BAKERU parece um jogo de 3DS, mas por quê?

Por Matheus Megazao

Enquanto jogava BAKERU para uma análise para o site, uma frase em minhas anotações sobre o jogo se destacava por ser simples na mesma proporção que era enigmática: “parece um jogo de 3DS”. Enquanto a distância temporal dos consoles até a sexta geração nos permite classificar um jogo como tendo “cara de Nintendo 64” ou “cara de PlayStation 2” e transmitir uma ideia em particular com essa classificação, o 3DS é diferente. O portátil acaba de entrar em sua adolescência, o que torna discutível até se ele pode ser considerado retrô, então os elementos que fariam um jogo “parecer de 3DS” ainda não foram consolidados – e pensando nisso eu me propus a questionar de onde exatamente vinha esse sentimento. A resposta que encontrei se tornou uma tangente longa o suficiente para virar um texto próprio que reflete um pouco, de forma um pouco autoindulgente, sobre a experiência única do 3DS e memórias.

DNA de 3DS

BAKERU é um jogo de plataforma 3D desenvolvido pela Good-Feel que finalmente chega ao ocidente após uma recepção muito positiva no Japão. É um jogo simples e direto, te dando fases abertas e cheias de inimigos e coletáveis para te incentivar a explorar, ao mesmo tempo que não dificulta muito sua progressão. O grande diferencial aqui é que ele é divertido e fluido de controlar, e tem uma estética baseada na mitologia japonesa misturada com elementos temáticos de cada fase (urbana, um navio, uma floresta, um templo, etc.) que torna cada uma delas igualmente divertidas de explorar. E foi em meio a isso que o 3DS ficou voltando à minha mente, pois algo nessa fórmula estava trazendo memórias dessa época tão específica.

A primeira suspeita que eu tive foi a desenvolvedora, a Good-Feel. Não foi uma suspeita infundada, afinal a maior parte do portifólio deles consiste de jogos de propriedades da própria Nintendo – os mais notáveis sendo Kirby’s Epic Yarn, Yoshi’s Woolly World, Yoshi’s Crafted World e, mais recentemente, Princess Peach: Showtime!. Trabalhando com a Nintendo há tantos anos, especificamente em jogos de plataforma, não é surpreendente que eles sejam capazes de replicar o game feel tão preciso que torna jogos como a série Super Mario Bros. referência no gênero. E enquanto isso explica parte do que torna BAKERU especial, ainda falta talvez o aspecto mais importante em sua essência de 3DS: os visuais.

A beleza da limitação

Mais cedo eu mencionei que é meio que senso comum podermos dizer que um jogo tem “cara de [console até a sexta geração]” e sermos entendidos, e isso não é igualmente comum da sétima geração em diante. Isso porque, com o avanço da tecnologia gráfica e a busca cada vez mais agressiva por realismo nos jogos, os orçamentos só foram aumentando, enquanto a possibilidade de arriscar com novas ideias e estilos só diminuía. Assim, essa identidade criada por limitações e experimentações de épocas anteriores praticamente se perdeu desde então. Com o lançamento do Nintendo Switch e sua capacidade de rodar as (quase) mesmas versões de grandes jogos que outros consoles, o 3DS (junto do Vita) acabou se tornando a última geração de portáteis definida pelas mesmas limitações dos consoles de outrora. Por isso, é muito mais comum lembrarmos de jogos com visuais únicos no DS e no 3DS do que no Switch, por exemplo.

Alguns jogos que passaram pela minha cabeça enquanto jogava BAKERU foram Pushmo, um jogo de empurrar blocos para formar imagens que foi um dos primeiros grandes hits da eShop do 3DS; HarmoKnight, um jogo de ritmo da Game Freak que era tão carismático quanto divertido; Dillon’s Rolling Western, um tower defense que você precisava proteger cidades com recursos coletados em um mundo explorado livremente em 3D; e Sakura Samurai: Art of the Sword, uma espécie de Punch-Out! samurai com um estilo visual muito único. Todos esses jogos têm duas coisas em comum: identidades visuais marcantes e gameplays inusitados, e eu acho que BAKERU consegue (intencionalmente ou não) recriar esse estilo mais cartunesco oriental que era prevalente no 3DS.

