A Cultura do Hype e a Mídia – Coluna do Frost #3

Por Jack Frost

Trabalhamos em empregos que odiamos para comprar porcarias de que não precisamos.

Tyler Durdeen, de Clube da Luta. Eu tinha que ser brega e usar uma citação de Clube da Luta eventualmente.
Travis Touchdown, o protagonista de No More Heroes, é um fracassado que consome mídia pop sem senso crítico algum. Um bom reflexo do consumidor de jogos médio.

Você Quer GAMES?

Games cara. Games. Quero consumir games. Eu gosto de games cara, estou jogando todos os lançamentos. Gosto de games, quero games. Eu tenho games, jogo todos os lançamentos. Compro games quando eles lançam, todos. Compro todos os principais, por 250 reais, por 350 reais, quero ajudar os games a crescerem. Eu vendo a TV da minha casa e o aspirador da minha mãe para comprar o meu Playstation 5, para jogar games. Eu ajudo games, para eles sempre terem sequências e a empresa grande continuar me fornecendo com games.

Os games me amam, eu amo games, games são gostosos. Quero games, com horas bem longuinhas e gráficos realistas por baixo. Os games trazem novidades. Você é uma delícia, hein game? Eu te amo game, eu tenho fetiche em você, games. Games com gráficos realistas por baixo. Eu te amo game, eu te chupo.

Alienação

Uma coisa muito discutida e reforçada por Felipe Pepe, um dos maiores da atualidade no meio de jornalismo de games, é que a mídia brasileira parou de ser eficiente com seu público justamente por um simples motivo: a tal da desconexão entre o conteúdo produzido pelo jornalista e da realidade do jogador médio. Entretanto, não irei me estender pois destrinchar o problema do jornalismo profissional de games no Brasil podia ser um artigo por si só.

Mas, o ponto é que uma coisa é clara ao abrir a página de qualquer um dos principais portais: o foco é no agora. Nos jogos atuais, na nova geração, na E3, nos consoles de nova geração, nos gráficos mais realistas e no marketing agressivo. O foco é no hype – termo em inglês que é definida por uma espécie de ansiedade, direcionada especialmente às novidades. Todos estão no hype, olhando os novos jogos.

É previsível, é aceitável: um portal de games irá sempre destacar suas notícias, e a maioria delas serão sobre as coisas mais visíveis e que tem mais demanda. É o Grand Theft Auto 6, o God of Wark Ragnarok e o novo Resident Evil. Nós gostamos disso, e eu me incluo nisso. Não seria uma prática comum se não fosse um jeito viável de trazer público. Mas, seriam jogos só isso? Será que realmente não há demanda por outros tipos de conteúdo?

 

Adoraria jogar Demon’s Souls Remake, mas reduzir uma área tão artística como games aos lançamentos é deprimente.

A Indústria Cultural

Eu sei que eu peguei o exemplo mais polêmico que eu podia pegar.

Esse assunto já foi falado uma vez, com profundidade o suficiente, no meu texto passado. Ainda assim, acho que uma síntese do que é a indústria cultural será relevante nesse contexto – tanto porque a “cultura de hype” é um resultado desse fenômeno, quanto porque eu foquei na área de cinema como comparação. Direcionando o meu comentário aos games, espero trazer outra perspectiva para a discussão.

Por motivos de preguiça, irei citar diretamente o meu texto passado para a definição básica de indústria cultural:

O termo, usado pelos filósofos Theodor Adorno e Mark Horkheimer, é crítico ao que filmes como Vingadores ou Velozes e Furiosos fazem. Descartando o valor expressivo – vulgo artístico – de uma obra em prol do máximo de consumidores possíveis, o processo criativo de uma obra da indústria cultural é baseado no dinheiro que uma obra pode conseguir, e não em significado.

“Uma Carta de Amor ao Visual nos Games” de Frost51 da Silva o, famoso abatedor de novinhas.

Sabe quando um jogo antigo recebe um reboot, e ele descaracteriza tudo que definia a franquia? É resultado desse efeito. A pressão para adaptar essa experiência para os padrões modernos força os desenvolvedores a colocar as características mais familiarizadas da atualidade, garantindo segurança econômica. Tudo por dinheiro.

