Crítica: Sorry We’re Closed – o amor e seus horrores

Por Arthur Tayt-Sohn

Nota: 9

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge

Na geração de videogames dos anos 90, sobretudo a partir do lançamento do Playstation, os jogos de terror de sobrevivência ganharam muita popularidade. Com a chegada dos gráficos em 3D, ambientes pré-renderizados e maior liberdade de movimentos, jogos como Resident Evil e Silent Hill se popularizaram e se tornaram influentes até hoje.

Sorry We’re Closed, do estúdio à la mode, se inspira nos clássicos dessa geração. Mas por outro lado, traz uma direção de arte extravagante em suas cores e luzes de neon e aborda temas relacionados ao amor e relacionamentos. E claro, criaturas infernais.

Tivemos a oportunidade de nos aventurar por esse mundo onde anjos e demônios convivem com humanos e contamos agora se conseguimos sobreviver no meio dessa loucura.

No submundo de Londres

Sorry We’re Closed é ambientado em um bairro de Londres. Michelle, que tem um trabalho comum em uma loja do bairro, ainda tenta superar o fim de seu último relacionamento.

Sorry We're Closed - bairro de Michelle em Londres

As coisas se complicam quando ela passa por um evento de paralisia do sono, onde recebe a visita de um demônio e se vê amaldiçoada. Ao receber a maldição do “terceiro olho”, ela passa a conseguir enxergar o mundo dos demônios, que existe às sombras do mundo real.

Com poucos dias de vida, Michelle precisa descobrir como quebrar a maldição para sobreviver. E para isso, ela irá mergulhar ainda mais profundamente no submundo demoníaco de Londres.

Abrindo o terceiro olho

O jogo utiliza dois modos de visão, uma combinação que se popularizou principalmente por conta do clássico cult Killer7. Durante os momentos de exploração, o jogo utiliza a câmera fixa, já tradicional dos jogos survival horror dos anos 90.

Ao entrar em combate, passamos para um ponto de vista em primeira pessoa. Nesse modo, Michelle fica imóvel e pode apenas atacar os inimigos. É possível atacar normalmente os inimigos ou utilizar o terceiro olho. Abrindo o olho, conseguimos descobrir o ponto fraco dos inimigos e causar um dano maior.

Sorry We're Closed - combate em primeira

Posteriormente, atacar o ponto fraco dos inimigos em sequência irá permitir carregar uma habilidade especial muito poderosa. Essa habilidade também será a única maneira de derrotar alguns inimigos mais fortes, como os bosses.

Não há muito mistério nas mecânicas principais do jogo. O único inconveniente nessa troca de perspectivas é o fato de controlar a movimentação em câmera fixa é muito melhor no controle, enquanto o combate em primeira pessoa é melhor jogado com o mouse.

Nesse caso, acabei alternando entre o controle e o mouse o tempo inteiro. O jogo tem opções de acessibilidade para facilitar a mira com o controle, mas nem de longe fica tão bom quanto jogar no mouse.

O terceiro olho não é útil apenas no combate. Na verdade, você vai utilizá-lo em muitos momentos. Com ele, é possível enxergar além das ilusões criadas pelos anjos e demônios, bem como conseguir enxergar o mundo demoníaco.

Sorry We're Closed - combate com terceiro olho aberto

Essa habilidade é usada na exploração, para avançar em trechos bloqueados normalmente ou para resolver os puzzles do jogo. Também é possível enxergar a verdadeira forma dos anjos e demônios, o que altera alguns diálogos do jogo.

Com as habilidades recém adquiridas por Michelle, e algumas armas demoníacas como um machado, uma pistola e uma escopeta, você deve descobrir uma forma de se livrar da maldição. Para isso, irá realizar missões divididas em “dias”, em um formato linear. A cada dia concluído, você também irá receber pontuações dependendo da quantidade de mortes, itens coletados e taxa de acerto dos seus ataques, que lhe darão um ranking para aquela fase.

Outro desafio, além dos combates, são os puzzles dos jogos. Não são muito desafiadores, normalmente envolvendo coletar itens e ativar mecanismos em ordens específicas, bem no estilo dos clássicos de survival horror.

Sorry We're Closed - Dog stone

Sorry We’re Closed é um jogo bastante amigável de se jogar, mesmo para novatos do gênero survival horror. Além disso, ele conta com uma série de opções de acessibilidade, para que você possa personalizar sua experiência.

Suas mecânicas são relativamente simples, mas também são bem polidas, não apresentando bugs que prejudiquem a experiência.

Vai dar namoro?

Sorry We’re Closed é um jogo de terror que traz uma temática não tão convencional: amor. Claro, não são incomuns jogos de terror que abordam temas que fogem das temáticas de apocalipse, zumbis, seitas religiosas, etc. O Silent Hill mesmo, por exemplo, explora em alguns de seus títulos questões mais pessoais como culpa.

A premissa de Sorry We’re Closed envolve a obsessão do demônio conhecido como A Duquesa, em sua busca desesperada por amor. Para isso, seres humanos são sequestrados e amaldiçoados, sendo obrigados a declarar o seu amor por Duquesa.

Só que há um pequeno porém nisso: se Michelle foi sequestrada, isso significa que até o momento ninguém foi capaz de verdadeiramente amar Duquesa, certo? E suas vítimas acabaram destinadas à uma eternidade de torturas.

