Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge
Imagine que um dia você recebe a notícia que um tio seu faleceu e deixou para você como herança a sua belíssima mansão. Passado o luto inicial, parece uma ótima notícia. Mas esse seu tio deixa pra você um desafio: para herdar a mansão, você deve encontrar o misterioso cômodo número 46 da mansão.
Com essa premissa, o estúdio Dogubomb desafia o jogador a vencer esse labirinto para conseguir encontrar o cômodo secreto e enfim herdar seu novo lar. Porém, existem muitos segredos envolvendo essa família e essa misteriosa mansão que nunca é a mesma do dia anterior.
Ao chegar na antiga casa do seu tio, o protagonista encontra logo no hall de entrada uma carta de boas-vindas deixada por seu tio, junto com algumas instruções. Para herdar a mansão, é necessário encontrar o cômodo 46.
Mas há alguns poréns nisso. Ao observar a planta de casa que você tem em mãos, não só não há cômodos mapeados como também não há espaço aparente para que exista um cômodo 46.
O que podemos observar é, além do hall de entrada, uma antecâmara mapeada no topo da planta. Imagina-se que ela leva para o cômodo secreto que você precisa encontrar. Para chegar até lá, é necessário abrir as portas da mansão e criar o seu caminho.
Isso é feito da seguinte forma: a cada porta aberta, você recebe três modelos de plantas de cômodos e deve criá-los em tempo real. Esses modelos são aleatórios e podem variar bastante. Alguns são mais comuns de aparecerem e outros mais raros.
Além disso, determinados cômodos precisam ser abertos com chaves ou com joias que podem ser obtidas de diversas formas. Cada cômodo possui uma quantidade de novas portas, ou não possuem portas como alguns closets, quartos, banheiros, entre outros. Dessa forma, é preciso contar com a sorte e com certo nível de planejamento para não acabar criando becos sem saída.
Caso isso ocorra, ou caso o protagonista se canse, é necessário retornar no dia seguinte. Ao encerrar o seu dia e recomeçar no próximo, a planta da mansão é resetada e você precisa construir um novo caminho até o seu objetivo.
Pode-se dizer que Blue Prince funciona como um roguelike nesse aspecto. Mas além da aleatoriedade com que os cômodos aparecem para o jogador, você precisa resolver diversos quebra-cabeças, sendo alguns bastante desafiadores. Também existem alguns itens no jogo que irão te ajudar a avançar e a resolver os quebra-cabeças, porém esses itens também aparecem de forma aleatória pela mansão.
Iniciando pelos aspectos positivos, o jogo apresenta quebra-cabeças bem elaborados e que vão se tornando progressivamente mais desafiadores. Duas salas especificamente possuem desafios de lógica e matemática, que inicialmente são fáceis de resolver mas a cada tentativa bem sucedida vão se tornando mais difíceis.
Essa é uma solução bastante criativa e que funciona bem no jogo porque inevitavelmente você irá refazer esses desafios várias vezes. Com sua dificuldade aumentando de forma gradual, eles não se tornam frustrantes em um primeiro momento, pois sua dificuldade escala conforme você consegue resolver os quebra-cabeças.
Além disso, a maioria dos desafios requer o uso de lógica ou observação, não exigindo doses de sorte ou adivinhação. Ou seja, são quebra-cabeças que você consegue resolver por meio do raciocínio. Eu já joguei alguns jogos onde em determinado momento eu só clicava em todo lugar ou tentava adivinhar o resultado, o que não funciona em Blue Prince.
Me surpreendeu bastante a complexidade dos quebra-cabeças e como o jogo também exigiu muito da minha capacidade de observação. Muitas vezes o próprio ambiente dos cômodos irá te oferecer a solução para alguns desafios. Suspeite de tudo.
A própria casa, apesar de ter seus cômodos aleatoriamente distribuídos conforme você avança, trabalha dentro de uma certa lógica. Eventualmente você começa a entender que alguns cômodos aparecem com maior frequência quando atendem certos pré-requisitos, enquanto outros só aparecem em determinados pontos.
