Crítica: Gex Trilogy – um baú de loucas memórias dos anos 90

Por Arthur Tayt-Sohn

Nota: 9

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge

A década de 90 foi um período bastante marcante para a indústria dos videogames. Com o surgimento de novas tecnologias e consoles, bem como com a transição para jogos 3D, houve um boom de experimentação e criatividade.

Dos EUA ao Japão, surgiam jogos cada vez mais diversificados e buscando inspirações em fontes diferentes. É nesse contexto que surge Gex, desenvolvido pela Crystal Dynamics. A rebelde lagartixa apaixonada por programas de TV, que também se tornou mascote do estúdio.

30 anos depois, em uma parceria com a Limited Run Games, os três jogos retornam em uma coletânea. Tivemos a oportunidade de revisitar a Media Dimension e agora você vai poder conhecer, ou revisitar, um pouco desse mundo.

Uma viagem pela TV e cinema dos EUA 

Os três jogos da coletânea contam com basicamente a mesma premissa: o vilão Rez buscando controlar a Media Dimension enquanto Gex precisa impedir que isso aconteça. A Media Dimension é um mundo entre os sets de TV, um hub que permite que você viaje para diversos universos da televisão e do cinema.

Enquanto o primeiro jogo ainda é no clássico formato 2D, a partir do segundo jogo a Crystal Dynamics começou a experimentar com os ambientes tridimensionais. Mas no geral eles funcionam de forma bem parecida.

Gex possui habilidades básicas como pular, atacar com sua cauda, escalar algumas paredes, até porque ele é um lagarto, afinal de contas, e eventualmente utilizar alguns poderes especiais temporários.

Gex Trilogy - Jason

Seu objetivo é coletar controles remotos de TV para liberar novas fases. Os mundos e fases são temáticas, homenageando programas de TV, filmes, desenhos e séries populares nos EUA.

As fases são ambientadas em diversos cenários que foram bastante populares na TV dos EUA, principalmente nos anos 80 e 90. Filmes de terror B, cenários de desenhos animados, filmes de kung-fu, entre outros.

É muito importante que, ao jogar, você esteja consciente que Gex é um produto do seu tempo. A trilogia é bastante fiel aos jogos originais, optando por preservar a experiência o máximo possível, incluindo algumas melhorias apenas.

Destaco isso porque o jogo foi criado com base no conhecimento que os desenvolvedores tinham na época sobre a tecnologia utilizada e também por conta das temáticas do jogo. Há inclusive um aviso logo no início sobre isso, pois parte do conteúdo pode soar ofensivo para algumas pessoas. Porém, os desenvolvedores optaram por não alterar nada. Eu particularmente gosto dessa decisão porque não há como apagar o que foi feito no passado, então é melhor aprender com isso.

Dito isto, a coletânea nos oferece uma experiência muito fiel de como era jogar os jogos de plataforma daquela época. O primeiro jogo, por ser 2D, é o que considero que é o mais “fácil” de ser jogado hoje em dia. Isso porque ele não precisa de recursos de câmera, o que era um problema principalmente nos jogos do Playstation 1, pelo menos até os desenvolvedores entenderem melhor como trabalhar com ela.

Gex Trilogy - Escalando

Mas o primeiro jogo, por exemplo, já impressiona pelo uso da verticalidade, possível graças ao fato de Gex ser um lagarto e poder escalar paredes e tetos. Também gosto da estética dele, que apesar de ser um jogo 2D consegue trabalhar com efeitos mais complexos por conta do hardware dos consoles que ele foi lançado.

Os jogos em 3D já exploram ambientes maiores e mais complexos e possuem uma estética mais “limpa”. Se eu fosse comparar, diria que o primeiro Gex seria mais uma loja Hot Topic raiz ali dos anos 90, enquanto os jogos em 3D as versões mais atuais e “limpinhas” da loja.

As sequências em 3D do jogo receberam melhorias adicionais muito bem-vindas. Além da resolução melhorada, os jogos receberam suporte a controles analógicos, que funcionaram bem. Como hoje os controles analógicos são o padrão da indústria que já estamos acostumados, essa melhoria ajuda bastante.

Gex Trilogy - Gex Coelho

Mas ainda são jogos da era 32 bits, ou seja, alguns problemas de câmera e de precisão dos movimentos ainda estão presentes e não foram alterados. A ideia dos desenvolvedores é realmente que o jogador “jogue Gex como deve ser jogado”, nas palavras deles mesmo.

Pessoalmente eu gosto dessa ideia, pois é uma forma de tornar acessível em plataformas atuais um jogo com a experiência o mais próxima possível do original. E pra ser sincero, acho que a série Gex tem um apelo muito maior com quem já era fã na época do que com novos jogadores, então faz sentido tentar agradar justamente esses fãs.