Sorry We're Closed - Duquesa invadindo o quarto de Michelle

Cabe ao jogador encontrar uma forma de escapar desse destino, contando com a ajuda de outros ilustres moradores desse bairro londrino, que incluem humanos, anjos e demônios, cada um com seus próprios objetivos pessoais e interesses em ajudar, ou atrapalhar, Michelle.

E apesar de o jogo ser relativamente curto, existem quatro opções de finais, que variam de acordo com algumas escolhas da protagonista. E uma coisa muito interessante que o jogo faz é inverter um pouco a lógica da dificuldade de se conseguir o melhor final. O que de certa forma é muito coerente com a proposta do jogo e serve até como forma de passar uma valiosa lição para os jogadores.

O jogo conta com personagens variados, com qualidades e defeitos, bem como com seus próprios dramas pessoais que precisam enfrentar. E Michelle pode interferir nisso, de maneira positiva ou negativa.

E todos os personagens são carismáticos, de alguma forma. Seja por serem fáceis de gostar deles ou por serem tão maus que você fica com aquela curiosidade mórbida de saber mais sobre eles.

Sorry We're Closed - Benedict

Além disso, são personagens bem escritos e com personalidades muito particulares. O tipo de escrita que me fez ter genuíno interesse de saber o que todos eles tinham a dizer.

O roteiro do jogo é muito bem escrito e usa a temática do horror para discutir as diversas facetas do amor: o medo das mudanças que o amor promove nas pessoas, amor entre indivíduos totalmente diferentes, relacionamentos tóxicos, a dificuldade de seguir em frente após um término, a má compreensão do que é o amor e até os perigos do amor próprio excessivo, que pode levar a casos de narcisismo extremo, etc.

E é interessante como o jogo apresenta situações onde os piores indivíduos no fundo possuem algo de bom por causa do amor, enquanto outros, bons indivíduos com boas intenções, acabam caindo em armadilhas também por conta do amor.

Sorry We're Closed - Chamuel

Os personagens são complexos e com muitas contradições, o que faz parte da natureza humana. O próprio fato dos anjos e demônios gradualmente se tornarem humanos quando decidem abraçar essas contradições e se amarem, é uma perfeita metáfora para isso.

E ao jogador, que controla uma humana, cabe decidir qual a melhor forma de lidar com esse sentimento, seja decidindo o seu próprio destino ou o de outras pessoas, como seus amigos e seus antagonistas. O jogo não te diz qual é o certo a se fazer, mas as consequências também são suas para lidar.

Uma Londres surrealista

Sorry We’re Closed conta com uma direção de arte surrealista incrível. O jogo se inspira nos clássicos do survivor horror do PS1 e dá uma leve subvertida nas direções de arte mais tradicionais que esses jogos possuem.

Além de ambientes escuros e inimigos monstruosos, o jogo conta com visuais bastante coloridos e extravagantes. Isso fica claro logo em seu título, que conta com as cores rosa e verde em néon.

Isso se reflete também no design dos personagens, muito bem trabalhados utilizando a estética low poly dos jogos 3D dos anos 90 e com belíssimos retratos que aparecem quando conversamos com alguns deles.

A direção de arte do jogo tem muita personalidade, sendo um dos seus grandes destaques. Um exemplo disso é o anjo Benedict, que conta com um character design inspirado em nerds de computador. Duquesa também tem um design incrível e apologeticamente queer.

Sorry We're Closed - Duquesa

Essa é uma das grandes qualidades do jogo, a forma que ele utiliza uma estética vibrante e colorida, de forma muito harmoniosa em um jogo de terror de sobrevivência. O que também demonstra a versatilidade desse gênero de trabalhar com elementos que talvez não fossem considerados tão convencionais.

Isso sem contar a variedade de personagens, cada um com aparência e estilo totalmente único. Como um grande apreciador do estilo low poly dos jogos 3D dos anos 90, Sorry We’re Closed foi uma experiência visual fascinante, algo como jogar algo meio Silent Hill meio Pandemonium, se é que isso faz algum sentido.

O jogo conta com um dos visuais mais interessantes do ano, com design de personagens bem únicos. E também é mais um título promovendo esse revival do low poly, o que pra mim é sempre muito bem vindo.

Sorry We're Closed - Palácio do Dream Eater

Seja transformado pelo amor

Sorry We’re Closed consegue se inspirar nos clássicos de survival horror e entrega um jogo visualmente único: extravagante, charmoso, surrealista e sexy. Uma das interpretações do gênero terror mais interessantes do ano.

Explorando uma temática metafísica, envolvendo anjos e demônios, o jogo discute questões profundamente humanas. E nos convida a apreciar a complexidade e as contradições que formam a natureza dos seres humanos.

Além disso, o jogo resgata e se inspira em clássicos tão importantes da minha geração, fazendo uma releitura interessante incluindo elementos modernos em suas mecânicas, estética e narrativa.

Tendo me chamado atenção pela sua estética, o jogo conseguiu ir além e me surpreender pela sua história e pela sua abordagem sobre o amor e sobre a própria humanidade. É, o amor às vezes pode apavorar, não é?

Nome do jogo:

Sorry We're Closed

Publisher:

Akupara Games

Desenvolvedora:

à la mode games

Plataformas Disponíveis:

PC

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