Era óbvio que Marvel’s Spider Man seria recheado de “faz o jogador se sentir o Homem Aranha” em suas críticas, o próprio Dunkey já fez piada com isso e é com certeza a frase mais óbvia a ser dita sobre qualquer jogo com um personagem famoso de outra mídia. A questão é que o game da Insomniac fez algo diferente para mim, eu não sentir ser o amigo da vizinhança, eu senti que era uma criança de novo.
Desde muito pequeno eu tinha o Homem Aranha como meu herói favorito. Eu assistia o desenho dos anos 90 na Globo e fui no lançamento do primeiro filme aos 5 anos e mesmo tendo que assistir legendado -sem conseguir ler o que era dito rápido o suficiente- eu saí maravilhado.
O filme dirigido por Sam Raimi entendia exatamente o que faz do Homem Aranha um herói tão magnífico e em duas horas é fácil -até para uma criança- entender o que motivava Peter Parker a ser um herói e a simbologia que ele carrega para Nova York. Spider Man não é apenas sobre identificação com os problemas humanos de Parker, é sobre percebermos que podemos ser pessoas melhores. Homem Aranha é quase um ensinamento de que qualquer um pode ser um herói e fazer a diferença.
Desde os 5 anos eu aprendi isso e absorvo, desde então, um pouco do herói. Entretanto nunca fui nem vou ser como ele. Peter Parker e Homem Aranha são níveis inalcançáveis de bondade, um “Ser Humano ideal” quase impossível de ser, um símbolo que usa da identificação com o público para dar esperança que todos nós podemos melhorar. Algo que a Insomniac prova ter entendido perfeitamente com Marvel’s Spider Man.
A partir daqui o texto terá Spoilers de todo o game. Leia apenas se não se importar ou já tiver zerado.
Cada detalhe do que torna o amigo da vizinhança um dos melhores heróis já feitos está em Marvel’s Spider Man. Peter Parker por exemplo, tem seu clássico problema financeiro e em certo momento do jogo ele é até mesmo expulso do apartamento por não pagar o aluguel.
Um outro pequeno momento que fortifica o que é o Peter, são suas ansiedades e problemas sociais. No ponto em que o jogo começa, Parker e MJ (Mary Jane) terminaram o namoro e estão sem se ver por 6 meses e no decorrer da campanha é possível ver o quanto ele sente falta dela e quer fazer dar certo.
O ponto alto desse romance é uma pequena cena em que usando o uniforme do aranha, Peter conversa com MJ por mensagens e é possível ver ele nervoso por uma resposta e preocupação de responder da melhor maneira possível. São os momentos humanos que de alguma maneira nos conectam com o personagem, entretanto, o jogo não deixa de apresentar seu lado heróico e bondoso.
Peter, junto de sua tia, May, ajudam no F.E.A.S.T um abrigo para moradores de rua, e mesmo sem emprego e tendo suas responsabilidades como herói, Parker é figura conhecida do abrigo por ajudar a anos, uma prova da bondade do personagem que é levada a seu alter ego.
O simbolismo do Homem Aranha e a esperança que ele leva aos Nova Iorquinos está por toda a campanha. Algo que a Insomniac Games apresenta de maneiras diferentes, tanto em missões principais quanto secundárias.
Enquanto nas secundárias é muito mais sobre a participação do Herói com os civis, na forma amigável que eles o veem e como o herói trata o povo. Nas missões principais, que caminham a história o estúdio usa de momentos em que o jogador controla MJ (Mary Jane) e Miles Morales para exemplificar essa importância.
Em Marvel’s Spider Man, MJ trabalha para o Clarim Diário e mesmo que no começo ela só estivesse atrás de um furo de reportagem, não demora para que aos poucos a intenção dela mude. Ela passa a tentar ajudar as pessoas. Mesmo sem nenhum tipo de poder, a personagem usa do que pode para tentar ajudar o Aranha sem se importar com os riscos, algo que fica bem evidente quando a personagem diz estar cansada de ser salva e quer tentar salvar também.
MJ pode ser posta como fãs antigos do Aranha, que conviveram com suas histórias e se inspiraram aos poucos por ela, já Miles Morales demonstra o início dessa inspiração e força de vontade. Algo demonstrado em diversos pontos da história.
Miles além de demonstrar o inicio da força que Spider Man pode trazer, também ajuda a identificar como Peter Parker age como herói. Após a morte do pai de Miles, Parker o indica a trabalhar no F.E.A.S.T para tentar o ajudar com o luto. Uma maneira ajudar alguém que perdeu uma pessoa querida sem o uso de poderes, ele não fica apenas nas palavras de apoio, Peter age em prol do bem do garoto com o que pode.
Ao mesmo tempo, Homem Aranha, já um ídolo para Miles o salva de alguns bandidos e o da confiança em sua força. A partir do momento que o amigo da vizinhança se permite levar um soco do adolescente, Morales passa a ter mais confiança em si mesmo, o que é refletido nos momentos finais do jogo.
A última vez que o jogador controla Miles ele precisa buscar medicamentos para os infectados com o Devil Breath( que na tradução foi chamado de Bafo do Dragão até que em um certo momento passam a chamar de Bafo do Diabo). Entretanto, na busca dos medicamentos o jovem esbarra com Rhino e Scorpion, clássicos vilões feitos de piada por Spider Man, mas que na visão humana e fraca de Miles, são imponentes, fortes e mortais.