Em jogos, a indústria cultural encontra um solo perfeito para o seu crescimento – talvez até mais fértil do que o cinema. Um dos motivos é que jogos tem um potencial de penetração cultural entre as massas tão forte quanto o cinema, sendo uma arte que atrai um público imenso. E isso nem é de hoje.

Apesar do crescimento dos videogames, da popularização do Fortnite e do quão acessível é baixar um jogo grátis simples na Play Store, os jogos já estão na cultura popular faz anos e o impacto é tão forte que existe uma criação ativa de signos culturais desde a época do Atari. Há desde mochilas caras da Kipling oficiais do Pac-Man, até várias tentativas frustradas de fazer filmes sobre jogos icônicos. O fato que a interação proporciona imersão nas aventuras que você tem durante um chefão de Metal Gear Solid é o suficiente para tornar uma experiência marcante, especialmente na época que isso ainda era novidade. E isso também torna os personagens e a aventura memorável.

Tornar os personagens e as franquias de sucesso em marca é algo essencial para a indústria cultural brilhar. Assim, a cultura é tratada como mercado, os personagens são prostituídos até o limite e a presença deles como nome só aumenta, junto com a lucratividade. É muito melhor que o Mario seja um nome – uma marca que vende roupas e brinquedos – no lugar de cumprir sua função básica como protagonista de um videogame. Mas a experiência interativa facilita isso e é usada com proeza para tal fim.

Honestamente: eu nem acho isso ruim, até acho um dos aspectos mais legais quando uma marca é consolidada no mercado. Eu adorei ver o filme do Sonic e amo procurar merchandising de franquias que aprecio, mas também não posso negar que é um dos aspectos principais que formam o processo de transformar expressão artística, focada em significado e sensação, em algo apenas focado em dinheiro.

Outro fator importante é o custo de fazer um videogame. Jogos de maior orçamento hoje custam muito mais que um filme. Enquanto o caríssimo filme Avengers Endgame custou 356 milhões, o jogo de alto calibre Red Dead Redemption 2 custou 944 milhões.

Red Dead Redemption 2 é talvez uma das obras com maior ambição produtiva da história.

Apesar de eu achar Red Dead Redemption 2 uma obra de arte expressiva com todos os seus méritos, jogadores reclamam do excesso de micromecânicas e animações lentas. Enquanto a adição de tais empecilhos é uma decisão artística relacionada à proposta do jogo (imersão), as pessoas que esperavam algo mais leve de jogar ficaram incomodadas com a sensação de peso que o jogo dá. A Rockstar Games, com uma ambição pessoal de criar o mundo mais crível e real dos jogos, acabou tropeçando (assim como já tropeçaram no Grand Theft Auto IV) na expectativa do seu público alvo: que espera uma experiência mais leve, aos moldes de Grand Theft Auto San Andreas e Grand Theft Auto V – onde o jogador pode relaxar mais e ter interações mais práticas.

Claro que o jogo vendeu bem – afinal, é a Rockstar – mas as críticas existem. Elas são resultado especialmente das expectativas comerciais, do histórico da empresa e da visão que o consumidor tem do jogo como produto. O jogador médio não quer se aprofundar na proposta do jogo, não quer vivenciar a perspectiva imersiva trazida pela Rockstar. Querem mesmo é ação rápida, rentável, polida e aberta, assim como já receberam no último título de GTA. E infelizmente, a Rockstar provavelmente vai ser forçada a tomar cuidado com isso no futuro, pois o custo dos seus jogos é alto demais e eles não podem arriscar um meio sucesso. Algo similar aconteceu ao Destiny, que teve a maior parte do seu altíssimo orçamento de 140 milhões alocada para marketing, pois era muito mais necessário garantir as vendas do que a qualidade.

Destiny, apesar das críticas e da reação negativa, vendeu bem e provavelmente o marketing agressivo foi um dos maiores responsáveis.

