Crítica: Atomic Heart – Fiz o L foi pra isso mesmo

Escrito por Arthur Tayt-Sohn
Crítica

Slava, tovarisch! Atomic Heart é um título que desde seu anúncio despertou muita curiosidade. Sem medo de dizer que se inspirou em Bioshock, a Mundfish apresentou a proposta de uma União Soviética retrofuturista, causando muitas expectativas e ao mesmo tempo desconfiança do público em geral.

Tive a oportunidade de jogar esse jogo, que eu estava bastante curioso para descobrir do que realmente se tratava, e conto agora minha experiência com ele.

Bem-vindo à União Soviética, camarada!

O jogo se passa no ano de 1955, em uma versão alternativa do mundo onde uma substância chamada “Polímero” foi descoberta pelo cientista Dmitry Sechenov, promovendo um intenso desenvolvimento tecnológico.

Pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial, os nazistas liberaram o vírus da Peste Marrom, que dizimou milhões de pessoas, causando uma grande escassez de mão de obra após o fim da guerra.

Com o domínio da tecnologia do Polímero, os soviéticos desenvolveram máquinas incríveis, como robôs automatizados que supriram a necessidade de trabalho, ao mesmo tempo que trouxeram outros avanços na área de energia e robótica, que modernizaram de forma inacreditável o país comunista.

Você é o Major Sergey Nechayev, codinome Agente P3, um amigo de confiança do Dr. Sechenov. Seu primeiro objetivo é se encontrar com o cientista na Instalação 3826, a joia da URSS, onde as mais modernas tecnologias estão sendo desenvolvidas.

Sechenov está prestes a lançar o Kollektiv 2.0, uma rede sem fios que permitirá que humanos e robôs se comuniquem de maneira instantânea pela mente, bem como acessar todo tipo de conhecimento e aprendê-los na hora.

Já na 3826, o Agente P3 descobre que o engenheiro chefe Viktor Petrov traiu a URSS e sabotou o Kollektiv, fazendo com que todos os robôs se tornassem hostis e assassinassem qualquer humano pelo caminho.

No meio desse caos, cabe a você prender Petrov e garantir que os robôs voltem ao normal, a tempo do lançamento oficial do Kollekiv 2.0. Para isso, P3 conta com a ajuda de CHAR-les, uma luva inteligente e falante que concede habilidades especiais, como “fazer o L”, que funciona como um scanner.

Sobrevivendo no Comunismo Automatizado de Luxo

Atomic Heart é um típico jogo em primeira pessoa, sem muitas diferenças de outros jogos do gênero. Você pode utilizar armas corpo a corpo e a distância, tem um inventário com limite de itens que podem ser carregados e Charles, a luva que permite que P3 utilize diversas habilidades.

Além disso, é possível realizar upgrades nas armas, adicionando mais dano e efeitos especiais. O jogo também conta com um sistema de upgrade de P3 e Charles, liberando novas habilidades e melhoria para a vida, defesa, etc. Esses upgrades podem ser liberados coletando neuropolímero, um espólio comum encontrado em inimigos e pelo mapa.

O jogo não conta com uma grande quantidade de armas. Pode se dizer até que elas são escassas. Afinal, não estamos nos EUA onde você pode comprar um fuzil no mercado junto com uma lata de Pringles.

As armas podem ser adquiridas com NORA, a famosa “Geladeira da MC Pipokinha”, uma máquina inteligente e tarada que troca recursos por itens, munição e novas armas, bem como é o ponto onde iremos realizar os upgrades no personagem.

Para comprar as armas e suas melhorias, é necessário adquirir as “receitas”, que podem ser encontrados em baús pelo mundo do jogo, sendo alguns deles em Campos de Teste, áreas do jogo onde você pode realizar atividades opcionais para liberar alguns dos melhores upgrades do jogo.

Uma preocupação que eu tive de início foi a necessidade de coletar recursos para criar os itens, o que poderia se tornar uma tarefa tediosa. No início isso realmente acontece, mas conforme você adquire recursos e compra os itens, é possível desmontar eles com a NORA e receber TODOS os recursos de volta, ao contrário de outros jogos onde normalmente há uma perda de recursos nesse processo. Desperdício? Não no comunismo, camarada.

