Dificuldade em Jogos: A batalha entre Risco e Recompensa

Por Colaborador

Quem não conhece a franquia Dark Souls pelo seu elevado grau de dificuldade? Quantas vezes nos deparamos com AQUELE MALDITO BOSS que causa um ataque de nervos? É sobre isso que vou falar um pouco hoje – a dificuldade em jogos e sua batalha entre risco e recompensa

Em primeiro lugar, o que podemos considerar de fato um jogo difícil, ou ainda, quais elementos podemos identificar como elevadores e causadores de dificuldade?

É necessário pensar no que é o erro em si. Existem inúmeras formas de trazer dificuldade para um jogo, desde fórmulas mais simples até elaborações mais complexas. 

Fórmulas de Dificuldade em Jogos

Dentre as formas mais simples de apimentar a adversidade, as mais comuns são: o aumento do HP dos inimigos, do dano que eles causam e da quantidade de adversários. Trata-se, basicamente de aumento numérico e pouco fazem no sentido de desafiar os jogadores a pensar em novas abordagens. 

Assim, há obras que dificultam e facilitam, ditando seu ritmo de jogo de forma magistral e aqueles que pecam na hora de ajustar a proposta de desafio. Perder a mão na hora de balancear a dificuldade é, infelizmente comum. Por isso, a principal ideia nesse texto não é tratar jogo a jogo, mas pensar a dificuldade como elemento moderador da jornada que é embarcar em um game.

É importante lembrar que a dificuldade pode ser apresentar como:

  • Coordenação olho-mão e reflexos
  • Elaboração e execução de estratégias
  • Memorização e resolução de quebra-cabeças
  • Gerenciamento de recursos e inventório

Reflexo e Agilidade em Jogos

A primeira diz respeito a jogos que exigem respostas rápidas, movimentação precisa e leitura de ambientes. Nessa categoria podemos incluir desde shooters, jogos de plataforma e até parte dos RPG’s atuais, que incorporaram ao longo dos anos vários elementos de reflexo e rapidez. 

A maioria dos gêneros de jogos trouxe para si vários elementos que exigem reflexos e coordenação – já que são os mecanismos que geram mais ação e prendem mais a atenção. Um bom exemplo são os já ultrapassados “QuickTime Events“, que ficaram extremamente comuns (e forçados) nos jogos de começo da geração PS3 e Xbox 360.

(QuickTime Events já vão tarde. Não agregam nada à jogabilidade.)

Já o segundo tipo de dificuldade, não exatamente popular (sobretudo hoje em dia), quase que inverte a lógica: Para elaborar e executar uma estratégia eficaz, é necessário tempo, cuidado e perspicácia. 

Dificuldade em Paciência e Lógica

Normalmente jogos que exigem mais raciocínio do que ação se encaixam na categoria RTS, Grand Strategy Game e similares. Normalmente com combates em turnos, táticos e com muitas características em comum com um jogo de xadrez.

Num jogo de estratégia, a dificuldade se encontra em saber posicionar suas unidades, fortificar corretamente suas defesas e ter conhecimento tático dos mapas. Pessoalmente, costumo brincar que o maior e mais desafiador RTS é, na verdade, o saudoso Tetris.

Por falar em Tetris, os puzzles (e derivados) são normalmente compreendidos como jogos de nicho. Atualmente isso pode ser considerado verdade, mas jogos puzzle já foram parte do mainstream. Quem viveu a época de outro dos adventures point & click vai entender. Não se tratava apenas de um puzzle de combinar cores e formas. Era necessário resolver enigmas e encontrar respostas inusitadas para os desafios propostos. 

Um aspecto interessante é que em produtos de certos estúdios, o jogador não morria de fato com um ‘game over’. A punição pela falha era simplesmente não avançar a história e ter o progresso estagnado. Clássicos como Monkey Island e Grim Fandango são incríveis ainda pros dias de hoje. 

Gerenciamento como Dificuldade

O último modo de dificuldade que descrevo não é exatamente um gênero por si só, mas integra boa parte dos jogos hoje e criam desafios por si só. O famoso e quase sempre presente inventário ou mochila. Indispensável e quase onipresente em RPGS e jogos de sobrevivência, saber gerenciar o espaço (limitado) faz parte central da gameplay. 

É importante lembrar que apesar de ter, para efeito de análise, dividido em categorias, os jogos atualmente costumam misturar bastante as características citadas.

Precisamos de dificuldade em jogos?

A primeira coisa que se pensa quando nos deparamos com uma situação especialmente difícil num jogo é “como vou passar disso?”. Pois bem, no momento de aumento notável da dificuldade, normalmente, jogos com bons designers de gameplay vão sinalizar um começo de uma nova etapa dentro do jogo. Novos inimigos, novos ambientes, estratégias novas, armadilhas e situações diferentes – tudo para quebrar e fazer o jogador procurar alternativas, sair da zona de conforto e explorar outras possibilidades.

Assim, quando se cria uma dificuldade também se criam momentos memoráveis. Qualquer conversa com fãs de Dark Souls vai apontar quase na mesma direção. O grau de dificuldade de jogo condiciona o surgimento de memoráveis momentos de fracasso ou sucesso. Na minha humilde opinião, a verdadeira preciosidade e o que explica o sucesso inquestionável da série Dark Souls é justamente esse – a sensação de superação de desafios. É o gatilho mental que mantém o jogador ali, morte após morte, para finalmente emergir vitorioso e triunfante sobre o boss e os inimigos que o humilhou.