O alto orçamento cria riscos, e o risco cria empecilhos criativos já que há uma expectativa comercial. Acho difícil a Rockstar fazer um jogo tão artístico quanto RDR2 no futuro próximo (especialmente após as críticas), e isso é culpa da indústria cultural: do fato que, no fim das contas, a meta é lucro. Destiny, no lugar de focar em trazer a melhor experiência possível, focou em trazer o máximo de pessoas possível. Quanto mais dinheiro investido, menos expressiva uma obra poderá ser e mais ela terá que se ajoelhar ao mercado.

E o último fator que desejo discutir é – já que é fato que jogos são uma arte muito nova e seu reconhecimento como tal é ainda mais recente, existe um senso muito forte de identidade e comunidade. Muitas das pessoas que gostam de jogos faz tempo eram de um nicho específico, onde nem todas as pessoas tinham acesso ou desejo de adentrar. Gera o clássico efeito “clube do Bolinha“, uma sensação de pertencimento à uma tribo. A abertura de público e o fato que jogos estão se tornando parte do cotidiano de todos claramente dissolve esse efeito um pouco, mas ele ainda é bem vigente e é bem rentável. E os vendedores amam isso, empurrando edições de colecionador e bonecos para você afirmar sua existência aos seus colegas e se provar mais gamer.

Chief, líder do polêmico e finado grupo Xbox Mil Grau, é um exemplo disso. Existe uma afirmação maior de “true fan” do que um quarto pintado de verde para rementer aos games, cheio de roupas de games, bonecos de games e enfim: games em todo lugar?

Esse fenômeno é também o que gera a questão da flame war – as piadas ácidas e exageradas, geralmente focadas em exaltar alguma plataforma de jogos ou demonizar outra. Isso acontece pois as comunidades de jogos terem alto nível de identificação e proximidade – provinda de anos apreciando um hobby mais nichado. Lembremos que jogos eram apedrejados pela televisão e havia várias reportagens falando sobre os malefícios dos jogos violentos – isso enquanto o Datena continuava em um horário acessível, noticiando atrocidades inimagináveis por semanas e traumatizando crianças de famílias irresponsáveis.

Tal pressão social gerou uma resistência grande dos membros desse nicho e com isso, senso de união. Mas, com esse senso de união grande, também significa que coisas como lealdade à marca e nichos internos se fortaleceram. Lembremos que aqui a questão da flame war também é muito forte pelo fato que o brasileiro não tem condições de comprar mais do que um console, o que facilita adquirir uma visão de plataforma como um simples aparato eletrônico usado para consumir os jogos e dilui um senso de identificação.

Mas, no fim das contas: esse senso de comunidade é lucrativo. Tanto a da “comunidade gamer“, quanto a dos grupos de flame. Por que acha que a Microsoft foi conivente com eles por anos? Quantas pessoas não tentaram olhar o Xbox com olhar mais positivo depois dos chiliques desrespeitosos da Xbox Mil Grau? Quantas pessoas não consumiram produtos Microsoft por influência deles? E isso vai muito além. Desde skins de Fortnite da moda, para você se mostrar “em dia” com seu grupo de amigos, quanto as últimas action figures de NieR.

COMPRE COMPRE COMPRE COMPRE COMPRE.

Enfim, é difícil de lutar contra essa influência. Tanto porque ela é sim agradável, se consumida na proporção certa, quanto porque ela é ligada ao sistema econômico mundial. Os sites devem continuar noticiando jogos, devem continuar submissos ao marketing e devem informar quanto às novidades. Mas ter consciência desse processo nos faz entender o que está acontecendo. Saber que existe um projeto econômico focado em te dar pressão social para vendas e o quanto ele pode nos influenciar. 

E por que todo esse inferno? É porque a maioria do retorno que um jogo tem é no período do lançamento. Eles querem que você pague o máximo de valor possível o quanto antes, e essa pira social toda é só um meio de alcançar tal fim. Seja inteligente: compre o jogo quando o valor estiver justo. Você não precisa “doar” dinheiro para multimilionários e, se realmente estiver com vontade de jogar algo no lançamento, faça por si só e não porque todos estão falando de tal jogo no Twitter.

E se quer escapar dessa armadilha, vamos nos perguntar: o que existe além disso?