Isso permite que você possa testar as armas e ficar com aquelas que se adaptar melhor, bem como desmontar as armas atuais e criar uma nova, que seja melhor. Isso facilita bastante e não exige que você passe tanto tempo em busca de recursos. Lógico que algumas armas e upgrades vão demandar um tempo um pouco maior procurando itens, mas eu tive mais dificuldade em encontrar as receitas do que os recursos em si.

Uma outra preocupação que eu tive ao ver os trailers do jogo foi o seu combate. Ainda mais se tratando de um jogo em primeira pessoa que conta com combate corpo a corpo, havia o risco de ele ser problemático.

O combate funciona bem e não me deu muita dor de cabeça. Ele é bem balanceado na dificuldade normal, apesar de contar com inimigos resistentes e que exigem um pouco de estratégia, principalmente quando eles aparecem em grupos.

Utilizando armas corpo a corpo, é preciso se atentar ao alcance das armas e ao seu peso. Armas mais pesadas tendem a causar mais dano, porém são mais lentas. Elas também contam com habilidades especiais que podem causar dano massivo a um inimigo ou a um grupo, dependendo da habilidade.

É importante destacar que o jogo praticamente te obriga a ter pelo menos uma arma corpo a corpo no seu inventário, já que munições são um pouco escassas e as armas de energia são recarregadas conforme você utiliza ataques corpo a corpo contra os inimigos.

Falando em arma de energia, o jogo conta com a possibilidade de utilizar danos elementais nas armas. Além de energia, é possível utilizar cartuchos equipados para acrescentar dano de fogo ou gelo, por exemplo.

Isso é útil quando você descobre a vulnerabilidade dos inimigos, algo que pode ser descoberto utilizando o scanner de Charles, o famoso “fazer o L” do jogo. Sabendo quais são suas vulnerabilidades, você consegue definir a melhor estratégia.

Fora isso, o jogo conta com armas tradicionais como pistolas, lança mísseis, rifles de assalto, etc. Essas armas dispensam apresentações e mecanicamente funcionam como em outros jogos do gênero.

No geral o combate funcionou bem, exceto em alguns pontos que fiquei preso em cantos do mapa, mas foram poucas ocasiões em que isso ocorreu. Nos locais mais fechados o número de inimigos não é tão grande, mas ainda existe o risco de ser cercado por um grupo. Já no mundo aberto a quantidade de inimigos pode crescer bastante e sinceramente não compensa perder muito tempo nesses combates.

Senti um desbalanceamento em uma arma e uma habilidade em específico, que são a Patê e a habilidade de telecinese. Com algumas melhorias, a Patê pode liberar sua lâmina e virar uma arma de alcance médio/longo sem custo de munição. A telecinese pode se tornar poderosa e destruir boa parte dos inimigos em um único golpe, o que de certa forma dá uma quebrada no jogo.

O mundo aberto do jogo não conta com maneiras muito rápidas de viajar, exceto por alguns carros que você encontra, e se você parar em todos os combates isso vai atrasar bastante o seu progresso. Além disso, o jogo conta com pouca variedade de inimigos, o que pode tornar ele tedioso em combates de larga escala no mundo aberto. Ah, e o jogo não conta com viagem rápida.

Além de exploração é preciso resolver uma quantidade considerável de quebra cabeças, sendo alguns mais simples e outros um pouco mais complexos. No geral são fechaduras com códigos e esquemas de laser que abrem portas ou ativam dispositivos. Isso pode incomodar quem não curte tanto quebra cabeças, mas pra mim foram ok.

O mundo aberto do jogo é desnecessariamente grande. É legal pela ambientação do jogo, mas não é muito convidativo para explorar. E tudo precisa ser feito a pé ou encontrando algum carro pelo caminho. Nesse ponto acho que o jogo poderia ser um pouco mais contido.

Com relação ao combate com os chefes, elas são ok. Senti que não houve uma progressão na dificuldade deles. Um boss que enfrentei mais na metade do jogo me deu mais trabalho que os do final do jogo. E essa luta do meio do jogo inclusive foi provavelmente a pior do jogo inteiro.

Os combates com os chefes não foram exatamente lutas memoráveis, mas funcionaram bem no geral, com exceção da luta que citei anteriormente. Falando como um todo, eu tinha preocupação que seria um jogo com combate problemático e bastante mal polido, mas na verdade ele satisfaz. Não reinventa a roda nem é o mais polido que temos no mercado, mas não estragou a experiência.

