Como um grande apreciador de boas narrativas, o gênero do terror sempre foi um dos meus favoritos. A quantidade de excelentes histórias que mexem com sentimentos que muitas vezes não ousamos sequer lembrar que somos capazes de viver, e a imprevisibilidade dessas narrativas onde a norma é o anormal, criaram em mim uma grande apreciação por essa temática. Sendo assim, o Halloween é uma época que eu tento aproveitar ao máximo as mídias de terror que me interessam, e sempre dedico tempo a diferentes coisas como filmes, jogos, vídeos, etc. Esse ano decidi explorar uma quantidade maior de jogos bem curtos, buscando experiências intensas e sucintas que pudessem me marcar. Dentre os que joguei, vários se destacaram por diferentes motivos, então aqui listo alguns (com suas durações) como recomendação caso você, seja por tempo limitado ou interesse em algo diferente, também esteja buscando experiências curtas e assustadoras para essa data macabra – ou qualquer outra ocasião que seu âmago clamar por essas sensações. Vale ressaltar que a maioria das recomendações aqui são um terror mais psicológico, então se o jogo tiver sustos, perseguições ou coisas do gênero que causem tensão no jogador, eu vou destacar isso no texto.
Além dos visuais imediatamente marcantes de Water Womb World, o jogo se destaca para mim por ser uma fusão de duas coisas bem peculiares: terror lovecraftiano e cristão. A ideia do terror cósmico de coisas inexplicáveis maiores que nós afetando nossa sanidade já é interessante por si só, mas quando associado a temas cristãos da adoração cega a um Deus, questões de punitivismo, e a busca por entender e aceitar a sua visão dessa crença quando ela difere do que a igreja prega, cria uma narrativa absolutamente poderosa. Talvez por ter crescido inserido em um contexto católico – onde essa temática do punitivismo divino é extremamente presente e Deus é uma figura que você mais teme do que ama – isso tudo tenha ressoado mais comigo, mas ainda acho que Water Womb World apresenta uma narrativa muito intensa e interessante no curto tempo que você passa debaixo de seu oceano opressor.
Se você me conhece, sabe que pesca é um dos meus hobbies favoritos – e videogames de pesca não seriam diferentes. Quando você une terror e pesca (o que, surpreendentemente, não é algo tão incomum quanto parece), basicamente tem-se um jogo perfeito para mim. Acontece que Mourning Tide realmente acerta muito bem no aspecto terror, e a história que ele conta no curto tempo que você passa pescando é muito bonita e singela. Ao mesmo tempo, o gameplay da pesca em si é absolutamente terrível. Você joga a linha na água, espera um peixe morder, e quando ele fisga você precisa arrastar a linha de um lado a outro na água para manter o peixe dentro de um círculo até preencher a barra de captura. O problema disso é que, para mexer a linha, você precisa mexer sua vara e – consequentemente – sua câmera também. Além do desconforto e da possível motion sickness que isso pode causar em pessoas mais sensíveis, os últimos “peixes” são extremamente difíceis de pegar. Ainda assim, eu acho que a narrativa vale a pena para quem estiver disposto a encarar um gameplay medíocre.
Você pode estar pensando que um jogo de 5 minutos talvez seja um pouco curto demais para uma lista como essa, mas eu garanto que The Children of Clay é memorável mesmo nesse curtíssimo tempo. É um jogo muito simples, em que você está apenas analisando uma figura de argila em uma mesa, mas o cenário todo é visualmente muito bonito e a figura se move em stop motion, o que adiciona bastante charme ao simples ato de analisá-la. Falar qualquer outra coisa além da premissa mais básica seria entregar demais, então talvez a próxima vez que for preparar um miojo, considere jogá-lo enquanto espera.
Você encontra um escorregador no meio de uma floresta. Você decide descer o escorregador. Sem nada melhor para fazer, você decide descer novamente. Eventualmente, porém, o escorregador vai te levar a lugares um pouco mais sinistros. Slide in the Woods tem uma premissa interessante de repetir a mesma ação e ter resultados cada vez mais macabros, culminando em coisas bem intensas que me lembram algo como um conto de SCP. Meu único desagrado com ele foi a presença de alguns tipos de sustos, que não é um tipo de terror que eu particularmente gosto, mas foram poucos o suficiente para justificar a recomendação dessa viagem maluca por um tubo de plástico.
