Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge
O que torna uma franquia um clássico? É difícil definir a fórmula para que um jogo se torne reverenciado por tanto tempo. Mas existem exemplos de jogos e franquias que, mesmo após décadas sem um novo jogo, são sempre lembrados com carinho por milhares de fãs.
Legacy of Kain é uma dessas franquias. Desenvolvida pela Crystal Dynamics, que tem em seu portfólio clássicos como Gex, Pandemonium, Akuji the Heartless e diversos Tomb Raider.
Em uma década especialmente criativa e experimental, Soul Reaver surge com uma proposta de dark fantasy e personagens moralmente ambíguos, desafiando as convenções de histórias que colocavam herois e vilões em embates.
Tivemos a oportunidade de jogar Soul Reaver 1 e 2 Remastered e contamos como foi essa experiência de revisitar Nosgoth décadas depois.
Soul Reaver 1 se passa muitos anos depois após os acontecimentos de Blood Omen: Legacy of Kain. No jogo anterior, Kain se recusa a sacrificar sua própria vida para restaurar Nosgoth e com isso causa o declínio dos humanos e ascensão dos vampiros.
Raziel, um dos fieis seguidores de Kain, se apresenta na sala do trono e exibe suas recém conquistas asas. Em um ato de inveja, Kain condena Raziel à uma terrível morte. Porém, longe de morrer de fato, Raziel acaba sendo revivido por uma misteriosa entidade. Agora com seu corpo deteriorado, o protagonista acorda séculos depois e parte em busca de vingança contra seu antigo mestre vampiro.
Retornando à Nosgoth, nos deparamos com um mundo em decadência e à beira da destruição total. Para concretizar sua vingança, Raziel deve explorar diversas localidades entre templos, masmorras e fortalezas, para derrotar seus “irmãos”, se fortalecer absorvendo almas e assim confrontar Kain.
Para isso, iremos enfrentar diversos inimigos entre humanos e vampiros, em um jogo no estilo ação/aventura clássico. Soul Reaver se divide em cenários semi-abertos, que exigem que você adquira novas habilidades para acessar novas áreas, de forma não linear. Ou seja, iremos liberar novas áreas em regiões visitadas anteriormente.
Para derrotar os vampiros, há um pequeno detalhe. Eles são “imortais” e para destruí-los, será necessário atacar seus pontos fracos: empalamento, água, fogo e sol. Inicialmente precisamos utilizar armas encontradas pelo caminho ou arremessar os inimigos no ambiente onde se encontram rios, lagos, fogueiras, etc.
Eventualmente conseguimos adquirir novas armas e habilidades, como a espada Soul Reaver, que permite uma execução mais rápida dos inimigos, mas possui um uso limitado, já que ela fica ativa quando estamos com a nossa vida totalmente cheia.
Isso torna o primeiro jogo um pouco “metódico” e mais lento. O segundo jogo é um pouco mais dinâmico, mas mantém a estrutura de exploração e combate bem característico dessa época.
Os dois jogos também contam com diversos quebra-cabeças que envolvem ativar alavancas e mover objetos para ativar mecanismos e alcançar novas áreas. Se você está familiarizado com jogos como Tomb Raider, rapidamente vai entender como ele funciona.
Um diferencial de Soul Reaver é a possibilidade de transitar entre o mundo físico e o “submundo” dos mortos. Ao alternar entre os dois mundos, é possível encontrar novos caminhos e novas áreas. E para avançar em alguns pontos, será necessário alternar entre os dois mundos algumas vezes.
A exploração das áreas também segue essa tradição dos jogos de aventura dos anos 90. Sobretudo com a exploração vertical, algo que começou a ser muito explorado devido aos avanços da época que permitiram a criação de ambientes 3D bastante complexos.
É importante então deixar claro que, apesar da versão Remaster ter algumas melhorias de qualidade de vida, o game design do jogo segue o mesmo. E isso inclui alguns segmentos que testam nossa capacidade de suportar a frustração.
Em alguns momentos você precisa saltar por plataformas e, caso caia, terá que refazer todo o percurso subindo novamente. E diferente da maioria dos jogos mais atuais, não há uma indicação clara de para onde você tem que ir, seja com marcadores no mapa ou com a famigerada tinta amarela indicando o caminho.
E isso não é uma crítica, longe disso. Eu não costumo endossar o discurso de que mecânicas ou game design envelhecem com o tempo, mas acho importante destacar que Soul Reaver tem mais de 20 anos de idade e é jogado de acordo com as convenções da época.
Apesar disso, senti falta de algumas melhorias que seriam bem-vindas. Por mais que tenham melhorado muito o controle da câmera, em alguns momentos ela ainda tem problemas, principalmente em ambientes muito pequenos. Além disso, algumas áreas são muito escuras e prejudicam demais a exploração.
Um ponto também que pode ser que jogadores novatos não curtam muito é a sua exploração não-linear sem muitas indicações do seu objetivo. O mapa conta com símbolos que podem confundir o jogador e que você talvez precise decorar para se localizar melhor.
Mas fora isso, o jogo não apresenta muitos desafios. Para falar a verdade, eu às vezes acho a exploração mais difícil que o combate com os inimigos, devido à quantidade de segmentos onde um salto errado pode te fazer ter que repetir um longo percurso.
Legacy of Kain conta uma história que se desenrola em idas e vindas através dos séculos. Até porque seus principais personagens são seres imortais, como os vampiros.
