam melhor conflitos e oportunidades do protagonista crescer. Eu vejo isso ocorrendo muito bem em Black Flag, que é meu preferido da franquia. A saga de Ezio Auditore também desenvolve bem o Assassino, mas aí temos vários jogos que trabalham isso de forma mais lenta.

Apesar de Mirage não surpreender muito quem já conhece Basim pelo Valhalla, o jogo tem seus momentos de plot twist e explora de forma interessante os conflitos internos dele e o papel dos Isu nessa história.

Para os que não conhecem, Isu são uma raça ancestral que escravizou os seres humanos muitos anos atrás. Eles desempenham papel importante no conflito dos Assassinos contra os Templários, visto que deixaram para trás ruínas e artefatos capazes de dar imenso poder para quem os controlar.

Me pareceu que o objetivo da Ubisoft com o jogo foi definir quais serão os próximos passos da franquia e qual arco será explorado. Valhalla já tinha dado essa pista e termos agora um jogo explorando exatamente a origem de Basim, reforça isso ainda mais.

A franquia se expandiu bastante desde os acontecimentos de Assassin’s Creed 3, que concluíram o arco de Desmond Miles. A cada novo jogo, novos conflitos aparecem e aparentemente a história está longe de terminar. Acompanhemos os próximos capítulos.

Uma Bagdá viva e vibrante

Um dos pontos mais fortes da franquia, se não o mais forte, é o seu cuidado com a ambientação. Isso vem desde o primeiro jogo e Mirage não é diferente. A Ubisoft sempre faz o dever de casa quando se trata da direção de arte e da ambientação dos locais onde ocorrem o jogo.

Mirage reproduz de forma bastante fiel a Bagdá do século IX. Logo no início do jogo recebemos um aviso de que o jogo foi produzido por uma equipe multicultural e diversa. Além disso, já é de conhecimento geral que a Ubisoft contrata consultores de História para criar seus jogos.

Isso se reflete na qualidade da construção de mundo. Bagdá é bonita, viva e deixa toda a história bastante crível. E ao mesmo tempo o jogo toma liberdade de incluir os elementos fantasiosos dentro desse contexto, como as ruínas e artefatos dos Isu.

A cidade conta com palácios, mesquitas, haréns e é claro, os mundialmente famosos bazares, as zonas de comércio onde se podia comprar e vender de tudo. E para contextualizar melhor tanto os locais como alguns personagens importantes, Mirage conta com um extenso glossário que explica os locais históricos e como eles se encaixam na história. Para os amantes de História, Mirage não decepciona e mantém sua tradição de se preocupar com informações históricas.

Tenho apenas algumas críticas a alguns modelos de personagens que não são dos melhores já feitos pela Ubisoft, além de algumas dublagens. Eu comecei jogando com a dublagem em português brasileiro e me decepcionei um pouco. Senti que faltou um pouco de emoção em alguns momentos chave do início do jogo.

Dei continuidade nele jogando com a dublagem em árabe, que achei bem melhor e gostei da imersão que ela deu, já que é um jogo ambientando em um país árabe. Andando pela cidade você acaba tendo uma noção melhor de como é andar por lá e ouvir os mercadores oferecendo suas mercadorias, cidadãos fofocando, etc.

Assassin’s Creed Mirage não decepciona ao criar a imersão do jogador em um ambiente histórico, ao mesmo tempo que promove o conhecimento de culturas e costumes. Naturalmente que o jogo não é 100% fidedigno em tudo, por questões de enredo. Mas ainda há a preocupação em retratar um país e seu povo com o máximo de respeito e fidelidade possíveis.

Por eu também gostar bastante de História, esse é um dos pontos que sempre me agrada bastante em Assassin’s Creed, mesmo que eles tropecem algumas vezes, como na representação de um Karl Marx centrista que vimos em Syndicate. Mas no geral os jogos mais acertam do que erram nesse aspecto. E Mirage me agradou bastante.

O que vem agora?

Assassin’s Creed Mirage é um jogo que nos faz pensar: e agora, o que acontece?

A franquia foi se expandindo com o tempo, adicionando elementos de RPG, inúmeras atividades extras e aumentando seu escopo a cada título. E de repente temos Mirage, que traz uma experiência muito mais enxuta e próxima aos jogos clássicos.

Parecia improvável que a Ubisoft abandonasse tudo que implementou ao longo dos anos e somos surpreendidos com esse jogo, que foca exatamente no básico. Com novos jogos já anunciados, estou ansioso para saber qual será o escopo que eles terão.

Assassin’s Creed Mirage foi uma grata surpresa pra mim. Mesmo com alguns tropeços em sua execução, ter uma experiência mais próxima dos jogos clássicos era exatamente o que eu buscava em jogos da franquia atualmente.

É um título que eu também recomendaria para aqueles que não experimentaram o primeiro jogo e querem ter uma experiência próxima do que ele foi, mas acha que ele envelheceu mal demais para ser agradável de se jogar hoje em dia.

Nome do jogo:

Assassin's Creed Mirage

Publisher:

Ubisoft

Desenvolvedora:

Ubisoft Bordeaux

Plataformas Disponíveis:

PC, Playstation 5, Xbox One, Xbox Series S|X