Kuro é um jogo que eu pensei muito se colocava aqui ou não, porque talvez seja o mais fraco dessa lista, ao mesmo tempo que é um dos mais charmosos. Ele tem uma estética que em teoria remeteria ao PS1, mas algo nos modelos meio chibi dos personagens e na forma com que as texturas são borradas me lembrou mais um jogo perdido de N64. Nele você controla a Kuro, uma garota visitando um templo (com controles de tanque) em busca de recuperar suas memórias. A premissa da história e a forma com que ela se desenvolve me lembrou muito as narrativas de Fatal Frame, o que cria um contraste muito interessante com os assuntos pesadíssimos tratados ali e os visuais mais fofinhos do jogo. O que decepciona um pouco é a conclusão bem fraca em relação ao resto, e o fato que ele tem alguns sustos pontuais – porém mais discretos. Ainda assim, eu acho que o charme de sua apresentação e a forma que sua história é contada superam seu final fraco.
Você não odeia quando sai de férias com sua família para uma casa alugada, porém fica preso lá dentro por acidente e precisa fazer um ritual com imagens cristãs para escapar? Rental é um terror mais leve comparado ao resto nessa lista em geral, mas ainda é uma experiência interessante nem que seja pelo contraste da sua família que não pareceria fora de lugar em Animal Crossing com a ideia de caçar objetos cristãos para um ritual que possa te libertar daquela casa amaldiçoada. O final certamente me pegou de forma inesperada, e talvez seu terror mais “leve” sirva como um bom limpador de palato pro resto dessa lista.
Apesar de talvez não ser o jogo mais visualmente chamativo dessa lista, Dinner with an Owl é um point and click que correlaciona sua narrativa e seu gameplay de formas muito interessantes. Nele você joga com um homem que visita seu parceiro de negócios pela primeira vez, e eventualmente descobre que ele é uma coruja e está mantendo pessoas em cativeiro no local. A partir daí você vai precisar interagir com os outros personagens e o cenário para tentar parar a coruja, ao mesmo tempo que existe um elemento de loop temporal para cada vez que você falha com seu plano. Como o escopo do jogo é bem pequeno, não existem muitos caminhos para você falhar antes de descobrir o jeito certo de escapar dali – ao mesmo tempo que novos loops são divertidos por introduzirem novos diálogos e até perspectivas daquele lugar. A forma com que esse jogo consegue contar uma história sinistra e efetiva com tão poucos elementos de gameplay com certeza é o que o torna tão impressionante e digno de seu (curto) tempo.
Usar terror lovecraftiano para trabalhar a temática da depressão é uma combinação muito interessante, e que You Will (Not) Remain executa com maestria. Você assume o papel de uma pessoa vivendo uma rotina monótona dentro de um apartamento, incapaz de sair pois do lado de fora existe uma criatura sinistra e inexplicável pairando sobre a cidade. Em meio a seus dias idênticos e inacabáveis, você encontra em seu prédio um cachorro que vai mexer com sua rotina – porém talvez não da melhor forma. O aspecto mais interessante desse jogo é como sua história é cheia de alegorias a aspectos da vivência de uma pessoa ansiosa e deprimida, mas algumas dessas alegorias podem ser interpretadas de múltiplas formas – incluindo significados diametralmente opostos. É uma história em que os elementos presentes são relativamente óbvios, mas cada pessoa vai encontrar significado diferente neles. Como alguém que sofre tanto de depressão quanto ansiedade, esse jogo falou de forma particularmente íntima comigo, pois é uma representação assustadoramente honesta de como pode parecer a vida real assombrada por essas doenças infelizmente tão debilitadoras.
The Supper é um point and click que remete aos clássicos antigos do gênero, e difere um pouco mais do resto desta lista por seu terror se manifestar primariamente na estética do que na narrativa. Ele tem visuais estilizados com um pouco de gore cartunesco e uma premissa macabra que me lembram muito certos jogos de Flash que eu jogava quando menor. Ao mesmo tempo, existe ali uma narrativa simples e até tocante que me pegou de surpresa, já que eu esperava um jogo mais focado em unicamente te impressionar pela estética. Mesmo não sendo um grande fã do gênero point and click mais clássico – onde você constantemente coleta itens que precisam ser usados em partes do cenário para progredir – isso não se tornou uma inconveniência devido à brevidade do jogo e como as coisas são bem sinalizadas. Não é um jogo particularmente assustador, mas é certamente macabro e singelo.