Não há uma definição objetiva de quais personagens são heróis e quais são vilões. Todos possuem suas motivações pessoais e interesses próprios. Na época em que o jogo foi lançado, isso o diferenciava da maioria das outras histórias, que não costumavam ter tantos anti-heróis ou personagens moralmente ambíguos.
Além disso, Legacy of Kain busca uma inspiração maior em fantasia sombria, enquanto muitos jogos de fantasia da época se inspiraram mais em “alta fantasia”. Talvez isso tenha facilitado que o jogo se tornasse um clássico cult, mas isso é apenas um palpite.
Os dois jogos da coletânea contam a história de Raziel, desde sua condenação por Kain até sua tentativa de obter vingança. Nessa jornada, outros personagens vão sendo apresentados, cada um com suas próprias motivações.
A história é cheia de reviravoltas, conforme vamos descobrindo mais do passado dos personagens e seus verdadeiros objetivos. Outro ponto que se destaca é a construção do mundo e da lore de Nosgoth.
Nessa coletânea, esse material foi organizado como conteúdo bônus, com a participação de membros de sites dedicados à franquia, o que é muito interessante e uma atitude que prestigia a comunidade formada por fãs tão dedicados.
É possível ter acesso a todo o roteiro dos jogos, bem como acessar o catálogo de localidades dos jogos com uma breve explicação de cada uma, entre outros documentos.
Outra adição interessante ao jogo são os Lost Levels, uma coletânea de cenários não utilizados nos jogos originais que, graças ao trabalho de preservação dos desenvolvedores, podem agora ser acessados para que os jogadores tenham um vislumbre de como o jogo poderia ter sido diferente.
Por mais que a história tenha reviravoltas, ela é direta ao ponto e de fácil entendimento. Até porque os jogos não são muito longos e por isso não há espaço para uma narrativa que se desenrole de forma mais complexa. Mas isso também não prejudica a história dos jogos e eu ainda acho o roteiro dele muito bem escrito.
Só me decepcionei um pouco com a falta de localização do jogo para português, visto que a comunidade brasileira do jogo também foi bastante vocal no apoio ao relançamento dos jogos.
Algo que sempre gostei em Soul Reaver era sua arte sombria, principalmente o design de Raziel. Eu sei que sempre que um remaster é anunciado, há alguma polêmica sobre a arte original da obra estar sendo deturpada ou se existe a necessidade de remasterizar jogos antigos.
Não é um problema para mim jogar jogos antigos, mas também penso que uma remasterização pode favorecer a construção de modelos mais detalhados de personagens e cenários.
No caso de Soul Reaver 1, a remasterização mudou muito a aparência do jogo, mas de forma que senti que respeitou a obra original. Já no segundo jogo, as mudanças são bem mais discretas, sendo imperceptíveis em vários momentos.
E se mesmo assim você preferir jogar com os gráficos originais, é possível fazer alternar para os gráficos clássicos apertando um único botão. Mas não posso deixar de elogiar o trabalho de remasterização que atualizou os modelos dos personagens e inimigos, dando mais detalhes e ainda respeitando o material original.
E por falar na arte do jogo, a coletânea conta com um acervo de artes dos fãs e até mesmo cosplays, o que mostra mais uma vez como a comunidade foi fundamental para que esses dois jogos pudessem ser relançados. Achei isso fantástico.
Talvez algumas dessas artes até possam ter inspirado alguns modelos remasterizados? Quem sabe.
Minha opinião é um pouco enviesada porque eu amo essa estética do PS1, mais até do que veio depois no PS2, mas acho que até mesmo os gráficos originais de Soul Reaver 1 são muito charmosos até hoje. Não é à toa que estamos em uma fase de muitos lançamentos de novos jogos com gráficos inspirados nessa época.
Se você é fã dessa estética, Soul Reaver é excelente para conhecer melhor algumas das grandes inspirações para esses jogos, isso em uma versão com melhorias de qualidade de vida na jogabilidade e câmera.
Mas é um fato que os dois jogos se destacam pela sua arte. Não só no modelo dos personagens, mas em alguns cenários como a fortaleza dos Sarafan com seus belíssimos vitrais, masmorras, templos e ruínas que eram gigantescas para a época, entre outros.
E recomendo bastante dar uma olhada no conteúdo bônus. Sério, eu achei incrível o trabalho de preservação do material original, dos créditos às pessoas que trabalharam nos jogos originais, acesso às artes, trilha sonora, scripts do roteiro e até mesmo os cenários descartados do jogo.
Legacy of Kain Soul Reaver 1&2 Remastered veio em um momento certo. Essa é certamente a maneira definitiva de se jogar os dois jogos. Para novos fãs, uma ótima porta de entrada para a franquia. Para os veteranos, uma oportunidade de matar as saudades e ainda por cima ter acesso a materiais inéditos e extras.
Eu sinto que esse lançamento é um teste para sentir se ainda há receptividade para a franquia nos dias de hoje. Talvez com uma boa recepção e vendas, possamos ver um novo jogo da franquia nos próximos anos, o que seria ótimo.
E talvez esse seja um bom momento para isso, visto que alguns anúncios recentes de novos jogos de franquias “adormecidas” foram muito bem recebidos. E também considero importante apresentar franquias clássicas para as gerações atuais de jogadores.
Fico feliz em rever Soul Reaver, um verdadeiro legado de uma época onde houve muita experimentação na indústria mainstream, com jogos que às vezes até eram meio desajeitados mecanicamente, mas que ainda sim eram muito criativos.
E que o legado de Kain dure por muito tempo ainda.
Legacy of Kain: Soul Reaver 1&2 Remastered
Aspyr
Aspyr, Crystal Dynamics
PC