Além do Hype

That Dragon, Cancer foi feito pelo casal Ryan e Amy Green, sobre a luta e falecimento do filho deles de 4 anos contra o câncer.

Eu vou afirmar o que sempre é afirmado, em todo texto meu: jogos são arte. Indústria cultural existe e não é novo, o cinema já sofre à anos com o efeito da mesma e isso vem diminuindo o número de filmes autorais e excêntricos no mercado de massa. Isso não significa que filmes mais artísticos não estão sendo produzidos e que não exista artistas trabalhando, mesmo que ganhando menos destaque do que mereciam. Eles só não tem uma atenção tão grande por parte da mídia e nem um marketing tão extravagante e explosivo.

Apesar da recente abertura, indies ainda continuam sofrendo. Sim, temos indies de sucesso como Hades, Omori, Katana Zero e afins. Mas a grande maioria dos indies, especialmente fora das empresas mais reconhecidas do meio, estão fora dos holofotes do público. Há até uma predominância do indie de ação, com valores tradicionais de gameplay, serem mais valorizados. E isso faz jogos como That Dragon, Cancer perderem espaço.

Apesar da premiação na categoria Games for Impact da TGA (que aliás, é uma das ideias mais bem intencionadas da indústria), o jogo não recebe o alcance e a discussão merecida. Abordando a vida e no falecimento de uma criança com câncer, baseado no câncer que o filho do casal que desenvolveu o jogo teve, é uma experiência absurdamente significativa, sufocada pelo marketing dos grandes jogos.

Uma matéria relacionando o falecimento do jovem Joel Green com os eventos do jogo e mostrando essa história bonita de pais tentando eternizar seu filho, injustiçado tão cedo, com certeza seria de interesse coletivo, transcendendo até o público que só acompanha games como mídia.

 

That Dragon, Cancer prova que interação pode trazer mais que um bom combate.

Outra área renegada (e já antes falada em outro texto meu) são os serious games, ou seja – jogos que cumprem funções primárias além da diversão ou expressão. São jogos terapêuticos, jogos informativos, documentários interativos e afins. Faz alguns meses que um jogo da famosa franquia de guerra da EA, Medal of Honor, foi indicado ao Óscar na categoria de documentários e eu só descobri por um companheiro de podcast ser engajado na área de história e citar isso como uma notícia importante. Apesar de que minha experiência com certeza não reflete todas e tenho certeza que em algum canto da internet as pessoas discutiram isso, duvido que isso tenha sido tão discutido quanto o jogo do momento.

Esse jogo foi Medal of Honor: Above and Beyond, desenvolvido pela aclamadíssima Respawn Entertainment – responsável por Apex Legends, Titanfall 2 e Star Wars Jedi: Fallen Order. O jogo provavelmente não foi notado por conta de exigir um óculos de realidade virtual, mas tem uma proposta interessante: tenta ser um jogo de tiro em primeira pessoa imersivo, com base na experiência real que as pessoas tiveram com a guerra, usando toda a capacidade estética do VR. Com a progressão, você desbloqueia algumas coisas na galeria, incluindo o curta, produzido para o jogo, que rendeu a indicação do jogo ao Óscar – sendo assim o primeiro jogo que recebeu algo na premiação. Por que eu fiquei sabendo disso tão tarde?

Apesar de Medal of Honor não ser 100% um serious game, ele cumpre essa função ao tentar trazer fidelidade histórica e chegar ao ponto de produzir um curta, ouvindo as experiências de quem passou por essa situação. O jogo virou um objeto de análise para historiadores e isso é fantástico.

O fato que Medal of Honor: Above and Beyond fez os esnobes da academia calarem a boca é um sinal da sua importância.

E claro, não podemos esquecer dos jogos mobile. Querendo ou não, é o mercado que mais lucra na indústria e também o mais acessível. Até a pessoa mais velha e conservadora hoje em dia tem algum jogo simples baixado no seu celular para passar o tempo, enquanto a Sony ganha absurdos com o game de celular Fate/Grand Order. Ao ponto de ser o jogo mais rentável da empresa.

