Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge
Quem tem medo do escuro? A escuridão é talvez um dos mais antigos temores que temos notícia. Os humanos descobriram o fogo para se aquecerem e também para espantarem o que se esconde no escuro.
Milênios depois, a escuridão continua a nos assombrar. Em Asleep, jogo brasileiro desenvolvido pela Black Hole Games, a escuridão assombra a protagonista Ana Lúcia. Tivemos a oportunidade de jogar o Ato 1 do jogo e contamos agora sobre nossas impressões.
Ana Lúcia desperta mais uma vez de um pesadelo recorrente. Sempre em um lugar escuro, ela é aconselhada que precisa despertar e encarar o seu abismo interior. Mas dessa vez o pesadelo durou mais que o normal…
Despertando em uma típica casa brasileira dos anos 90, localizada na região nordeste do Brasil, a protagonista precisa sair em busca de uma menina que precisa voltar para casa. Isso acaba a levando à uma escola, onde coisas estranhas começam a acontecer.
O primeiro aspecto marcante de Asleep é sua representação de uma cidade brasileira dos anos 90. Como alguém que cresceu nessa década, o jogo me passou uma sensação de familiaridade bem forte. Principalmente pelo aspecto de cidade do interior que o jogo passa.
Esse é uma característica da “brasilidade” de alguns jogos que vem sendo lançados recentemente e que eu aprecio bastante: referenciar nosso país de forma um tanto quanto natural. E Asleep faz isso muito bem.
Quando eu falo sobre essa brasilidade, é mostrar o nosso cotidiano. Claro, é tentador utilizar referências explicitamente brasileiras, como um animal típico da nossa fauna ou uma festa como o carnaval. Mas as vezes são os detalhes que fazem a diferença.
Desde a casa com o filtro de barro, tão icônico até a década de 90, até os Tazos e Tamagotchi. O que é um ponto curioso nisso, o brinquedo Tamagotchi é japonês, mas por algum motivo específico se tornou popular aqui no Brasil nos anos 90. É um brinquedo de outro país que de certa forma foi absorvido como parte da infância de uma parcela de pessoas.
Ao mesmo tempo o jogo traz fortes referências de fora, como do jogo Silent Hill. E de forma que não descaracterizasse a cidade em que o jogo se passa. E pra ser sincero, é totalmente plausível uma ambientação como Silent Hill aqui no Brasil. Eu mesmo vivo em uma cidade que por ser serrana, é comum ser coberta por neblina.
Só que ao invés de visitar casas de madeira e sem muros como nos EUA, talvez com uma pequena cerca e olhe lá, visitamos casinhas de alvenaria com muros medianos, como muitas casas brasileiras.
Como o jogo conta apenas ainda com o Ato 1, exploramos pouca coisa da cidade ainda. Após chegarmos à pracinha e conseguirmos um mapa, nos deslocamos até a escola local, onde se desenvolve a maior parte do jogo.
Nesse primeiro momento o jogo introduz as principais mecânicas e os monstros que iremos encontrar nesse Ato, além de explicar de forma natural a mecânica de utilizar a luz para afastar o inimigo que odeia luz e chamar atenção do segundo que é atraído por ela.
A partir daí, exploramos a versão mais obscura da escola. Com inspirações ainda mais evidentes na franquia da Konami, precisamos encontrar a menina perdida enquanto exploramos uma escola com sinais de extrema violência: cadáveres, marcas de sangue, luzes apagadas, etc.
A ambientação do jogo é bastante bem feita e conta com uma excelente pixel art. É válido destacar que sinto que os jogos brasileiros vem apresentando uma qualidade artística cada vez melhor. E Asleep não decepciona nesse aspecto.
Principalmente por ser uma pixel art que tem muita identidade brasileira. Ver nossas casinhas típicas, nossas placas de trânsito e até aquela maldita lixeira de palhaço assustadora é fantástico. Ainda mais para quem cresceu nos anos 90 vendo pixel arts representando apenas outras culturas, quase nunca a nossa.
Ao mesmo tempo, o jogo entende bem como criar uma ambientação de terror. A utilização de luz e sombras por exemplo e também a forma como são utilizados os efeitos de som e trilha sonora. Jogos de terror psicológico normalmente utilizam o silêncio para criar a sensação de ameaça e Asleep entende isso.
Assim como dá aos dois inimigos dois efeitos sonoros bem distintos, de forma que o jogador consiga identificar qual deles está por perto. E a partir daí sabemos se devemos utilizar a lanterna ou não, acender as luzes ou se aproveitar da escuridão total, etc.