Além da similaridade, memórias

Existem então relações que explicam por que BAKERU me remete tanto ao 3DS em gameplay e estética. Mas, afinal, por que isso importa? Por que fui buscar traçar uma relação entre esses aspectos com um portátil e transformei isso em um texto próprio, quando isso tudo podia ter sido uma mera linha na minha análise – “parece um jogo de 3DS”? A resposta depende de algum contexto.

O DS foi meu primeiro video game “de verdade”, que era exclusivamente meu e que eu joguei muito. Meu DS Lite branco e meu DSi azul basicamente construíram a base do meu amor por videogames, então eu estava maluco com o lançamento do 3DS. Eu tive três versões do portátil ao longo do tempo, e posso dizer com propriedade que o 3DS era um video game especial. A experiência que ele proporcionava, principalmente em seus primeiros anos, era simplesmente única. Desde coisas mais conhecidas como o StreetPass, que permitia que você recebesse Miis do 3DS de outras pessoas que cruzasse na rua para jogar minigames, até a introdução de comunidades como o Miiverse, o aspecto social do 3DS era parte integral do portátil. A eShop, nos primeiros anos, era populada por trailers, minisséries e até um programa de notícias próprio – tudo em 3D para enaltecer esse aspecto até então inovador.

Tudo isso tornava o simples uso do 3DS algo especial. Quantas vezes não liguei o console para usar algum de seus vários aplicativos nativos ou só para navegar nas novidades da eShop, sem jogar um jogo necessariamente. O ato de “entrar no 3DS” era parecido com “entrar no computador”, no sentido que era realmente um espaço virtual para ser frequentado, de certa forma. Mas isso tudo acabou abruptamente no Switch. E não é como se tivesse acontecido uma “transição” para uma experiência mais sóbria – o Switch não tem nada. Até a eShop, mesmo ainda existindo, não tem mais nada do charme que te incentivava a passar tempo explorando – afinal nem um tema de fundo ela tem mais. É apenas um console para rodar seus jogos, e nada mais. O 3DS ficou para trás em prol de algo mais potente, claro, mas ao custo justamente do que o tornava tão especial.

A primeira nostalgia

Após buscar na relação entre BAKERU e o 3DS o porquê eu me importava tanto com essa comparação, eu percebi que na verdade o problema era eu mesmo. Essa foi a primeira vez que eu senti nostalgia pelo 3DS, um video game que “até ontem” era o aparelho do momento. O mesmo 3DS que tinha tantas coisas legais para se fazer, que era um video game genuinamente empolgante por si só, e que quando colocado em comparação com seu sucessor, mostra como o Switch foi uma sombra do que poderia ter sido. No fim, a preocupação excessiva com uma comparação tão inconsequente provavelmente nasceu do incômodo por ser lembrado da inexorável passagem do tempo devido a um jogo de um tanuki e um portátil 3D – apenas uma sexta-feira comum.

Ao fim disso, eu acho que podemos tirar algumas conclusões sólidas desse processo terapêutico auto conduzido. Em primeiro lugar, sim, BAKERU carrega bastante do DNA de jogos de 3DS no seu melhor sentido, e isso é um de seus grandes charmes. Em segundo lugar, o 3DS foi um console muito especial que, infelizmente, perdeu muitas de suas melhores facetas devido ao fechamento de servidores oficiais – algo que vai continuar afetando consoles cada vez mais frequentemente no futuro. Por último, sempre vai existir uma primeira vez que você sentirá nostalgia por algo que era lugar-comum em sua vida, e isso vai invariavelmente causar algum desconforto. Mas lembre-se que a intensidade desses sentimentos é proporcional ao quão significativas aquelas memórias foram para você, então que pelo menos tenha valido a pena.