Mais um ano veio, e com ele trouxe uma BGS sem grandes lançamentos para serem testados. Assim como em anos anteriores, a ala indie acaba se tornando o ponto mais relevante do evento para quem busca novidades, afinal além de contar praticamente só com jogos ainda em desenvolvimento, possui títulos que a enorme maioria do público não conhece. Infelizmente, o que costumava ser o corredor dos indies, esse ano também foi vítima da desorganização logística do evento, se tornando o “bloco indie”. Isso tirou bastante visibilidade de alguns estandes que estavam mais afastados da maioria de seus colegas, e “encaixados” ao lado de estandes grandes (como o do Senac) ou das várias lojas lá presentes. Devido em parte a isso, e em parte a nosso tempo limitado, como de costume não conseguimos jogar todos os jogos por lá, então peço desculpas aos que não tivemos a chance de cobrir. Apesar disso, eu (Megazao, com comentários representados pelo M) e Jean Kei (com comentários representados pelo J) ainda jogamos vários dos jogos ali presentes, e trazemos nossas impressões.
M: Esse jogo foi uma das grandes surpresas dentre os indies pra mim. Ele é um soulslike com um combate mais fluido de ação baseado em combate corpo a corpo e magias, e atinge um balanço muito bom entre essa fluidez e o estilo mais tático de soulslikes. A demo se passava em uma floresta com bastante formações rochosas, que dava um ar bem único a um tipo de localidade tão comum em videogames. Já os personagens eram todos animais antropomórficos, mas todos tinham designs igualmente únicos. O que mais me impressionou em Dragon Khan, porém, foi o quão fluido e bem animado o jogo já estava, mesmo em estágio tão inicial de desenvolvimento. O combate era gostoso, as animações eram satisfatórias, as magias eram maneiras, e a locomoção pelos cenários era muito estilosa. Um jogo com uma apresentação tão única e um nível de polimento tão avançado em um estágio tão inicial tem tudo para ser um grande título quando finalmente sair, e por isso certamente ganhou minha atenção.
J: O Megazao tinha comentado sobre esse jogo ser soulslike pra mim e, pelo menos no tempo que joguei, não achei ele tão soulslike assim. O combate não me pareceu tão metódico quanto o que se costuma em ver nesse tipo de jogo, o que pra mim é uma coisa boa. O que mais me chamou atenção no jogo foi como locomover pelo cenário estava gostoso e intuitivo numa fase bem inicial do jogo. Fazer parkour, pular de lá pra cá e correr pelo cenário era algo satisfatório e não me sentia perdido.
M: Assim como o nome indica, Feelings é um jogo que fala sobre lidar com os sentimentos e memórias reprimidas de uma garotinha. Ele é um jogo de plataforma em que você controla a garota protagonista e, ocasionalmente, seu dragão para resolver alguns puzzles. Além disso, você vai utilizar uma câmera que essa garota possui para tirar fotos pelas fases, descobrindo objetos escondidos e desbloqueando memórias reprimidas – memórias essas que se manifestam na forma de pedaços de uma foto que precisa ser completada para se passar de fase. O jogo tem uma arte muito fofa, uma progressão interessante e bons puzzles, mas ainda precisa de uma certa camada de polimento em sua apresentação. Eu também senti que a mecânica da câmera fotográfica não conversou muito bem com os outros elementos do jogo presentes na demo, mas pode ser porque não tinha o contexto da história do jogo para além daquelas fases isoladas. Dito isso, dá para sentir que muito carinho já foi colocado ali no jogo, então eu imagino que eles devem continuar pelo mesmo caminho.
M: Grimgig Railway tinha um dos estandes mais charmosos e irritantes do evento, o que certamente ajudou a chamar a atenção. Sendo um jogo de terror envolvendo locomotivas, eles ocasionalmente soltavam fumaça e soavam um apito de trem para criar uma ambientação por lá. O apito, porém, era alto o suficiente para ser ouvido de longe da ala indie, então nem imagino como era trabalhar ao lado deles. Inegavelmente surtiu efeito, já que o estande vivia ocupado, então foi curioso ver uma tática de marketing tão diferente por lá.