Até porque Gex é um jogo que talvez seja difícil que jogadores mais novos consigam se relacionar tão bem. Suas referências são tão específicas de uma época e de um país que eu estou até curioso para ver as novas gerações conhecendo.

Os jogos referenciam filmes como Ataque dos Tomates Assassinos, filmes do James Bond (007), desenhos antigos dos Looney Tunes e Hanna-Barbera, filmes de ficção científica dos anos 80 e até músicos da época. Em um momento específico que Gex está em uma fase muito colorida, ele faz uma piada dizendo que se sente dentro das calças do Boy George. Você sabe quem ele é, sem pesquisar no Google?

Isso sem contar nas representações estereotipadas de pessoas orientais, muito característicos da TV e cinema dos EUA da época. Uma das primeiras fases do jogo se chama Mao Tse-Tongue, e apesar da ambientação chinesa estranhamente conta com ninjas japoneses. Ou então o humor bastante questionável da época, que adorava piadas com peidos. Enfim, anos 90 não é?

Eu não vou acabar caindo no erro do anacronismo aqui. Esses jogos são frutos daquela época e não acho que caiba aqui uma crítica tardia a isso. É mais um relato de alguém que viveu aquela época e acompanhou a mudança na forma que representamos culturas na mídia e como nos relacionamos com ela. 

Gex Trilogy - Snowboard

Mesmo com tudo isso, ainda são jogos divertidos. E que eu recomendo pela experiência de jogar jogos desenvolvidos em um período culturalmente muito louco, pra dizer o mínimo. 

Melhorias e conteúdo adicional que acrescentam à experiência

Além da citada melhoria que permite o uso dos controles analógicos, os jogos contam com algumas outras melhorias e conteúdos adicionais interessantes.

Os 3 jogos são ports que rodam emulados. Ou seja, são basicamente emuladores rodando as ROMs do jogo. Eles não receberam o tratamento que normalmente ocorre com versões remasterizadas ou remakes, mas contam com algumas melhorias.

Gex Trilogy - Menu

É possível, por exemplo, ajustar a resolução do jogo para se adaptar às telas atuais, aplicar filtros que simulam as telas CRT da época, salvar o jogo a qualquer momento, utilizando uma espécie de save state e até mesmo “rebobinar” o jogo, ou seja, retornar alguns momentos do jogo, desfazendo suas ações.

Além das melhorias, que são bastante úteis e melhoram a experiência com o jogo, a coletânea traz uma série de conteúdo adicional que sempre acho interessante quando os desenvolvedores incluem.

É possível acessar as capas originais dos jogos, assistir os trailers e as bizarras propagandas do jogo que eram veiculadas na TV, assistir entrevistas com Dana Gould, o dublador do Gex, ler os manuais dos jogos, que explicam como jogar e introduzem a história do jogo, etc. Também foram incluídas novas artes, inclusive uma belíssima feita pelo lendário Yoshitaka Amano e ouvir todas as trilhas sonoras dos jogos, em um player inspirado em uma das skins do saudoso Windows Media Player.

GEX Trilogy - Player de Música

Esse conteúdo, além de agradar os nostálgicos, traz mais informações para quem gosta de conhecer sobre o desenvolvimento dos jogos e também demonstra o carinho dos envolvidos pela franquia. Afinal, Gex foi o mascote da Crystal Dynamics por alguns anos, então é natural que os desenvolvedores ainda tenham uma relação de afeto com ele.

Um registro histórico que vale a pena conhecer

Gex, apesar de não ter sido tão popular quanto outros mascotes de jogos de plataforma, ainda é parte importante da história dos videogames. Em tempos onde videogames cada vez mais são vítimas da lógica da obsolescência programada, ver de volta uma franquia inteira de jogos dos anos 90 é satisfatório.

A série é um registro de um período muito fértil da indústria. Essa fertilidade resultou em todo tipo de ideia, algumas muito boas e outras nem tanto. Gex trouxe para os videogames fortes influências da cultura pop, do cinema e da TV, incluindo personalidades como Dana Gould, sendo uma série de jogos pioneira na convergência desses meios de entretenimento com videogames, algo que se tornou comum na indústria com o tempo.

E esse registro inclui até as questões problemáticas da época, como a forma que algumas culturas e temas eram tratados pela mídia dos EUA na época. Os jogos nos levam também a refletir sobre como muita coisa mudou com relação a isso, apesar de ainda termos muito o que melhorar.

Gex Trilogy é um baú de memórias, um registro da efervescência criativa que ocorria na indústria dos anos 90. Um baú que vale a pena abrir tanto para relembrar quanto para apresentar para as novas gerações como éramos descolados na época. Ou talvez eles continuem nos achando cringe. E está tudo bem. 

Nome do jogo:

GEX Trilogy

Publisher:

Limited Run Games

Desenvolvedora:

Limited Run Games, Crystal Dynamics

Plataformas Disponíveis:

PC

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