Entendendo essa lógica, você tem um controle um pouco maior sobre a sua “sorte”. Também existem algumas estratégias que podem ser adotadas, como por exemplo utilizar cômodos sem saída antes que você esteja em níveis mais altos a ponto de impedir o seu avanço ou até mesmo criar “combos”.
Isso pode ser feito pois os cômodos possuem cores e normalmente conforme você utiliza plantas da mesma cor, elas podem dar alguns bônus ou vantagens. Em outros casos, uma planta pode garantir que a próxima seja um cômodo específico.
Também é possível liberar algumas construções fixas, que oferecem bônus e melhorias para o protagonista, facilitando um pouco a sua exploração. O ponto principal é entender como a mansão funciona. Por mais que ela tenha “vontade própria”, ela segue algumas regras que eventualmente você começa a entender.
E esse é o ponto mais interessante do jogo: ele é mais sobre onde você quer chegar naquele dia e menos sobre ser levado pela casa até onde ela quer. Blue Prince tem uma filosofia de game design que faz com que você esteja o tempo todo tomando decisões e formulando estratégias, mesmo que não se dê conta disso às vezes.
Essas mecânicas foram muito bem elaboradas e são bastante sofisticadas. Como alguém que gosta de jogos de quebra-cabeça e investigação, eu fiquei positivamente surpreso com o nível de desafio do jogo.
Eu tive apenas um momento de frustração com um dos quebra-cabeças que foi com o desafio de matemática, que inicialmente funcionava dentro de uma lógica, mas posteriormente perdeu todo o sentido pra mim.
Mas com exceção desse, os outros desafios exigiram mais o meu raciocínio e capacidade analítica. Esse tipo de quebra-cabeça passa um sentimento de recompensa quando você entende e consegue resolver.
Outro ponto positivo é a sua narrativa misteriosa. Inicialmente nosso objetivo é bastante “simples”, mas conforme avançamos pela mansão iremos nos deparar com cartas, documentos e objetos que revelam mais detalhes do antigo dono da casa, da sua família e de uma complexa trama política que aparentemente ocorreu na região algum tempo atrás.
Quem de fato era o antigo dono da casa? Quem é a famosa escritora que desapareceu e qual foi o motivo? Qual a verdadeira origem da mansão? O jogo progressivamente inclui mistérios que fazem com que você queira explorar mais a propriedade e não apenas encontrar o cômodo secreto.
Com isso você acaba tendo novos objetivos, além de encontrar o cômodo 46. E também dá um sentido maior para você estar ali. Conforme você encontra novas pistas da história, novas perguntas aparecem e consequentemente mais respostas.
Por outro lado, em determinado momento o jogo começou a ficar frustrante porque o fator “sorte” ainda tem um peso significativo no jogo. Por mais que você consiga entender melhor a lógica de onde os cômodos aparecem com mais frequência, a aleatoriedade ainda existe.
Além disso, existem outros fatores que você não controla, como a aparição de itens. E quanto mais você avança na mansão, mais eles são necessários para desbloquear novos caminhos ou resolver quebra-cabeças.
Um momento onde isso foi bastante frustrante foi em um cômodo em que eu sabia exatamente como conseguir uma senha. Mas para conseguir essa senha, eu precisava conseguir criar um outro cômodo e ainda por cima ter em meu inventário um certo item. E assim como os cômodos resetam a cada novo dia, os itens também.
Foram várias e várias tentativas até eu conseguir chegar nessa combinação e finalmente conseguir a senha que eu precisava. Isso se repetiu em outro momento onde eu precisava criar um cômodo que era pré-requisito para um segundo cômodo. Nesse segundo cômodo, eu deveria resolver um desafio que poderia liberar um caminho em um terceiro cômodo.
Mas com um porém bem inconveniente: eu só teria certeza que funcionaria ao chegar no último cômodo. E é claro que eu não acertei na primeira tentativa, o que me exigiu mais diversas tentativas.