Sobre o jogo em si, ele é basicamente um Five Nights at Freddy’s em uma locomotiva no Japão dos anos 40 – o que, a princípio, admito que me desanimou um pouco, já que esse estilo de jogo nunca me pegou muito. Porém a forma que esse jogo funciona parece ser diferente o suficiente para se destacar perante sua inspiração: nele, você está pilotando uma locomotiva enquanto monitora o animatrônico que vem vindo, de vagão em vagão, na sua direção. Seu objetivo com esse animatrônico é manter ele ocupado dando ordens para ele executar em vagões mais distantes de você e impedi-lo de chegar muito perto. Ao mesmo tempo, você precisa se atentar aos perigos de pilotar uma locomotiva, como animais no trilho, outros trens, etc. O balanço entre essas tarefas (e a curva de dificuldade deles conforme você avança no jogo) vai ser crucial para que esse conceito funcione, mas em teoria parece uma ideia bacana. Adicione a isso o fato que o jogo também tem momentos que você vai explorar locais em primeira pessoa e resolver puzzles para dar uma variada no gameplay, e essa é a primeira vez que me empolgo com um jogo desse tipo em muito tempo.
J: Apesar do nome sugerir para algumas pessoas, até onde eu sei, o jogo não é um BL.
Master Lemon é um jogo bem pessoal para seu diretor. É uma homenagem póstuma a seu amigo Limão. Limão, segundo o diretor, era um poliglota muito criativo e bastante admirado e querido a todos ao seu redor, mas infelizmente veio a falecer em uma viagem para Islândia . O jogo é um adventure onde você controla Limão sem memórias e numa terra mágica. Lá, ele vai encontrar pessoas que lhe ensinarão técnicas para progredir (como a Gambi, que ensina gambiarra pra ele) e termos de outros idiomas para se comunicar com os habitantes daquele local. A narrativa pega muito o fato do Limão ter sido poliglota e representar isso no jogo, colocando no jogo personagens de várias culturas diferentes e te fazendo interagir com elas a partir de termos que você encontra, dando um contexto sobre aquele termo. Como é um jogo muito pessoal e muito narrativo, com 20 minutos de uma demo na BGS não sei mensurar o quão bem executadas as coisas são nele, mas caso o produto final saia redondinho e bem escrito, teremos um ótimo jogo.
M: Sabe aquela sensação de entrar na água do mar na praia, se deparar com um banco de areia, e pisar em um lugar bem mais fundo do que parece? Essa foi a minha sensação jogando Mechanines. O jogo é um tower defense com elementos roguelike que parecem coisas simples, mas conforme foram sendo explicados para mim, foram criando camadas e camadas de estratégia possível que eu sinceramente não esperava. Imagine minha surpresa então quando os desenvolvedores me disseram que esse jogo foi concebido originalmente como um projeto de faculdade, e que eles decidiram levar para frente e eventualmente transformar em um jogo completo. Cursando uma faculdade de design de games, isso foi particularmente impressionante para mim, já que eu vejo de perto como é difícil sequer ter uma demo apresentável do seu jogo a tempo para a faculdade, quem dirá transformá-lo em um jogo comercial tão complexo e com uma arte tão detalhada. Mais que somente me divertir, Mechanines me impressionou de um jeito inspirador.
J: Não existe Tower Defense mediano pra mim, minha sensação com esses jogos é muito 8 ou 80. Ou eu me pego fissurado e hiperfocado por dias ou semanas num desses, ou largo em poucas horas por achar muito sem graça… Felizmente Mechanines me parece muito ser o primeiro caso. A arte do jogo é muito legal e simpática, ele tem mecânicas e estratégias que não são aquele “ache um bom exercito e desligue o cérebro”, mas também evita ser complexo a ponto de lhe travar com informação demais.
J: Geralmente priorizo falar de coisas que não saíram, mas nesse aqui decidi abrir uma exceção por duas razões: A primeira é que ele é uma espécie de metroidvania minimalista sendo mais minimalista que seu antecessor (Necrosphere Deluxe). Aqui você tem apenas dois botões para interagir no jogo e nele você vai pular, dar dash, enfrentar bosses e muito mais. A forma com que ele brinca com suas limitações (nessa versão 64, tanto gráficas quanto de controle) é muito interessante e engajante. A segunda razão pela qual destaco esse jogo é porque ele foi apresentado num controle que é uma lancheira do Batman. Não tem como você não ficar feliz jogando um jogo numa lancheira do Batman.