Uma típica ficção científica com tempero retrofuturista

A história de Atomic Heart não foge muito do habitual em histórias de ficção científica, sobretudo envolvendo robôs e cientistas ambiciosos e misantropos. Apesar de ser ambientado na Uniâo Soviética, a história do jogo poderia se passar em qualquer país, com algumas leves alterações.

Antes mesmo de ser lançado, houve muita discussão se o jogo seria uma propaganda anti-comunista ou, mais improvável, pró-comunista. Durante o jogo são feitos alguns comentários sociais e políticos bem pontuais, mas no geral ele não se preocupa em tecer grandes críticas.

Achei relevante citar isso porque independente do seu posicionamento político, dificilmente você vai se preocupar em refletir sobre alguma mensagem que ele tente passar, já que ele é mais uma ficção científica do que um jogo político.

O jogo cita alguns eventos reais e personagens históricos da URSS, como Lênin e Stálin, mas não se aprofunda tanto. O foco dele é totalmente para o protagonista, o agente P3, a luva Charles e sua missão de prender Petrov.

P3 sofre de perda de memória recente, lembrando apenas de ser um solado de elite. Ele tem uma personalidade bastante desagradável e arrogante, não sendo exatamente um tropo típico de um herói de guerra ou algo assim. Com o desenrolar do jogo ele se torna um pouco mais amigável com Charles, mas permanece com uma personalidade mais “bruta”.

O protagonista também sofre com algumas alucinações ocasionais, por conta dos diversos traumas e cirurgias que passou, quando quase morreu em uma operação. O jogo utiliza uma representação interessante para essas alucinações, levando P3 para locais surrealistas com fragmentos de memórias de eventos passados, como a Segunda Guerra.

Como uma ficção científica, o jogo conta com uma premissa básica, vai apresentando revelações do enredo e alguns plot twists. Apesar de alguns clichês, a história conta com um desfecho não tão convencional, me lembrando um pouco Metro 2033 nesse aspecto.

Vale citar também que o desfecho do jogo deixa a história totalmente em aberto para uma sequência.

Além do enredo da campanha principal, é possível explorar arquivos de áudio, documentos e terminais de computador com informações que enriquecem a história. Alguns desses documentos citam eventos e personagens reais, outros ficcionais.

Com isso o jogador pode conhecer um pouco mais da organização do país, seus cidadãos, seus sonhos e frustrações, etc. Há um número grande desses arquivos e como o jogo não conta com um sistema de marcação de objetivos típicos de jogos de mundo aberto, você terá mais trabalho em encontrar tudo. Ainda mais considerando a falta da viagem rápida no jogo.

Para quem estava esperando um “Bioshock comunista”, ou até mesmo um Fallout nesse aspecto, ele entrega bem menos. Dessa forma, Ayn Rand segue sendo a única filósofa totalmente refutada por um jogo de videogame.

Piadas (ou não) à parte, a história de Atomic Heart é bem básica. Seus personagens não são exatamente os mais marcantes, sendo a geladeira tarada NORA e as bailarias gêmeas Esquerda e Direita as que chamaram mais atenção, e muito mais por uma questão de humor e de design visual do que de desenvolvimento de personagem.

Apesar disso, o plot twist final é interessante e mesmo não sendo tão surpreendente na sua maior revelação, tem alguns pontos que gostei. Ah, o jogo conta com dois finais e é bem simples de conseguir os dois, apenas uma escolha que você precisa fazer no segmento final dele que irá definir qual final você fará.

Excelência em arte russo-soviética

O ponto mais forte do jogo é definitivamente a sua direção de arte. Atomic Heart conta com alguns dos visuais mais interessantes que já vi recentemente.

Durante os trailers do jogo, sempre rolou aquela desconfiança se ele visualmente seria aquilo tudo mesmo. E bom, ele de fato é.

Não apenas pela qualidade gráfica, mas pela sua estética. Eu particularmente gosto bastante de arquitetura soviética e a Mundfish foi incrível imaginando essa arquitetura em um contexto retrofuturista.

