Crítica: BAKERU – Lendário de várias formas

Por Matheus Megazao

Nota: 9

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge

Sempre acho interessante observar como a perspectiva pela qual você encara um jogo novo pode mudar a forma que você o experiência. Pegar um jogo que te interessa sem saber nada sobre ele e descobrir que ele realmente te agrada é uma sensação muito positiva, ao passo que jogar algo que tem um pedigree de determinados desenvolvedores ou predecessores espirituais que não corresponde suas expectativas é particularmente doloroso. É uma linha muito tênue a se navegar, e é uma que BAKERU se encontra fazendo as mais variadas acrobacias. Um jogo que se apresenta como um divertido plataforma 3D temático do folclore japonês e carrega um legado de ex-desenvolvedores da Konami que trabalharam na série Goemon e um DNA da Nintendo, esse jogo já nasceu tendo muito a provar – e ao mesmo tempo nem parece que precisa se esforçar.

BAKERU é um jogo de plataforma 3D, com um misto entre combate e exploração. A progressão das fases se dá de forma bem simples – essencialmente destruindo algumas lanternas amaldiçoadas e chegando a seu final – mas você é incentivado a explorá-las em busca de vários colecionáveis, dentre os quais souvenires de cada cidade e trívias variadas recebidas de cocôs amarelos são os principais. Bakeru, o personagem, é um tanuki que pode assumir diferentes formas com diferentes poderes, e precisa viajar o Japão inteiro enquanto tenta impedir um homem que quer invocar um festival maligno eterno no país. É uma premissa tão excêntrica quanto o jogo que nasce dela, e serve bem para estabelecer o Japão multifacetado e folclórico que vai ser explorado – até porque, esse é um dos pontos mais legais do jogo.

Pequeno grande Japão

Ver o folclore de uma determinada cultura sendo transmitido através de mídias como vídeo games é sempre legal, mas não é algo particularmente incomum. Em contrapartida, eu não lembro quando foi a última vez que vi um jogo tão empenhado em demonstrar as regionalidades de um país tanto quanto BAKERU faz. Um dos destaques em seu trailer de anúncio é ressaltar que o jogo passa pelas 47 prefeituras do Japão (que são como divisões administrativas regionais do país). Com isso, o jogo cria a oportunidade de mostrar diferentes aspectos de cada região do país e suas diferentes tradições em pequenos detalhes de cada fase que adicionam muita personalidade a elas. Isso aparece em aspectos mais “óbvios”, como os souvenires e as trívias daquela região, e até em detalhes mais sutis, como a forma que inimigos tomam ou elementos de cenário. Em um país tão grande e variado como o Brasil, é de se imaginar que tentar algo parecido em um jogo que refletisse nossas diferentes regiões não seria tão difícil – mas pensando no Japão, um país de escala tão menor, é impressionante que o jogo consegue dar personalidades bem únicas à maioria dessas regiões.

Inclusive, o design de fases consegue ser impressionante mesmo removido desse elemento cultural. Isso porque o jogo conta com mais de 60 fases e, naturalmente, segue muitos dos “clichês” temáticos do gênero plataforma (fase de floresta, lava, gelo, etc.) ao mesmo tempo que se mantém relativamente fiel à realidade – mas ainda encontra variedade suficiente dentro delas para não enjoar. A quantidade de estilos de gameplay diferentes de muitas dessas fases certamente contribui para isso, mas ainda é impressionante como mesmo com as limitações impostas pela temática que o jogo segue, ele consegue se manter fresco e empolgante até o final.

As várias formas de um tanuki

Um dos temas centrais do jogo, dada a criatura folclórica que o Bakeru é, é a habilidade de mudar de forma. E tendo isso em consideração, o jogo faz um bom trabalho de refletir essa temática direta e indiretamente durante as fases. Ao longo de sua aventura, você vai derrotar alguns chefes que têm estilos de gameplay bem diferentes do seu, e ao final de cada batalha vai obter acesso às suas habilidades. Dentre as 4 disponíveis para transformação, apenas 3 são habilidades de combate, mas elas já são suficientes para mexer com o ritmo e manter as fases fluidas. Na verdade, eu gostaria de ter tido mais obstáculos que me obrigassem a usar essas transformações, já que BAKERU é um jogo tão fácil em geral, que a única razão para usar essas habilidades a maior parte do tempo é puramente mudança de ritmo mesmo. Mas mesmo que as diferentes formas do protagonista não atinjam todo o seu potencial, a mais importante é a que mais entrega: sua forma base. Bakeru usa dois bastões de tambor para combate, sendo que cada um de seus braços está atrelado a um botão. Isso permite que você, ao atacar vários inimigos, possa ir alternando o braço executando o ataque para trocar de alvos ou, em caso de um inimigo maior, possa agredi-lo como se ele fosse um tambor. É particularmente difícil explicar somente por texto como o combate de BAKERU é tão fluido, mas ele simplesmente é, e é incrivelmente satisfatório de jogar.

Além das formas que o gameplay muda durante as fases, ele também frequentemente muda entre as fases. O jogo costuma balancear fases com os objetivos “normais” descritos acima, fases de chefe, e algumas mais pontuais como auto-scrollers ou corridas e voos. As fases auto-scroller são aquelas que a câmera vai se movendo sozinha em uma velocidade e direção fixa e você precisa acompanhá-la – um estilo de fase definitivamente impopular. Eu mesmo não sou o maior fã de auto-scrollers, mas acho que a forma com que BAKERU usa essa mecânica (com fases mais lineares e uma visão isométrica) é competente. Já as fases de corrida/voo são fases em que você embarca em um cachorro vermelho metálico e precisa correr por certas pistas e rios, ou sobrevoar uma área destruindo naves inimigas e desviando de ataques. São fases extremamente bizarras em grande parte, mas que – talvez até pelo tom de comédia que costumam levar – são uma quebra de ritmo muito bem-vinda para as fases mais tradicionais.

Linhagem de peso

Como apontei no início, BAKERU é um jogo com uma origem interessante por si só. Dirigido pelos responsáveis pela série Goemon na Konami e desenvolvido por um estúdio que essencialmente só trabalhou com jogos da Nintendo nos últimos vinte anos, não seria demais esperar grandes coisas dele. E, enquanto ele não é exatamente um novo Goemon per se, eu acho que no resto ele entrega mais do que satisfatoriamente. É inegável que a Good-Feel já trabalhou o suficiente com propriedades da Nintendo para dominar um pouco do que torna os jogos da empresa – especialmente os de plataforma – tão gostosos de controlar, e isso se reflete a todo momento em BAKERU. Esse não é só um jogo bonito e com boas ideias, ele é principalmente um jogo divertidíssimo de se jogar – e nesse gênero, é difícil imaginar um objetivo mais importante que esse.

Mesmo não carregando oficialmente o título de Goemon, eu acho que BAKERU já pode se considerar um sucessor digno de seu legado. Suas fases temáticas divertidas, seus colecionáveis interessantes, seus chefes insanos e – principalmente – a leveza com que esse jogo se carrega do começo ao fim garantem uma experiência cuja única palavra que pairava constantemente em minha mente era “diversão”. Acho que, independente das expectativas que permeiam esse tipo de “sucessor espiritual”, é sempre tranquilizante ver que um jogo tem forças para se carregar sozinho, e essa é uma das várias habilidades que esse tanuki tem ao seu dispor.

Nome do jogo:

BAKERU

Publisher:

Spike Chunsoft

Desenvolvedora:

Good-Feel

Plataformas Disponíveis:

PC, Nintendo Switch