O problema de noticiar sobre jogos de celular é o quão caótico o mercado é. Há aproximadamente 500 jogos enviados por dia apenas no iOS. Mas é aí justamente que entra o trabalho do jornalista: desmistificar esse nicho. É um universo complexo, tendo gêneros que hoje em dia assumem mais força na plataforma: gachas, battle royales, e jogos sociais. Há clássicos estabelecidos, como Angry Bird e ideias novas acontecendo a todo momento. Apesar disso, há uma negligência em ir mais fundo nesse tipo de jogo, como se fossem experiências supérfluas. E é uma generalização injusta.

Quem diria que Kinoko Nasu escrevendo uma visual novel amadora iria resultar em um dos investimentos de maior retorno da Sony, hein?

E enquanto a gente discute a ascenção do mobile, tem gente que não se importa e se diverte muito é cavando jogos antigos, traduzindo clássicos e conhecendo a história dos videogames. Existe gente que não tira nomes como Human Entertainment ou Looking Glass Studios da boca. Buscando experimentos, clássicos aclamados e cult, essas pessoas não se importam se o preço dos jogos da nova geração será 70 dólares: pois não tem interesse nenhum em consumir de imediato.

Com as backlogs cheias e portando emuladores e consoles antigos, o meio retro continua crescendo. Desde que não queira pegar uma rara cópia de um game, é um hobby muito mais acessível. Alguns buscam reviver a juventude e as boas memórias, finalizando um jogo que apanhavam quando crianças, e outros buscam mecânicas interessantes que foram esquecidas pelo tempo. Desde jogos exclusivos japoneses finalmente sendo traduzidos em inglês via hacking, até gente que coleciona essas relíquias, é um ambiente denso e cheio de novidades, por mais que sejam novidades “antigas”.

Uma das notícias mais interessantes dos últimos meses para mim foi a tradução em inglês de Mizzurna Falls ter saído, talvez o primeiro jogo de mundo aberto 3D já feito. E infelizmente, a mídia nem percebeu, por mais que seja um marco importante para os jogos japoneses.

Fusquinha irado do Mizzurna Falls.

Ou até: por que não temos mais textos EXATAMENTE sobre a produção de conteúdo jornalístico de games no Brasil? Por que não nos perguntamos o motivo das análises em sites especializados serem tão modulares? Por que não questionamos o atual modelo de portais? Por que não mudamos o modo que o texto é estruturado? Refletindo sobre o meio, é fácil de criar um conteúdo mais interessante, pois não estamos seguindo um padrão: e sim se adaptando à realidade.

Podemos até ir mais além: e a área de game design? E a produção de jogos? E as questões técnicas? Claro, temos sites como o Gamasutra, o Digital Foundry e diversos canais do YouTube aprofundando essas questões, mas por que ficamos reféns de jogos atuais de última geração, quando até há conteúdo sobre a produção dos nossos jogos favoritos? Por que consumir experiências desesperadamente, quando podemos pesquisar e entender melhor o que torna uma experiência querida nossa tão interessante?

Enfim: como podemos resumir a área de games em apenas lançamentos? Games são ricos, tem história, tem o que se aprender e tem o que se ensinar. A mídia, em especial, devia estar ciente disso. E eu já estou vendo você, Joãozinho, indo comentar “MAS LANÇAMENTO DÁ MAIS PÚBLICO!”

Joãozinho…

Vai tomar no seu cu.

E o próximo tópico é o motivo que falo isso.

Evidenciando Demanda

Os vídeos mais vistos do canal Capitão Capcom englobam como fazer o uso correto e otimizado de emuladores.

Esse na foto é o tal do Capitão Capcom. Ele tem um canal no YouTube com mais de 50 mil seguidores. Apesar de lançar vários vídeos, o seu prato principal de acordo com as visualizações são os tutoriais de emulação.  Pegando mais que 50 mil views na maioria dos mais acessados, ele é a prova viva que o público tem uma demanda de entender o processo de emulação.