A apresentação inicial do jogo, na Instalação 3826, impressiona logo de cara. Desde os seus prédios imensos e detalhados, com arte para todo lado, até as estátuas de Lênin e Marx espalhadas pelo local e o design dos robôs, que lembram aquelas revistas antigas de como as pessoas do início do século XX imaginavam como seria o século XXI.

Naturalmente o fato de o estúdio estar localizado na Rússia facilita que seja feita essa interpretação, visto que é a própria cultura deles. E o jogo representa bem essa cultura, sendo influenciado pela arte pré-soviética e soviética.

Isso é visível na arquitetura modernista com traços futuristas, também com influência do brutalismo que foi bastante popular até a década de 70. O jogo também conta com monumentos típicos do período soviético que, além de obras de arte, contam parte da história do país e normalmente homenageiam alguma personalidade ou fato histórico.

É possível observar nas pinturas a influência tanto do realismo soviético como com artes mais abstratas. Essa arte também é observada nos cartazes de propaganda comunista, que eram bastante comuns durante o período soviético.

O trabalho de ambientação é excelente, com muita riqueza de detalhes e de influências artísticas que mesclam a cultura dos países que fizeram parte da URSS com a reimaginação futurista do país, pensada pelos desenvolvedores.

Além das pinturas e da arquitetura, a música também é bastante marcante no jogo. E as composições também contam com uma diversidade interessante. Temos por exemplo as clássicas músicas da época, principalmente óperas.

As óperas inclusive são bastante celebradas no jogo, não só nas músicas, mas no design de alguns robôs que são inspirados em bailarinas. As próprias Esquerda e Direita são um excelente exemplo disso.

Também há a presença de uma Rádio do Futuro, um conceito interessante dentro do jogo, em que cientistas soviéticos desenvolveram uma tecnologia que conseguia prever, por meio de algoritmos e cálculos matemáticos, quais músicas seriam ouvidas no futuro.

Isso leva a composições que lembram um pouco algumas músicas que ouvimos hoje em dia, principalmente eletrônicas, mas com um tom de “música antiga”, passando realmente a impressão de uma rádio tentando prever o que ouvimos hoje.

O jogo conta com uma grande diversidade de gêneros e artistas, do clássico ao eletrônico, passando por bandas de metal. Há inclusive a participação de Alex Terrible, vocalista da banda de deathcore Slaughter to Prevail.

Tanto a parte estética quanto a parte sonora do jogo conversam muito bem com a proposta do jogo e isso funciona muito bem na imersão do jogador com a proposta dele. Somente em alguns pontos específicos que achei a música alta demais para o ambiente e me incomodou um pouco, mas nada de muito problemático.

Adeus, Lenin! Ou até logo?

Atomic Heart surge com uma proposta muito interessante de ambientar uma ficção científica na União Soviética, algo de certa forma incomum na indústria de jogos AAA. Uma proposta bastante interessante, trazendo mais diversidade estética para a indústria.

O jogo conta com algumas propostas de game design que não são muito convencionais na indústria hoje em dia, o que talvez possa desagradar alguns. Principalmente a ideia de um mundo aberto sem viagem rápida, que pode frustrar os colecionadores de conquistas.

Levando em consideração que o estúdio Mundfish é praticamente um “estreante”, o resultado final do jogo foi bastante positivo. O jogo tem alguns probleminhas de polimento, mas me surpreendeu positivamente, visto que estamos acostumados com projetos ambiciosos serem verdadeiros desastres no lançamento.

Ele poderia ser um pouco mais contido no mundo aberto e ter um ritmo melhor em alguns pontos. Em jogos de tiro uma certa linearidade não é um problema tão grande e senti que ele se estendeu um pouco além do que precisava na duração.

Mas apesar disso, minha experiência com ele foi bem mais positiva que negativa. Isso em grande parte pela apresentação visual fantástica dele, mesmo que o enredo tenha deixado a desejar um pouco.

Com a história deixando abertura para uma sequência, seria interessante ver um próximo jogo com as devidas melhorias que ele precisa. Certamente pode melhorar em muitos aspectos e se tornar um grande FPS.

Nome do jogo:

Atomic Heart

Publisher:

Focus Entertainment

Desenvolvedora:

Mundfish

Plataformas Disponívies:

PC, Playstation 4, Playstation 5, Xbox One, Xbox Series S|X

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge