Crítica: Front Mission 1st Remake – Um remake fiel, para o bem e para o mal

Escrito por Arthur Tayt-Sohn
Crítica

Lançado originalmente em 1995 para o Super Nintendo (SNES), Front Mission se tornou uma referência de jogos de combate táticos, trazendo alguns novos elementos como o combate com mechas (wanzers) e um roteiro mais maduro para a época.

O Remake foi produzido e distribuído pela Forever Entertainment S. A., apesar da série ser uma propriedade intelectual da Square Enix, que publicou o jogo nos anos 90 quando ainda era apenas Squaresoft.

Tivemos a oportunidade de jogar o Remake e contamos um pouco sobre ele.

A guerra nunca muda

Front Mission é ambientado nas Ilha Huffman, uma ilha que surgiu após atividades sísmicas e vulcânicas no Oceano Pacífico. Inicialmente a Ilha ficou sob controle da ONU mas em 2020 a USN (United States of the New Continent), uma unificação dos países das Américas do Norte e Sul, tomaram controle da região.

O território também foi reinvidicado pela OCU (Oceania Cooperative Union), uma aliança de países do sul e sudeste da Ásia e da Austrália. Isso leva ao primeiro Huffman Conflict em 2070, que dividiu a ilha entre as duas organizações.

O jogo se inicia em 2090. Você joga como Royd Clive, capitão da OCU. Seu batalhão é ordenado a investigar uma fábrica de munições em território da USN. Após uma emboscada, a fábrica é destruída pela USN e a noiva de Royd, tenente Karen Meure, é dada como morta.

Após esse incidente, a OCU culpa o batalhão de Royd e o demite do exército. Esse incidente eventualmente leva à uma guerra declarada entre as duas nações. Royd passa a viver como um piloto de arenas de combate de wanzers, até que é convencido a se juntar aos Canyon Crous, grupo de mercenários liderados pelo coronel Olson que estão ajudando a reverter a guerra à favor da OCU.

O Remake, assim como as versões de Playstation e Nintendo DS do jogo, conta com uma segunda campanha, não presente no jogo original de SNES. Essa segunda campanha é protagonizada por Kevin Greenfield, soldado da USN. Essa campanha oferece um ponto de vista do outro lado do conflito e é recomendável jogar após finalizar a primeira campanha.

Jogando como o jogo original

A Forever Entertainment S. A. optou por uma experiência mais próxima possível do jogo original, o que pode ser visto tanto pelo lado positivo quanto o lado negativo. Eu tive a oportunidade de jogar desde a versão de SNES do jogo, até os primeiros remasters, e me senti muito familiarizado com os seus sistemas, pois nesse ponto o jogo é um remake 1:1.

O jogo conta com um mapa principal, onde selecionamos as cidades e missões que iremos. Dentro das cidades temos alguns menus que apresentam informações dos pilotos, wanzers e contam com alguns serviços como um bar, uma arena e a loja de wanzers. Além disso, o posto militar é onde você irá receber a maioria das missões.

A loja de wanzers é onde você irá comprar as partes dos mechas, suas armas e alguns itens utilizáveis, como os reparadores de danos de peças, minas terrestres, granadas de luz etc. Na arena é possível desafiar outros pilotos em combates 1×1 em troca de dinheiro e também permitindo ganhar experiência e níveis.

Os combates são realizados nos tradicionais mapas em grid de combates táticos. Eles são em formato de diorama e contam com diferentes tipos de terreno que impactam na capacidade de movimento dos wanzers e também na cobertura contra ataques que eles recebem dos inimigos. Apesar dos mapas apresentarem topografia, ela não é tão bem explorada nos mapas, impactando pouco na estratégia de combate.

Cada wanzer conta com quatro partes: corpo, pernas, braço direito e braço esquerdo. Seus ataques podem causar danos a cada uma dessas partes e destruir uma delas tem um impacto diferente no wanzer. Destruir o corpo significa destruir o wanzer inteiro. Destruir as pernas prejudica a movimentação e esquiva do wanzer e destruir os braços impede a utilização das armas equipadas neles.

Os wanzers também contam com armas de curto alcance, multiuso e artilharia de longo alcance. As de curto são armas corpo a corpo, rifles, escopetas, submetralhadoras, etc. Essas armas tem uma precisão maior, sendo que algumas tem dano maior com apenas um projétil enquanto outras tem um dano menor, mas disparam mais projéteis.

As armas multiuso são bazucas e lança granadas. Elas podem ser utilizadas a médio alcance ou curto. Em longo médio elas impedem o alvo de contra-atacar, o que oferece uma vantagem estratégica. Porém elas têm uma precisão menor que as armas de curto alcance.

A artilharia de longo alcance pode causar dano massivo à longa distância, podendo em alguns casos derrubar um inimigo em um único ataque. Para balancear isso, elas possuem munição limitada e uma precisão menor.

Você pode equipar duas armas nas mãos e duas armas nos ombros, que normalmente são as armas de artilharia pesada. É possível combinar tipos diferentes de armas ou armas iguais, o que pode ser melhor dependendo de algumas skills que você adquirir ao longo do jogo.

A franquia Front Mission evoluiu seus sistemas de combate e personalização dos wanzer ao longo dos jogos. O seu primeiro jogo é o que tem as mecânicas mais simplistas e sistemas mais obtusos. A desenvolvedora optou por não modernizar nada, mantendo a experiência bem fiel ao original.

Apesar de isso ser uma boa escolha para os mais puristas ou o que querem uma experiência mais próxima do original, o Front Mission 1 já tinha alguns problemas. O jogo não explica bem como funciona o sistema de personalização dos wanzers e também seu sistema de skills.

Por outro lado, esses sistemas são desbalanceados e facilmente quebrados quando você finalmente consegue entender como eles funcionam. E isso favorece muito algumas escolhas de equipamentos sobre outros.

Por exemplo, o jogo não te explica ao entrar na loja como funcionam as peças dos mechas e seus status. Por ele ser idêntico ao jogo original eu não tive problemas, mas para novos jogadores seria importante ter pelo menos um tutorial explicativo.

Não é explicado o funcionamento do sistema de weight e power (peso e energia), que é a relação do quanto de energia você precisa que seu wanzer possua para poder equipar peças e armas mais pesadas.

Outro sistema que não é explicado é o de skills, sendo provavelmente uma das mecânicas mais confusas do jogo. Por sorte aquele tutorial do Gamespot de 1990 com arte em ASCII ainda servem para te ajudar, já que os sistemas são os mesmos.

O jogo pode ser um pouco frustrante no início por conta da falta de clareza de informações, algo que poderia ser melhorado no Remake sem prejudicar a experiência original. Mas depois que você entende como ele funciona ele pode também frustrar pela facilidade que o jogo tem após você descobrir como quebrar ele.

A verdade é que Front Mission é muito desbalanceado. Você consegue com pouco grind nos combates da arena ficar com dinheiro quase infinito para comprar as melhores peças e ainda melhorar seus personagens. Com pouco mais de 20 minutos eu consegui liberar a skill “Duel” para Royd, que é absurdamente forte.

Ela permite que eu possa escolher qual parte do inimigo eu quero acertar, fazendo com que eu consiga dar one hit KO na maior parte dos inimigos. Outra mecânica também desbalanceada é o sistema de peso, pois ele permite utilizar muitas armas nos wanzers, fazendo com que eu possa equipar boas armas de curto alcance junto com armas de artilharia.

Isso foi sendo resolvido ao longo dos jogos seguintes, que implementou o sistema de Action Points (AP), balanceou os sistemas e obrigou o jogador a especializar melhor cada wanzer, ao invés de permitir que todos fossem armas de destruição em massa móveis.

A IA também não conta com muitas melhorias e os combates funcionam de forma muito parecida. Você vai sempre se ver em situações de desvantagem numérica, sendo que normalmente uma parte dos inimigos só passa a se mover quando você derrota uma quantidade definida de inimigos ou quando se aproxima de algum ponto do mapa.