E por que isso fica tão fechado? No caso da mídia, tem gente que vem com o argumento que emulação é crime. Uma desinformação dolorosamente ruim. Emuladores são legais desde que você tenha a cópia do jogo e o console. Sim, não sou tolo de fingir que as pessoas realmente extraem a BIOS e a ROM (os dois elementos necessários para emular um jogo) diretamente de um console e um jogo original. Entretanto: seria a pirataria um monstro tão grande assim? Já parou para pensar que jogos como Rule of Rose e Earthbound não seriam tão lembrados se não fosse pelo papel maravilhoso que a preservação de games – vulgo pirataria e armazenamento de ROMs – fez, transformando esses em clássicos no lugar de meros fracassos comerciais?

Considerando que a emulação em si (sem extração de BIOS e ROM) não é crime, por que há um grande fingimento que essa não é a realidade de grande parte dos jogadores? Se é por questões morais, por saber que provavelmente será usado em atos de pirataria, por que não aceitar que isso também é um trabalho de preservação que muitas vezes nem os próprios desenvolvedores fazem? Por que a mídia não consegue fazer um trabalho tão útil no meio quanto o do Capitão Capcom? Por que tantos jogadores não correm atrás disso?

Clássicos com Castlevania Symphony of the Night inspiraram God of War ser do jeito que é. Por que não entender as raízes de um jogo que você adora?

E ainda assim, espero que alguns discordem, falando que a emulação é apenas usada para casos específicos, que a pessoa que busca a emulação não tem muita chance de cavar outros jogos antigos. Aí que lhe apresento outro canal interessante, também brasileiro, que prova o erro de tal tese.

Master Alucard, um canal de jogos retrô com fãs extremamente fiéis, é a prova viva da demanda retrô.

Um dos canais que mais anda se destacando no YouTube recentemente (e também, um dos meus favoritos pessoais) é Master Alucard, um especialista em jogos da franquia Castlevania. Depois de ter basicamente terminado a maioria do conteúdo da franquia, começou a diversificar. Hoje em dia, existe um foco grande em jogos retro e metroidvanias, visando atingir a mesma demografia que trouxe sua consolidação na plataforma, mas com jogos diferentes.

O desempenho dos seus vídeos é ótimo e o seu conteúdo é feito com uma paixão descomunal. O quanto seus vídeos fidelizam o espectador mostra que o que ele faz não é simplesmente bom, mas também algo que o público deseja. Por que ninguém da mídia especializada consegue trazer algo tão interessante assim?

Outro caso interessante é o crescimento do Nautilus. Projeto independente de jornalismo brasileiro, popularizado por conta do tratamento profissional na produção de conteúdo e surpreendentemente: um dos maiores pratos principais são jogos indies. Nem todos populares.

A maior parte do conteúdo no canal do YouTube do Nautilus é sobre indies.

Podemos até voltar aos AAAs e nos perguntar: lembra daqueles que foram lançados no começo da geração? Notou que você queria aquele Wolfenstein The New Order, e agora o preço dele está acessível? Por que não experimentar ele, no lugar de comprar esse Nier Replicant por um valor exorbitante? A queda de preço e as promoções estão aí para serem usufruídas. Até jogar esses jogos atuais é possível, se você conter o próprio hype e fizer escolhas com a cabeça, e não com o “coração”, eufemismo para a euforia gerada pelo marketing.

E com certeza, não precisa ir longe para ver que existem demandas diversas além disso. Artigos no G1 sobre como jogos ajudam em terapia, o uso de mobile games subindo ano após ano… São assuntos que sim, podem trazer atenção para a mídia e que, apesar de ter uma parcela que nunca tentou ir atrás desses outros segmentos, tem potencial de alcançar muito mais gente.

Mas, um dos principais motivos que a mídia peca e erra quando tenta atirar em outras direções será exposto no tópico a seguir.

Corporativismo e Identidade

A banda Napalm Death usa da capa do seu álbum de estreia Scum para criticar o corporativismo, trazendo várias marcas famosas ao lado de caveiras.

O youtuber videogamedunkey, apesar do seu conteúdo normalmente humorístico, expôs uma crítica extremamente inteligente à crítica internacional de jogos nesse vídeo aqui. O ponto dele é: um veículo midiático como a Voxel ou a IGN Brasil são empresas, elas não tem rosto ou personalidade, apenas um código de conduta. E isso é um problema gravíssimo.