Vitória Dark Souls
(A tão desejada e almejada vitória)

O jogo sabe disso e foi desenhado para propor essa experiência. Depois de uma vitória suada o jogo ainda te brinda com uma bela tela de “vitória alcançada” (cujo design em si é quase o oposto do sombrio “você morreu”).

Além de um belo prêmio de pontos e itens, temos a recompensa mental. É também digno de nota a sensação de sucesso ao atravessar com maestria um trecho particularmente difícil (seja por inimigos, armadilhas ou ambos) depois de muita tentativa e erro.

É claro que usei Dark Souls como exemplo porque é o jogo que justamente soube instrumentalizar a dificuldade e colocá-la em sintonia com a ambientação, enredo, temática e jogabilidade. Com essa definição, entendo o jogo da From Software como a epítome da dificuldade bem aplicada. Ou seja, o desafio como parte intrínseca da jornada que desempenha papel fundamental nas mecânicas do jogo.

(Muitos aparelhos não sobrevivem a fúria de jogadores frustrados)

Quando é um problema

Por outro lado, existem jogos que erram. Quando mal aplicada e planejada, algumas configurações de dificuldade passam a deixar o jogo simplesmente raso. Não existe nada mais tedioso do que inimigos que aguentam tanto dano que fazem armas sentir de brinquedo (os famosos esponja de bala). Ou ainda – inimigos que, mesmo equipado com equipamentos semelhantes ao do jogador simplesmente fazem muito mais dano e suportam muito mais estragos.

É muito comum observar em jogos de RPG – sobretudo em MMO’s. Para criar desafio, os desenvolvedores colocam e criam inimigos iguais (até repetidos), apenas com maiores níveis de pontos de vida e maior dano. É o que gosto de chamar de falsa dificuldade – não há um desafio novo real, é basicamente a mesma coisa, apenas precisa ser feita várias e várias vezes. O que era pra ser uma nova e distinta dose de dificuldade, vira apenas um processo trabalhoso.

Então, podemos entender que a nivelação e o manuseio da dificuldade de algum jogo está mais ligado com a dosagem de sucesso do que ao fracasso. Uma espécie de ritmo da jornada, uma linguagem própria de diálogo com o jogador e é o verdadeiro veículo do entretenimento. 

Um jogo que passa por esse problema de forma nítida é Assassin’s Creed Origins e sua continuação, Odyssey aprendeu a contornar, confira nossa crítica clicando aqui.

Precisamos de Risco e Recompensa

Quando muito diminuto o desafio, a jornada pode perder o gosto ou até a sensação de ter alcançado algo irrelevante. Por isso que é importante equilibrar o fator risco x recompensa

Explico – uma vitória conquistada muito facilmente não tem o mesmo sabor. Existe uma parcela de jogos de hack n’ slash em que determinada altura, o jogador consegue dizimar legiões de inimigos desferindo poucos golpes ou apenas um único movimento. Aqui, o problema não é exatamente o jogador se sentir poderoso, mas a falta de regulagem competente de dificuldade simplesmente apaga qualquer esforço.

Por vezes deixa de fazer sentido em conjunto com o próprio contexto do jogo. O personagem às vezes está dizimando deuses e outras entidades cósmicas ultra poderosas com poucos comandos e botões. Entenda – existem inimigos que devem representar uma ameaça de fato e desafiar o jogador.

Alguns jogos pecam em segurar demais a mão do jogador e não o deixam explorar e aprender com seus erros. Uma falsa sensação de que há liberdade e escolha, mas tudo está correndo sobre trilhos, quase como uma visita a um zoológico, há paredes e grades protegendo o visitante.

De certa forma, um baixo grau de dificuldade em jogos pode chega a privar o jogador de certas experiências. O que me leva a outro ponto interessante: a intenção dos desenvolvedores para compor o cenário. A ambientação juntamente à curva de aprendizado e nivelamento da dificuldade.

Dificuldade em Jogos Wolfenstein
(Wolfenstein brinca com os níveis de dificuldade)

Em bons jogos, há uma movimentação de ‘morde e assopra’ no delinear dos padrões de dificuldade – em momentos a dificuldade é elevada e em outros, relaxada. Da mesma forma que um filme, existem momentos de tensão e de descontração – saber compor esse ritmo é essencial quando se ajusta a gameplay dentro da narrativa e do tema. 

É essencial saber e entender que o desafio proposto pela equipe de desenvolvimento está intimamente ligado à experiência como um todo. Sendo assim, um game fácil demais pode deixar a desejar, da mesma forma que um um jogo injusto e com dificuldade exagerada pode acabar com a experiencia.

Afinal, dificuldade para quem?


Não se trata de masoquismo de um lado, muito menos de falta de habilidade de outro. O que eu gostaria de chamar atenção aqui é que existem meios de equalizar o desafio de acordo com o conceito, temática e proposta de cada jogo, para cada público.

É óbvio que, essencialmente, é uma questão de entender a obra e saber digerir seu conteúdo. É claro também que varia muito em relação a publico alvo e gostos pessoais.

Não é necessário que todos amem Dark Souls ou outros com conteúdos de distintos graus de dificuldade. Acredito que o principal é saber entender a proposta do jogo e aproveitá-la de acordo com o que o jogo pede do jogador. No fim, a dificuldade em jogos é apenas um traço dos vários importantes detalhes que o torna bom ou não, em que risco e recompensa variam entre possibilidades quase infinitas.