Sua estratégia será basicamente mover suas unidades para realizar combates com um número menor de inimigos e ir derrotando grupo após grupo. Muitas vezes também você acabará optando por chegar em um ponto estratégico que consiga afunilar o campo de movimento dos inimigos, criando situações de combate 1×1 ou 2×1, além de abusar da artilharia que você provavelmente irá equipar em todos os seus wanzers.

Front Mission é um jogo divertido, porém ele conta com sistemas que já eram desbalanceados em 1995. Por um lado, é interessante porque você vai ter uma experiência 100% fiel ao jogo original, vai conhecer como esses jogos eram feitos naquela época. Para nós que já conhecemos o jogo, será mais do mesmo e o desafio do jogo é nulo.

Um argumento a favor dessa fidelidade é o fato de que os outros jogos da franquia também serão relançados e você irá acompanhar o desenvolvimento da série como um todo. Talvez se o jogo original fosse modernizado e utilizasse sistemas dos jogos mais atuais, o jogador não tivesse uma sensação de evolução na série.

Mas pelo menos uma explicação mais clara para os sistemas poderia ser muito bem-vinda, sobretudo o sistema de skills dos pilotos que é o mais obscuro do jogo.

Um roteiro maduro e atual

Front Mission é um jogo que aborda muitas questões que são até hoje atuais, mas que vem de décadas atrás. Seus principais temas são a guerra, como elas afetam todas as pessoas envolvidas e também como elas podem ser fomentadas por interesses privados.

É de conhecimento geral que o Japão tem uma relação complicada com a Segunda Guerra Mundial. Após o fim do conflito, o país passou por uma longa reconstrução e ao longo das décadas foram surgindo diversas obras que abordavam temas políticos e sobre guerras.

Essas obras tiveram seu auge nas décadas de 1980 e 1990, período em que grandes clássicos foram produzidos como as séries Mobile Suit Gundam (iniciada em 1979), Macross, Legend of Galactic Heroes e os filmes Túmulo dos Vagalumes e Gen Pés Descalços, mas não se limitando a somente esses títulos.

O período do pós-guerra foi marcado sobretudo pela Guerra Fria e pela paranoia de que um novo conflito pudesse ocorrer a qualquer momento, o que de certa forma influenciou diversos artistas a imaginar como seriam os conflitos do futuro.

A mídia dos videogames, ainda em sua “infância”, começa a amadurecer bem nos anos 90 e é natural que ela incorporasse esses elementos e temas. Hideo Kojima, criador de Metal Gear, é bastante citado como um dos grandes entusiastas dessas narrativas, mas Front Mission também aborda temas tão sensíveis e complexos quanto Metal Gear.

Em Front Mission acompanhamos o desenvolvimento de Royd Clive e como a guerra entre a OCU e USN vai impactando seus valores. O recado que o jogo dá é bastante claro: a guerra traz malefícios para todos os envolvidos, mesmo os do lado vencedor.

A franquia vai desenvolvendo esse tema ao longo de seus jogos, explorando como soldados vão sendo afetados por depressão, estresse pós-traumático e como essas pessoas vão sendo moldadas por esses conflitos, por vezes mudando de lado, por vezes deixando um passado de “heroísmo” de lado e se tornando terroristas, etc.

O Remake também oferece a segunda campanha, que mostra o desenvolvimento do conflito pelo lado da USN, o que é interessante por apresentar um novo ponto de vista e fugir do maniqueísmo de “mocinhos contra bandidos”.

Apesar do jogo ter um roteiro um tanto quanto corrido, ele apresenta um nível de maturidade interessante para os padrões da época, mostrando até mesmo crimes de guerra sendo cometidos com certa naturalidade, como a explosão de um hospital.

Front Mission é mais um produto desses criadores “filhos e netos da Segunda Guerra” e eles tratam desses temas recorrentes em outras mídias e que ainda são bastante atuais. A globalização, organização de países em blocos maiores, sentimentos nacionalistas, a relação entre guerras x interesses privados, etc.