Com isso o nível de frustração com o jogo pode ir aumentando gradativamente e até de certa forma prolongar a duração dele artificialmente. Uma solução para isso seria termos mais pontos “fixos” na mansão, ou até mesmo que determinados itens não fossem perdidos ao começar um novo dia.
Eu acredito que nesse tipo de jogo, o raciocínio lógico do jogador deveria ter um peso maior para avançar do que a sorte. Confesso que é frustrante saber como resolver um problema mas depender da sorte e de várias tentativas para encontrar as condições certas para resolver o problema.
E o que é uma pena, porque em geral os desafios do jogo são muito bem elaborados e satisfatórios de resolver. E mesmo que com o tempo você consiga encontrar a lógica de como alguns cômodos aparecem, eles ainda possuem níveis de raridade e em determinados momentos você precisa ter alguns itens para avançar, que aparecem de forma totalmente aleatória.
Alguns itens que podem te ajudar são obtidos por meio de compras com as moedas do jogo. O problema é que as moedas também são recursos escassos, então é complicado dispor de recursos sempre que você precisar.
Enquanto o jogo acerta de forma brilhante nos seus quebra-cabeças, que são desafiadores e sofisticados, ele peca um pouco na aleatoriedade com que os cômodos e itens aparecem no jogo. A boa notícia é que isso pode ser ajustado em atualizações. A não ser que a intenção dos desenvolvedores seja exatamente ter esse nível de aleatoriedade no jogo, é claro.
E essa crítica não é porque eu não goste de jogos com mecânicas roguelike, muito pelo contrário. Eu gosto quando há uma aleatoriedade bem balanceada que serve para desafiar o jogador a se adaptar às adversidades, mas sem chegar ao ponto de ser extremamente frustrante.
Com exceção desses pontos que foram negativos para mim, eu gosto de todo o resto que o jogo faz. Seus quebra-cabeças bem elaborados, sua história com tom de mistério e que eventualmente transforma Blue Prince em também um jogo investigativo, a forma que ele exige do jogador total atenção no ambiente e nos textos que você encontra.
Até por isso mesmo, o jogo não tem muitas distrações como músicas que podem tirar sua atenção ou muitas coisas acontecendo na tela ao mesmo tempo. Sua atenção precisa ser total para a mansão e seus mistérios.
E com isso Blue Prince também fez algo que há muito tempo eu não via em um jogo: me obrigou a fazer anotações. Muitas informações e soluções para quebra-cabeças são encontrados em um ponto do jogo e utilizados em outros cômodos. Além das clássicas anotações em papel, eu lotei uma pasta de capturas de tela para consultar posteriormente. E isso foi obrigatório para que eu conseguisse avançar no jogo.
Não que eu seja alguém que sofra com nostalgia, mas é interessante que em pleno 2025 um jogo te faça executar uma das atividades mais básicas e triviais dos seres humanos: escrever.
Outro ponto a se destacar é a apresentação visual do jogo. Eu gosto da sua arte em cel shading e do design dos cômodos e das construções em geral. Um verdadeiro parque de diversões para arquitetos. Inclusive eu estive conversando com um primo meu que é arquiteto e ele achou incrível a proposta do jogo.
A minha experiência com Blue Prince foi bastante positiva, mesmo com os momentos de frustração. Para fãs de jogos de exploração, investigação e quebra-cabeças, o título traz excelentes desafios.
Mas mesmo com o foco na exploração e nos desafios, o jogo não deixa de também dar importância à sua narrativa e sua construção de mundo, de forma que faz com que o jogador não apenas queira resolver os enigmas, mas também descobrir mais sobre esse mundo, sua história e seus personagens.
Blue Prince já se destaca como um dos jogos mais interessantes do ano. Instigante, desafiador e por que não até mesmo frustrante às vezes, mas ainda sim muito inventivo e divertido. Mas quem sabe frustração também seja uma experiência válida, não é mesmo?
Blue Prince
Raw Fury
Dogubomb
PC