M: Como jogador da lancheira do Batman, preciso discordar. Tem sim como não ficar feliz com ela – sendo ruim como eu sou nesse jogo (mas o jogo ainda é maneiríssimo, reitero a recomendação).
M: Jogos infantis não costumam ser tão valorizados quanto jogos para outros públicos por uma percepção de serem “inferiores”, “fáceis” ou algo parecido. Ainda assim, eles podem contribuir fundamentalmente para o aprendizado da criança em diversas áreas previamente desenvolvidas na escola e, principalmente, trabalhar conceitos que não são trabalhados de forma tão lúdica com elas. Perigos Virtuais é um ótimo exemplo disso, sendo um jogo para crianças aprenderem sobre os perigos no uso das tecnologias e como se prevenirem deles de forma inteligente. O jogo trata de forma surpreendentemente lúdica aspectos mais técnicos do uso de tecnologia, como as formas de checar se você clicou em uma URL maliciosa em um email, por exemplo. São dicas que muitas vezes nem nós adultos sabemos por completo, e que se mostram cada vez mais necessárias nos dias de hoje com crianças tendo acesso cada vez mais cedo a celulares, internet, redes sociais, etc. Sendo ainda um projeto desenvolvido por uma ONG e completamente gratuito, é certamente algo muito interessante e admirável de se ver em um evento como a BGS.
M: Mais um soulslike na lista, Shattered Fate tem um estilo mais convencional ao gênero, com combate mais lento e metódico, mas se destaca por sua temática: rivalidade entre animais antropomórficos. A demo era simples e o combate realmente não tinha grandes diferenciais, mas era polida e sua premissa foi o que mais me interessou. Basicamente, nesse jogo você joga com um coelho que está lutando contra predadores nesse mundo em que eles oprimem as presas. Assim como vi ser feito em Dragon Khan, acho que com uma premissa dessa existe bastante espaço para se criar uma história e um mundo muito interessantes de se explorar, e espero que seja esse o caminho que eles tomem.
J: Falei dele ano passado, um jogo de luta com deck builder que funciona de forma surpreendentemente boa e fluida. Ele será um jogo free to play no celular, que é um mercado beeeem concorrido, mas espero de coração que encontre seu público e se torne algo rentável para os desenvolvedores, pois é um jogo legitimamente divertido e com um combate que ao mesmo tempo que é simples de entender e intuitivo, tem algumas camadas de profundidade que podem levar a partidas muito interessantes.
M: Esse jogo é curioso porque é a terceira BGS que eu visito o estande deles, e ele está sempre muito diferente. Fico feliz, porém, que a cada visita ele parecia melhor, e dessa vez ele estava com cara de um produto final efetivamente. O gameplay de luta em combinação com cards para golpes especiais continua divertidíssimo e bem refinado, e os visuais parecem ter atingido seu ponto certo – um balanço legal entre realista e cartunesco, parecido com o que Fortnite faz. Esse jogo percorreu um longo caminho desde que os personagens eram todos poligonais lá em 2022, e eu espero que essa tenha sido sua última parada.
J: A princípio eu pensei “Deus está triste com tantos soulslike”, mas esse aqui até que me despertou interesse. Ele está bem polido pelo estado que o jogo está, e o esforço de trazer já em sua concepção dublagens tanto em inglês quanto português e o combate estar funcionando bem me fez querer dar uma chance grande pra esse jogo.
J: Um roguelike multiplayer bastante inspirado em Hades. O que me chamou atenção aqui é a alta customização de armas, podendo trocar em meio ao combate e estava achando o fio do combate bem gostoso também. Ainda faltava algum polimento em animação e feedback de alguns inimigos, mas tem potencial para ter um loop de gameplay bem divertido.
M: Além do que já foi mencionado, algo que se destacou para mim na conversa com os desenvolvedores de Tears of Vanfell foi o quão empenhados eles estavam em receber feedback honesto pelo projeto e interagir abertamente com a gente. Foi um pessoal particularmente divertido de trocar ideia, o que foi muito bom na hora de darmos nosso feedback, afinal o jogo ainda precisa de uma boa camada de polimento para atingir todo o seu potencial. Porém com um time tão empenhado nisso tudo, não tenho dúvidas que ele vai chegar lá.
