Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge
SaGa é uma franquia que me admirava e intimidava em iguais medidas. Os poucos jogos da franquia que joguei por bastante tempo me traziam experiências únicas e muito interessantes e, ao mesmo tempo, tinham muitas complexidades que me intrigavam e diversas vezes me sentia punido por não as entender bem. De fato, os únicos SaGa que consegui terminar de forma satisfatória foi o Romancing Saga 2 e o Saga Frontier 1, e para isso rejoguei diversas vezes na época. Sempre ouvi falar bem de SaGa Scarlet Grace e pessoas que gostavam dele estavam empolgadas pelo Emerald Beyond, que contém várias similaridades. Decidi então voltar a explorar essa franquia através do jogo mais recente e após 50 horas sai com sentimentos mistos em relação ao jogo. Mas respeitando-o profundamente.
Saga Emerald Beyond é um RPG por turnos no qual você escolhe entre cinco protagonistas com histórias diferentes. Cada história tem um tom diferente e podem te dar liberdades em variados níveis, existindo mais de um final para um mesmo personagem. O que todos os personagens têm em comum é o fato de que a estrutura do jogo e da narrativa permanece a mesma: por alguma razão seu personagem irá viajar entre diversos mundos.
Cada mundo tem sua própria história contida ali que pode ser resolvida de diversas formas. Você pode chegar num mundo aonde grupos religiosos estão em guerra e se aliar a algum deles, por exemplo. O jogo é propositalmente vago quanto as consequências e possibilidades que você tem e quer que você descubra pela experimentação. Algumas coisas numa jogada com um personagem podem influenciar a campanha seguinte que você escolher de variadas formas. Dependendo de como você joga, as vezes pode encontrar um personagem de outra campanha em contextos diferentes que acharia jogando com ele de fato.
A primeira vez que joguei com a Diva no.5, uma robô cantora que perdeu sua voz e viaja aos mundos para “encontrar seu coração” e voltar a cantar. Ao terminar o jogo pela primeira vez, escolhi a campanha da dupla Bonie e Formina, que são policiais numa história de mistério e comédia. Com a dupla eu encontrei Diva num outro contexto, recrutei ela para minha equipe e ela estava com os status da campanha anterior. Além disso, alguns mundos sofrem mudanças de uma campanha para outra.
Uma coisa que demorou para clicar comigo, mas quando clicou me instigou bastante foi justamente essa dinâmica livre e experimental do jogo. Você é livre para escolher diversos personagens com diversas histórias com diversas interações e ao longo das jogadas vai entendendo como tudo se conecta. No momento que terminei a campanha da Diva e comecei a de Bonie e Formina, me peguei completamente intrigado com o que diabos seria a história maior do universo do jogo, vendo como alguns personagens reapareciam em contextos diferentes.
Aquele sentimento de “Não, o que esse personagem ta fazendo aqui? Agora quero saber mais sobre isso aqui” aconteceu com certa frequência. Joguei com uma personagem que a campanha acabou de maneira super abrupta e deixando claro que poderia fazer algo diferente para encontrar outro final, me fazendo querer rejogar a mesma campanha de imediato. Contudo, tudo isso seria excelente se não exigisse uma repetição um tanto maçante.
Tem muito mundo que simplesmente é bem desinteressante e outros com poucas variações, e repetir diversas vezes eles me fez parar o jogo antes de terminar com todo mundo que queria. Por um lado é frustrante e ainda sinto que tem coisas que o jogo poderia me oferecer, mas não tive ímpeto de alcançar, por outro, sinto que a forma que o jogo foi feito ele te deixa livre para terminar aonde quiser e se sentir satisfeito, é uma experiência muito aberta.
Infelizmente não tem como, esse jogo é feio. Não feio por pouco poder gráfico, feio pela direção de arte básica e meio sem graça. Poucos designs são realmente interessantes aqui, a maioria dos mundos e cenários são bem pobrinhos e eu sinto que, por mais que SaGa seja uma franquia mais sobre sistema quanto narrativa, esse jogo tem texto demais para ser apresentado de forma tão monótoma quanto ele é.
A maioria dos diálogos não tem dublagem, os personagens tem pouca variedade de expressão e a direção das cenas são em sua esmagadora maioria em slides com direção super básica. Era muito fácil perder minha atenção em certos momentos narrativos, especialmente em mundos que a história simplesmente não era boa, me dando um sentimento de só estar perdendo tempo ao invés de chegar logo nas partes que realmente me interessavam no jogo. O jogo quer falar muita coisa e a qualidade da abordagem dos temas varia, mas com certeza sairia mais positivo se o jogo fosse visualmente mais instigante.
Até agora, tudo que falei faz esse jogo parecer medíocre, mas ele tem um elemento que dá um brilho fortíssimo para ele: o seu combate. Eu amo de paixão o combate desse jogo. A princípio ele é um sistema complexo demais, porém, quanto mais entendia suas nuances melhor ficava.
O combate é um sistema de “linha do tempo”, em que você previamente tem ideia do que os inimigos vão fazer e você deverá responder. As ações só acontecem quando você seleciona o que todo mundo vai fazer, e cada habilidade insere o personagem em seu lugar na timeline. A ideia é ver quando os inimigos vão atacar e responder atacando em momentos mais oportunos, que pode ser antes ou depois.
