Crítica: Dragon Quest Builders – Um Alicerce Firme

Por Matheus Megazao

Nota: 8

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge

Não é incomum ver spin-offs de jogos famosos que fujam demais de suas propostas iniciais. Historicamente isso pôde ser observado principalmente no mercado de jogos japoneses, onde muitos desses spin-offs não só obtiveram sucesso, como chegaram a gerar ainda subséries próprias. Em geral, o único limite para ideias diferentes dentro de um mesmo universo sempre é o quão bem seu público vai recebê-la – e um fator importante para isso é se há a percepção de que seu jogo só existe por uns trocados rápidos seguindo uma tendência da indústria, ou se ele tem um real propósito artístico por trás.

Admito que quando Dragon Quest Builders foi anunciado, eu achei que os desenvolvedores estavam seguindo essa linha mais cínica, buscando uma parcela do sucesso de Minecraft através de uma combinação estranhíssima de seus sistemas com uma série de RPG tão tradicional. Porém meu preconceito nunca conseguiu vencer minha curiosidade, e depois de tantos anos eu vi na chegada do jogo ao PC a minha oportunidade de finalmente tirar minhas próprias conclusões. E foi através desse processo que eu descobri como minhas primeiras impressões estavam enganadas, e fui lembrado de como é possível seguir tendências com um propósito maior.

Um futuro imperfeito

Dragon Quest Builders começa com uma premissa muito interessante. Você acorda em um mundo tomado pelos monstros e envolto em escuridão – consequências da escolha do final ruim que o protagonista do primeiro Dragon Quest pode fazer. Para quem não está familiarizado com o primeiro jogo, ao enfrentar o último chefe ele te faz uma oferta: você pode desistir da sua missão naquele instante, e terá metade do mundo para comandar. Obviamente essa não é a escolha canônica (e nem correta) a se fazer ali, mas criar todo um jogo que explora o mundo que nasceria dessa escolha é uma proposta muito interessante para quem já o jogou. E nesse mundo você vai visitar, o longo de 4 capítulos, cidades diferentes do primeiro Dragon Quest com o objetivo de reconstruí-las.

Para isso você vai usar seu poder de construção, que foi tomado do resto da humanidade para impedi-los de reerguer a civilização. Por mais que sua motivação para reconstruir as cidades ainda seja um pouco papo de “o escolhido”, o grande charme do jogo está nos personagens que você encontra vivendo naquele mundo desolado, e principalmente na quantidade de referências ao primeiro jogo presentes na exploração das consequências daquela fatídica escolha.

Felizmente o jogo também não vive só de nostalgia, afinal ele tem sua própria narrativa para contar e o faz muito bem – inclusive sendo igualmente receptivo com quem nunca jogou nada da série. A narrativa do jogo se constrói de forma mais íntima, com cada cidade que você reconstrói apresentando seus próprios moradores e suas próprias dificuldades com diferentes aspectos daquele apocalipse.

Os arcos individuais de cada cidade são satisfatórios por si só, e no final eles se juntam para apresentar uma visão mais abrangente daquele mundo que amarra tudo muito bem. Eu diria até que fiquei surpreso com o quão pesados e tristes podem ser alguns dos temas abordados em partes da história, considerando o tom geral dos jogos de Dragon Quest. São histórias que envolvem a percepção de que os humanos sob pressão não são tão diferentes dos monstros; a dificuldade da aceitação da mortalidade e as diferentes formas que lidamos com isso; e toda a ideia de reconstrução depois de uma calamidade. Claro que tudo ainda apresentado no mesmo tom leve e pueril que esses jogos sempre têm, mas se você olhar um pouquinho mais afundo, vai encontrar uma narrativa surpreendentemente honesta e sombria.