Crítica é baseada em confiança. Você ouve o que um amigo com gosto similar ao seu tem a dizer sobre algum jogo porque você confia que o gosto dele te direcionará para um caminho que lhe interessa. Você confiaria em uma corporação sem uma identidade fixa? Claro, há exceções, como o próprio Digital Foundry. Entretanto: esse site tem uma identidade muito fixa, focada em análises técnicas e fatores mais objetivos de um jogo. Não é um site que promete ser “de games” e entrega um conteúdo variado sobre os AAAs, é uma mídia muito mais “especializada” que a tal da mídia especializada. Isso importa, até porque jogos são muito variados. Um especialista de eSports não tem a mesma visão que um analista de jogos narrativos cinematográficos.

A identidade fixa acaba fazendo textos, inclusive alguns horríveis a serem atribuídos para uma marca. Ninguém se lembra de quem escreveu a análise infame de Pokémon que reclamou do jogo – que se passa em uma região litorânea – ter muita água. Entretanto, todos se lembram que o texto saiu da IGN. Ainda assim, essa redução indiretamente nos tira a credibilidade do veículo inteiro no lugar de separar o autor da empresa, e isso acaba gerando uma desconfiança generalizada por parte dos jogadores. E não só isso.

Eu com certeza confio no Master Alucard quando o assunto são jogos de plataforma, especialmente metroidvanias, até porque eu já vi várias análises dele e acho que a opinião dele sobre o gênero é muito embasada. A análise não é apenas sobre conhecer o jogo, mas também os parâmetros de qualidade e as opiniões de um crítico, criando um laço de confiança. Tirando o destaque do crítico, a relação fica afetada e associar artigos de várias pessoas diferentes à um veículo acaba se tornando um problema. E é pior ainda quando a maioria dos escritores do meio não tem nem marcas autorais.

Tim Rodgers, além de engraçado ao absurdo, se destaca pelo conhecimento em jogos obscuros.

Há vários jeitos da mídia superar isso, inclusive o próprio Kotaku, site famoso internacional, conseguiu suprir isso por um tempo. Dando uma grande liberdade para a redação em autoria, nomes como Tim Rogers, Heather Alexandria e o controverso, mas cada vez mais importante Jason Schreier se consolidaram ali. Conheci vários outros escritores e comecei a acompanhar o site simplesmente pelo destaque que o Tim Rogers em si recebia, e isso me tornou um consumidor fiel dos seus artigos por anos. O que fez eles evitarem essa falta de personalidade e confiança afetada foi: destaque aos autores, permissão para escrita menos ortodoxa, abertura para artigos de opinião e escritores extremamente autorais. Honestamente, ninguém gosta de uma identidade homogeneizada, a maioria do público já está acostumado a ser bombardeado com propagandas desonestas. Sinceridade é cativante e existe um público grande interessado em compreender o autor, para assim entender a análise melhor. Até a inclusão de humor pode ajudar na personalidade, só por favor: não crie algo diluído, sem sal.

Outra lição para aprender é com o Giant Bomb. Por que eles continuam com tanto nome e relevância? Por colocarem pessoalidade em todos os projetos deles. Giant Bomb é mais que um site, é um grupo de pessoas que expõe o rosto, e as pessoas se importam. Vejo o mesmo no trabalho espetacular do Jogabilidade aqui no Brasil e honestamente acho difícil de alguém replicar o carisma dos meninos.

Mas, mesmo com toda a personalidade do mundo – se a plataforma não permite que ela seja exposta, não irá servir de nada.

O Problema do Modelo

Sei que você já usou um modelo de PowerPoint, e lhe garanto que seu professor só se fingia de cativado pois é pago para isso.

Sabe por que o termo genérico, assim como eu explorei nesse artigo sobre visual nos games, é usado de modo pejorativo? É porque as pessoas detestam ver as mesmas exatas coisas, de novo e de novo.

Então…

Por que diabos vocês usam um padrão fixo para escrever análises?

Um dos problemas principais que noto é o quanto os sites são padronizados. Existe uma sessão de notícias, análises e – quando o site é um pouco mais ousado – um podcast.