De começo Scorpion mata um soldado e Rhino destrói os containers que estão por toda a parte. Ainda sim, Miles usa o que tem para enganar o vilão brutamonte e consegue sair vivo com os medicamentos. Para finalizar seu momento de coragem, o garoto faz exatamente o que o Homem Aranha lhe deu confiança de fazer. Protege um civil abordado por dois bandidos e soca um deles na cara.
É clichê e até mal dirigido, mas o simbolismo está ali, vivo. Miles é a perfeita representação do “símbolo Spider Man”. O herói não está balançando pelos prédios de Nova York focado em bater nos vilões, ele é uma luz no fim do túnel. Uma fonte de esperança e inspiração a todos que têm algum tipo de contato com ele, mesmo que parte disso venha de sacrifícios e muito sofrimento por parte do herói.
Além da falta de tempo e do peso na consciência de Peter para salvar a todos o tempo inteiro, existem dois grandes sofrimentos na vida do herói. A lenta transformação de seu ídolo e chefe, Otto Octavius para o famoso Doutor Octopus e no fim, a morte de sua tia, May. Dois momentos interligados, porém com representações diferentes de Spider Man.
Otto vai muito mais a fundo no como o Homem Aranha não é sobre derrotar os vilões, e sim sobre ajudar a todos. Até os momentos finais de sua luta, Peter tenta de maneiras diferentes retomar a consciência de seu antigo chefe. Existe uma fé no herói sobre a possibilidade de impedir Octavius de continuar em sua loucura, e em diversos momentos do terceiro ato do game, é possível perceber a vontade de ajudar e a culpa de Peter.
As ilusões vindas do veneno de Scorpion ajudam o jogador a entender isso. Em toda a caminhada ilusória de Peter, ele pede desculpa e demonstra culpa pelo que aconteceu com Otto, como se ele tivesse tido oportunidade de impedir que seu ídolo de se tornar um vilão. Algo que se desfaz quando Peter percebe que Otto ainda tem suas lembranças e não se tornou louco, ele apenas revelou quem realmente é, e mesmo assim, é visível a dor e o sofrimento de Peter em ter que derrotar Octavius e o deixar para ser preso.
Da mesma forma, vemos a dor de Peter ao ter de sacrificar sua tia pelo bem da cidade inteira e mesmo relutante, o protagonista não faz um enorme dilema sobre isso. No fundo ele sabe o certo a ser feito,a demora para essa decisão é completamente focada em coragem. Chega a ser curioso que nesse momento o personagem esteja com seu uniforme, porém sem máscara, quase como se existisse uma dualidade entre Peter humano e o Herói Homem Aranha.
Toda essa simbologia já é clássica do personagem. Não é atoa que uma de suas imagens mais conhecidas seja a dele levantando escombros para salvar pessoas, ou uma das cenas mais marcantes de seus filmes ser o momento em que o herói faz de tudo para parar o metro. Entretanto, Marvel’s Spider Man usa das várias horas da campanha para explorar todos esses lados.
Todos esses elementos, unidos em uma única obra é a maior representação do amor de todos os que estavam trabalhando nele. Não apenas na narrativa e no simbolismo, mas o exagero nos detalhes também apresentam esse amor. A quantidade de uniformes e as referências aos quadrinhos, jogos e filmes do personagem são detalhes que a grande maioria dos estúdios não se dariam o trabalho de fazer.
São detalhes bobos, mas que demonstram o verdadeiro amor dos desenvolvedores e que deixa óbvio o motivo de tanto sentimentalismo e simbolismo no game. Todos ali realmente se importam com o personagem e essa paixão acaba sendo transmitida aos jogadores.
Nada disso é novo. A importância do herói em trazer esperança e força de vontade na população de Nova York sempre esteve de alguma maneira nos filmes e quadrinhos, mas com Marvel’s Spider Man, isso dá um novo passo. A partir do momento que jogamos com MJ e Miles Morales, o jogo deixa de tentar ser sobre “sentir ser o homem aranha” mas na real, dar o sentimento de querer ser o Homem Aranha.
Foi esse o grande motivo de eu me sentir com 5 anos de novo. Quando criança eu realmente tive medo do terrível Duende Verde e agora com Miles eu me senti indefeso com Rhino. Com a Mary Jane,mesmo sem poder me balançar pelos prédios, eu pude lembrar da minha vontade de fazer o bem e ajudar da maneira que pudesse.
É impossível para mim escrever uma crítica de Marvel’s Spider Man por isso. Mesmo tendo problemas narrativos e até mecânicos, tudo foi extremamente significativo pra mim. Desde o meu primeiro momento com o jogo, todo o sentimento que não tinha a anos voltou.
A minha adoração pelo personagem que ajudou a criar quem eu sou hoje veio a tona novamente. E quando eu falo que em nenhum momento eu senti ser o Homem Aranha, eu não estou mentindo. O único sentimento que tive foi de estar maravilhado,tal qual estive ao assistir o primeiro filme. Novamente eu pude ver um grande herói provando que qualquer um, até eu, poderia fazer a diferença e nunca vou me esquecer disso, pois graças a Marvel’s Spider Man, eu pude novamente sentir como como era ser criança.