Construindo um jogo

O processo de reconstrução do jogo envolve, essencialmente, missões que você ganha dos personagens que vêm para sua cidade. Essas missões progridem a narrativa de cada capítulo e geralmente envolvem buscar um item específico, construir um item específico, ou lutar contra ondas de monstros. Para buscar itens você é incentivado a explorar o mundo, e apesar de ele parecer limitado em tamanho a princípio, eventualmente você ganha portais que te levarão a ilhas próximas com diferentes biomas, inimigos, recursos, e até segredos e objetivos opcionais. Por mais que cada capítulo seja relativamente curto (levando em torno de oito horas), esse ritmo de oferecer portais com cenários e desafios completamente diferentes garante que o jogo nunca fique enjoativo de explorar. A única questão que pode ser um pouco dolorosa a princípio é como você perde todos os seus itens ao trocar de capítulo, começando praticamente do zero toda vez.

De certa forma isso faz um grande sentido narrativo, uma vez que você chega nas cidades com o papel de iniciar o processo de reconstrução e deixar que os moradores a assumam – não é a sua cidade, é a cidade deles. Ainda assim, admito que sentia um pouco de dor de ter que deixar tudo que construí para trás toda vez que avançava um capítulo.

Já a construção das cidades envolve, em grande parte, um outro aspecto impressionante dessa versão específica do jogo: os inúmeros detalhes de qualidade de vida que ele oferece. É impressionante como é fácil e gostoso construir e destruir tudo que o jogo exige de você com opções como acesso fácil a todos os seus itens a qualquer momento, a construção rápida de blocos em sequência, a opção de desfazer um número de ações recentes, e até coisas como você poder usar seu martelo para destruir de uma vez um cubo de 3x3x3 em sua frente. É tudo pensado para que você não precise lutar contra os sistemas de construção, afinal esse é meio que o grande propósito do jogo. Mas nem sempre foi assim, e aparentemente essa jogabilidade refinada só está presente atualmente em duas versões de Builders: a versão para celulares e esse recente lançamento para PC. Então, enquanto eu aplaudo o fato que o tão aguardado port de PC recebeu a melhor versão do jogo, vale ressaltar que essa parte da análise é exclusiva dessa versão.

O elo fraco

E o último grande pilar do jogo, o combate, é onde ele infelizmente não consegue se sustentar direito. O combate é excessivamente simples: você tem uma espada com um combo muito básico e um ataque carregado que bate em área. O problema é que, além disso, sua espada é curta demais e a maioria dos encontros com monstros – principalmente os maiores e mais complexos – exigem que você tome algum dano para causar dano também. O que alivia um pouco é que o jogo é bem fácil, então o combate raramente tem a chance de te frustrar muito – com uma exceção. A cada capítulo o jogo tem como objetivo introduzir (ou enfatizar) uma nova mecânica que vai estar presente mais para frente, e no capítulo 2 são os efeitos de combate. A maioria dos monstros nesse capítulo causa coisas como envenenamento, confusão, paralise, etc.

Imagino que não preciso dizer que, em um sistema de combate que já flertava com a incompetência, adicionar esse tipo de efeito é uma receita primorosa para a frustração. Por sorte você ganha itens para mitigar esses efeitos e, se agilizado, o capítulo pode ser completado mais rapidamente – mas é incontestável que nesse ponto o jogo testa bastante a paciência do jogador.

  

No fim, apesar de fraquejar em um de seus três grandes pilares, eu acho que o resto do jogo mais do que se sustenta sozinho. Considerando que esse é um lançamento oito anos atrasado no PC, nós pelo menos recebemos a incontestável melhor versão de um jogo não só competente, mas surpreendentemente divertido. Se você, assim como eu, deixou Dragon Quest Builders passar quando saiu, acho que ainda há sim muita coisa boa a se extrair dele. Seja suas histórias humanas e sombrias, seu divertido modo de construção ou o aspecto mais RPG de exploração de mundo com seus segredos e objetivos, o primeiro Builders consegue construir muito mais que apenas um alicerce sólido da sua ideia de jogabilidade bizarra.

Nome do jogo:

Dragon Quest Builders

Publisher:

Square Enix

Desenvolvedora:

Studio Artdink (PC)

Plataformas Disponíveis:

PC, Playstation 4, Nintendo Switch, Mobile