Admito, reviews podem com certeza serem textos únicos, que agregam e tem estrutura própria, destrinchando e focando exatamente no coração do que um jogo quer dizer. Isso significa que os analistas tem sim parte da culpa do desinteresse coletivo do público. Especialmente quando produzem análises estruturadas, que parecem uma checklist de características como gráficos, jogabilidade, narrativa e etc. Mas, também é difícil de tirar a culpa do lado estrutural. Há pouca experimentação nos sistemas de avaliação, há uma ênfase brutal na nota e as análises parecem ser o único conteúdo opinativo disponível abertamente na maioria dos sites. Cadê artigos? Colunas? Brincadeiras? Tutoriais? Relatos? Experiências pessoais? Até um correio dos leitores?

Acho estranho, quando esse tipo de coisa fazia um sucesso absurdo nas revistas de videogame. E claro, quero ideias novas também. Uma das iniciativas mais interessantes – que infelizmente parece ter parado – foi a tal da Coluna do Carpe, uma das inspirações principais dessa humilde e triste Coluna do Frost. Uma iniciativa interessante do Tecmundo que trazia Matheus Carpenedo, um ótimo comentarista da indústria AAA e atualmente focado na história dos FPS, com comentários e análises pessoais sobre a indústria. Recomendo muito a leitura, não apenas por ter vários artigos bem escritos, mas também por mostrar o quanto sair do modelo tradicional de “notícia, análise e podcast” pode ser benéfico. 

Curiosamente, fiquei amigo do Carpenedo alguns anos depois de ler coisas dele. Nisso, fui pessoalmente perguntar se isso era viável para ele. Aparentemente, a Coluna do Carpe foi um sucesso.

Aqui a minha conversa com o jornalista Matheus Carpenedo. Aparentemente, foi mais que sucesso.

E entendo total a questão de “vídeos são mais práticos”, um dos argumentos mais usados para anunciar a morte  das mídias tradicionais. Mas…

Por que isso seria um problema?

Vários veículos investiram em canais do YouTube e alguns conseguiram destaque a partir disso. Transponham textos para vídeos editados, apostem em personalidade e evitem dissolver a identidade dos escritores. Mídia não significa necessariamente texto e se adaptar aos novos tempos é uma função prevista.

Com um modelo revisado e mais atrativo, experimentar em assuntos diferentes de noticiar os jogos do lançamento é possível. Querendo ou não, um dos culpados da cultura de hype é o quão superficial as análises e o conteúdo opinativo é, focando em notas, tornando modular a percepção de algo e diminuindo o jogo como arte. Se nós criadores de conteúdo, não lutarmos contra isso, estaremos alimentando a cultura do hype e servido uma versão pseudointelectual, pseudoinformativa, pseudopessoal de um marketing alimentado por milhões de dólares. Estaremos alimentando padrões de qualidade convenientes para aqueles que investem milhões, que deturpam e ignoram o esforço expressivo do artista. Que fingem que as escolhas de design de um jogo, feitas para vender, não diminui o potencial expressivo dele. E assim, nosso papel se torna o de vendedor, e não o de analista.

Não Consuma, Aprecie

Sejam como Francis York Morgan de Deadly Premonition: entendam a mídia que vocês gostam como arte. Só não façam isso na sala de autópsia.

Ao ler sobre todos esses mecanismos, espero que entendam melhor o porquê a cultura do hype é nociva e o porquê ela desvaloriza os jogos. Ignorando o consumidor, o artista e especialmente as diferentes qualidades que os jogos oferecem aos humanos, a redução do potencial dessa mídia é um resultado, especialmente quando milhões de dólares são investidos para essa imbecilização generalizada. Espero que esse texto alcance os objetivos já citados e que, mesmo que não seja muita novidade, lhe faça pensar e repensar sobre o modo que a gente se relaciona com os lançamentos do mercado.

Quais assuntos querem ver aqui? É melhor eu escolher algo menos denso, ou eu vou morrer de escrever em todo texto… :^(

Você concorda? Discorda? Comente aqui ou me mande no Twitter que amaria ouvir sua opinião. Obrigado pela atenção e até o próximo texto!