E como funciona isso? Com as MUITAS nuances que o combate possui.
Se os espaços preenchidos na sua linha do tempo se conecta com um aliado, você realiza combos causando mais dano. Se alguém está sozinho na linha do tempo com dois espaços na frente e atrás, tem um golpe especial poderoso.
Além de toda questão do posicionamento, as habilidades podem influenciar como as coisas são feitas. Tem habilidade que empurra um inimigo mais a frente a linha do tempo, tem habilidade que interrompe o golpe de alguém, habilidades que te fazem agir logo em seguida do inimigo. Tudo isso bem-planejado pode posicionar os personagens para realizar combos, golpes especiais e explorar fraqueza dos inimigos.
Todas as possibilidades que falei também existem para o inimigo, e eles IRÃO usar isso em favor deles. Muitas vezes o jogo é desafiador justamente porque todas as suas ações precisam ser bem planejadas e levar em conta as possíveis ações dos inimigos.
Vale mencionar que nesse jogo não há maneira de se curar em combate diretamente e aflições pesam muito. Tal qual Shin Megami Tensei, esse é um RPG que você deve prestar atenção em buff, debuff, veneno, confusão. As vezes a escolha entre mitigar dano ou tentar embalar um combo poderoso para matar logo o inimigo é extremamente decisiva.
Para além do combate complexo e cheio de nuances, todos os sistemas do jogo são um tanto complexos.
Aqui você não tem níveis para subir. Seus status sobem conforme você luta, quem apanha mais vai ganhando mais resistência, usar muito uma arma melhora a habilidade com ela. E existe um elemento aleatório no jogo em que você aprende novas habilidades quase que na sorte. Se usar muito uma técnica com espada, eventualmente pode acabar aprendendo outra técnica com ela. Cada técnica faz coisas bem variadas, e dificilmente alguém vai chegar ao fim do jogo com um time igual ao seu.
O jogo não possui compra e venda de itens, tudo é feito com você ganhando recompensas nos combates e por um sistema de trocas. Nesse sistema de trocas, você oferece materiais ou itens em troca de outros, e as ofertas não são fixas, fazendo com que o upgrade de armas seja também proeminente dos materiais que você conseguiu ao longo do jogo.
Ele é um jogo com um sistema curioso onde te faz planejar ao mesmo tempo que improvisa muito com o que recebe. Porém, isso nem sempre vem para o bem.
O chefe final da Diva no.5 é extremamente difícil, e pelo que vi, é um dos se não o mais difícil de todos os personagens. Tive uma luta extremamente tensa e demorada, que me levou a incontáveis game overs no qual o jogo me fez dominar todas suas mecânicas. Houve momentos que estava com tudo sob controle na luta e por um único erro (e as vezes só azar) tudo ia por água abaixo. Por um lado, foi uma das vitórias mais satisfatórias que tive num RPG e a batalha foi instigante e inesquecível, por outro lado, vi o quanto o sistema de trocas é injusto e que da forma com que ele é feito, me parece que fiz a pior escolha para minha primeira campanha.
Veja bem, a campanha da Diva é a mais longa e com o chefe mais difícil, e após 20h de jogo para chegar no chefe final, não queria largar para começar outra campanha. Porém, os itens e recursos que recebia pelo sistema de trocas, as habilidades aleatórias que ganhei nos personagens que investi tempo não tinham a melhor eficácia contra o chefe final.
O jogo todo não me exigiu nada de grind (ainda mais porque ele já tem muita luta naturalmente), mas me vi forçado a grindar por horas a fio para criar equipamentos que me desse um pouco mais de chance. O chefe usava muitas habilidades de aflição de status, e tinha poucos equipamentos e habilidades para contornar isso. E após mais de 10 horas de grind continuei tendo pouco, mas o suficiente para ter uma chance.
Existia outro método que poderia recorrer que envolvia usar personagens que não investi tempo antes, mas justamente pelo pouco tempo que os usei (e não conseguir treinar o que realmente queria num sistema de treino que o jogo tem) para não morrer rápido contra o chefe teria que ser muito mais defensivo do que estava sendo contra ele. Não existe forma de recuperar HP em combate, ser defensivo aqui é essencial, porém mais limitado.
SaGa Emerald Beyond é um jogo muito autoral. Não é para qualquer um e pode ser frustrante, mas existe muita coisa interessante para quem está disposto a compreendê-lo.
Apesar dos perrengues, eu respeito muito o que esse jogo faz e queria ver coisas dele florindo em outros jogos, ou que a Square desse recursos para o Kawazu, diretor do jogo, fazer um projeto com uma apresentação e polimento forte. Eu sinto muito que esse jogo é composto por gente talentosa com pouquíssimos recursos. Talvez com mais tempo e polimento esse jogo fosse um dos melhores jogos que joguei na vida.
Mas ele é o que é, e o que veio é algo valioso de sua própria maneira.
SaGa Emerald Beyond
Square Enix
PC, Playstation 4, Playstation 5, Nintendo Switch