E por outro lado, utiliza uma trilha sonora que cria tensão, em momentos que se esconder já não funciona mais. Asleep conseguiu me cativar em seus aspectos visuais e sonoros, mas aí…
O principal problema de Asleep está na sua execução técnica. Eu não costumo comentar muito aspectos técnicos negativos de jogos que faço análises, a não ser quando definitivamente atrapalham minha experiência. E nesse ponto o jogo me atrapalhou.
É importante destacar que esse é apenas o Ato 1 do jogo. Então todos os pontos citados aqui podem ser corrigidos nas sequências do jogo.
Eu tive problemas principalmente com os controles. Para começar, o suporte ao controle não é bom. E isso pode se tornar um problema sério caso os desenvolvedores desejem lançar o jogo nos consoles. Mas por ora, joguei utilizando mouse e teclado mesmo.
Como existe certa verticalidade no jogo, sobre alguns objetos que você precisa interagir, quando um deles está muito abaixo ou mais alto que a altura da Ana Lúcia, é preciso ter muita precisão para achar o ponto onde você consegue interagir usando o controle. Esse problema não existe usando o mouse, já que você é livre para clicar onde quiser.
Mas mesmo com mouse e teclado, diversas vezes tentei interagir com objetos e isso fez com que Ana Lúcia parasse e virasse na direção oposta. E isso me custou algumas mortes quando eu estava fugindo de inimigos.
Os trechos que você precisa subir ou descer em caixas também foram muito problemáticos. Tive dificuldade diversas vezes de engatilhar essa ação. São problemas especialmente graves quando se lida com um jogo de apontar e clicar. Ainda mais se envolvem fugir de inimigos.
Um ponto que tem mais a ver com game design em si, é a quantidade de arquivos e gavetas que não possuem nenhum item. Mesmo que não contassem com itens como cura ou algo assim, poderiam contar com pelo menos algum documento com informações que instigassem a curiosidade do jogador. Algo que justificasse a existência desses objetos, pelo menos.
Mas fora esses problemas, o jogo acerta na maioria das suas propostas. Por se inspirar nos clássicos de survival horror, Asleep conta com mecânicas que são icônicas desses jogos.
Por exemplo o mapa, que você abre manualmente e conta com poucas informações. Você precisa planejar para onde ir e conseguir se localizar bem. Outro detalhe bastante interessante é o sistema de save.
Assim como nos jogos clássicos, você salva o jogo em um ponto específico e utilizando um diário, que conversa com a proposta narrativa de Asleep. Ao salvar, você tem a opção de ler o diário também.
Ana Lúcia registra todo o andamento da sua aventura até aquele momento, com diversas anotações e desenhos em seus diários. Isso cria uma imersão maior do jogador com a personagem e é um detalhe muito bem bolado pelos desenvolvedores.
A história até então foi bem pouco desenvolvida também, mas já deixa no ar dicas das temáticas que pretende abordar. Saúde mental, bullying, amadurecimento, etc. São temas ainda bastante pertinentes nos dias de hoje.
O jogo pode melhorar em alguns aspectos técnicos, que não prejudicaram minha experiência em si, mas podem ser aprimorados. Cito o excesso de itens diferentes de cura que acabam ocupando mais espaço no inventário do que sendo úteis em si.
Em alguns momentos também senti que a localização dos inimigos não foi muito bem implementada para que o jogador pense numa forma de passar por eles. Nesses momentos, preferi só aceitar tomar o dano de um deles e seguir em frente.
Como disse anteriormente, são problemas de execução que afetaram minha experiência, mas que podem ser corrigidos com alguns patches e evitados nas sequências do jogo.
Apesar de alguns tropeços em sua execução, o Ato 1 de Asleep deixa margem para evolução e para uma sequência muito melhor. Ele acerta em pontos que, para mim, são bastante importantes.
A Black Hole Games conseguiu criar uma ambientação de terror que ao mesmo tempo que traz a nossa identidade brasileira, utiliza muito bem suas inspirações em jogos de terror. E utilizando de uma ótima pixel art além dos efeitos sonoros.
Asleep é mais um exemplo da criatividade e do talento de desenvolvedores brasileiros, que cada vez mais vem conseguindo mostrar a nossa cultura, nossas questões sociais e pessoais e discutir temas pertinentes a nós, brasileiros.
Aguardemos o Ato 2 para descobrirmos o que mais se esconde na escuridão…
Asleep - Ato 1
Nuuvem
Black Hole Games
PC