M: Ver um estúdio brasileiro desenvolvendo jogos em VR é sempre particularmente interessante, afinal essa é uma tecnologia particularmente escassa no Brasil. Thunder Riders segue um estilo de jogo que eu inclusive sou fã nesses aparelhos – jogos de corrida em que você inclina seu corpo para se movimentar – e tem um belo design de ambiente para as cidades. No jogo final também haverá combate com outros veículos durante essas corridas, mas tudo que estava disponível na demo era um rápido circuito a ser pilotado. E ainda bem que foi rápido, afinal o jogo estava rodando com um framerate baixíssimo para os padrões de VR – coisa que, segundo o desenvolvedor, ocorreu devido a um bug naquele dia – e causou enjôo em mim e no Jean. Imagino que alguém trabalhando em um jogo VR vá priorizar a performance ao máximo para evitar esse tipo de situação, mas ao mesmo tempo tudo que eu tenho para avaliar é a minha experiência com o jogo. Já o que me deixa um pouco mais preocupado é que o jogo vai ser feito primariamente com a intenção de ser multiplayer, algo que adiciona uma camada de dificuldade de público em cima de uma plataforma já notoriamente difícil. O lado bom é que o jogo ainda deve contar com alguma campanha singleplayer, então acho que tudo vai depender da substancialidade dela.
J: Confesso que fui jogar esse jogo um pouco cético ao ouvir a premissa de “monster taming com criaturas brasileiras”. Estava esperando algo um tanto genérico se inspirando em Pokémon e com uns designs ok de criaturas do nosso folclore… E aí jogando eu descubro que eles não estão mirando em Pokémon, mas sim em Shin Megami Tensei. A demo de Tupi: The Legend of Arariboia me fez sentir que é um jogo com mecânicas complexas, com combate que vai ser progressivamente mais complexo e desafiador e com designs MUITO criativos das criaturas e lendas folclóricas do Brasil. É, sinceramente, algo que sinto falta. Geralmente quando vemos coisas inspiradas na cultura popular brasileira tudo está preso num lugar comum, e aqui eles se permitiram a extrapolar de maneiras muito interessantes. Fico ansioso pro produto final.
J: Um metroidvania que não tem medo de falar que é muito inspirado em Castlevania, tendo até uma vibe de Simon’s Quest ali. O que diferencia ele do resto são duas coisas: a primeira é que você começa sem quase nenhuma habilidade básica, sem sequer saber pular. O interessante disso é que pode levar a alguns caminhos de design interessantes no jogo completo. A segunda coisa que me chamou atenção é que os desenvolvedores sentem que geralmente em metroidvanias as pessoas evitam o combate, e aqui muito de sua progressão está atrelada a matar X inimigos de cada tipo em cada área que você entra, lhe forçando a, pelo menos na primeira vez que estiver na área, explorar com calma e engajar com todos os combates ali disponíveis. Se isso vai ser uma quebra de ritmo ruim ou se vai fluir bem, só o futuro dirá.
M: WAG me parecia ser mais uma prova de conceito do que um jogo propriamente dito. Nele eu precisava navegar um bunker escuro armado apenas com uma pistola em busca de sobreviventes em meio a um apocalipse zumbi, e resgatar o máximo deles que eu conseguisse. A atmosfera e o gameplay da pistola eram bons o suficiente, mas o comportamento dos zumbis, sua variedade, e a IA dos sobreviventes em particular estavam todos muito crus ainda. O jogo também sofria de vários bugs – inclusive quando eu morri, foi para um deles – e tudo isso me fez parecer que ele talvez estivesse em um estágio inicial demais para se trazer a uma feira assim. Ele disse que se inspirou em jogos com Left 4 Dead e Escape from Tarkov, que realmente poderiam resultar em um jogo interessante, mas quando não dá para enxergar nem as inspirações na demo em um evento com uma concorrência tão grande por atenção, talvez ele precisasse mesmo de um pouco mais de tempo no forno.