Naturalmente muitos desses temas estão mais presentes em subtextos e não são diretamente discutidos, mas você consegue perceber a influência dessas discussões na construção do roteiro e do mundo de Front Mission, apesar de não se aprofundar tanto em questões sociais e econômicas, até por questões de limitações da época de uma mídia ainda em amadurecimento.

Nesse aspecto o jogo agrada pessoas que se interessam por esses temas e que curtem as obras que citei acima, principalmente as produzidas nessa época. Mas para os que não curtem tanto, também é possível aproveitar bastante o jogo sem se preocupar muito com a história.

Ah, é importante também ressaltar que os eventos de cada jogo impactam diretamente nos eventos dos jogos seguintes. Então é interessante jogar e prestar atenção nos detalhes de Front Mission 1 para ter uma experiência mais completa do Front Mission 2 e assim por diante.

Equilibrando uma arte moderna que respeita suas origens

Um dos grandes dilemas dos últimos anos é: como criar Remasters e Remakes de jogos clássicos, com tecnologias modernas, mas respeitando as obras originais? Algumas soluções vem sendo apresentadas, como a utilização do estilo gráfico chamado de HD-2D, que se popularizou bastante com Octopath Traveler.

Front Mission utiliza uma outra direção artística, utilizando dioramas em 3D, uma espécie de maquete virtual, que funciona bem para simular tabuleiros. É um recurso que vimos sendo utilizado no jogo The DioField Chronicles e funciona muito bem em Front Mission.

Por se tratar de um jogo tático, o diorama é uma opção artística que é ao mesmo tempo visualmente agradável e conversa bem com a proposta do jogo. E com isso o jogo também pode alterar os modelos dos wanzers dos clássicos pixel art para um 3D que é perfeito para unidades mecha.

Eu gosto bastante da pixel art dos jogos originais, mas a própria franquia já é em 3D desde o terceiro jogo, do PS1. Front Mission 1 conta com modelos em 3D bem detalhados, mas sem perder muito a essência do jogo original.

E sinto que o HD-2D é funciona melhor com jogos com temáticas de fantasia e que são mais “leves”. Talvez soasse estranho um jogo em um HD-2D mais “bonitinho e fofinho” em um jogo com uma temática mais crível e próxima à nossa realidade, onde cometemos até crimes de guerra.

Achei essa decisão bastante acertada. Por outro lado, senti que as artes dos personagens poderiam ser um pouco mais fiéis aos originais de Yoshitaka Amano. Mas essa opinião é visivelmente enviesada por alguém que é muito fã do Amano, que fique claro.

Um remake fiel, para o bem ou para o mal

Front Mission 1st Remake é uma experiência que segue uma direção muito próxima do jogo original. Apesar das mudanças visuais, mecanicamente o jogo funciona exatamente como o primeiro título da franquia.

Por um lado, isso é bom pois oferece uma experiência 100% fiel para os que preferem dessa forma, sejam os antigos fãs que querem revisitar o jogo mais uma vez ou para novos fãs que irão conhecer agora a franquia e querem ter a experiência de jogar exatamente como ele foi originalmente produzido.

Por outro lado, seus sistemas obtusos podem frustrar alguns jogadores novatos, principalmente nos trechos iniciais do jogo. Apesar disso, não é nada impossível de se aprender e com algum tempo entendendo seus sistemas você irá conseguir até mesmo quebrar o jogo a ponto de ele ficar bem fácil.

De qualquer forma eu recomendo bastante o jogo porque ele é um registro de um período de amadurecimento dos jogos como manifestações de arte e foi feito com muita influência de um período social e político turbulento, o que é interessante para entender também o processo criativo de mídias de arte e entretenimento.

Nome do jogo:

Front Mission 1st Remake

Publisher:

Forever Entertainment S. A.

Desenvolvedora:

Forever Entertainment S. A.

Plataformas Disponívies:

PC, Playstation 4, Playstation 5, Xbox One, Xbox Series S|X, Nintendo Switch

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge