Ghostwire: Tokyo – um mundo fascinante que tropeça em sua execução

Por Arthur Tayt-Sohn

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge

Ghostwire:Tokyo chamou atenção quando foi revelado em 2019. Seja pelo estúdio responsável ser a Tango Gameworks, do lendário Shinji Mikami, ou pelo carisma contagiante da diretora criativa Ikumi Nakamura, sendo também a primeira nova franquia do estúdio, depois de The Evil Within. Com tanta expectativa envolvida, Ghostwire:Tokyo se sustenta entre tanto hype e um período de grandes lançamentos?

Não conheci o outro mundo por querer!

Ok, eu sempre quis dizer isso. Mas nesse jogo não controlamos Yusuke Urameshi. O protagonista de Ghostwire é Akito, um jovem japonês comum que vivencia uma experiência de quase morte em um “acidente” no icônico cruzamento da saída da estação de Shibuya, em Tokyo.

Após se levantar do acidente, Akito se vê possuído por KK, um misterioso espírito que procurava desesperadamente por um corpo para que ele mesmo não morresse. Após esse suposto acidente, uma névoa estranha cobre Shibuya, fazendo com que todas as pessoas desapareceram, exceto Akito.

Ao mesmo tempo, um homem misterioso usando uma máscara Hannya fala em um outdoor e seres de outro mundo, conhecidos como Visitantes, invadem Tokyo. Esses Visitantes são originários do Submundo, uma realidade paralela onde vivem yokais, seres de origem sobrenatural como assombrações, demônios, etc.

Após fugir do local e aprender um pouco sobre os poderes que KK concede, Akito deve procurar sua irmã e encontrar uma forma de salvar ambos e tentar entender o que aconteceu em Shibuya e como resolver essa crise. Ou pelo menos fugir dela.

Uma Tokyo fascinante

Começarei o review falando sobre o que mais me chamou atenção positivamente no jogo: a ambientação da cidade de Tokyo. O jogo se passa na região de Shibuya e além do icônico cruzamento, passaremos por pontos como parques, galerias subterrâneas do metrô e seus conhecidos shopping centers e a Torre de Tokyo.

Andar pelas ruas vazias, ou quase vazias, da cidade é quase que uma experiência turística. Desde suas avenidas principais e seus prédios com infinitas luzes de neon até seus becos e vielas que guardam casas de banho, cafés e restaurantes de ramén.

Tokyo é uma cidade que vive em um eterno contraste entre o moderno e o tradicional. Em um momento estamos em um moderno prédio comercial e em outro momento visitando santuários xintoístas.

A própria dinâmica entre Akito e KK reflete esse contraste. Akito não entende bem como algumas pessoas ainda usam telefones públicos, ele mal sabia que ainda existiam, e KK é totalmente leigo em TI e tem muita dificuldade em entender as dinâmicas de redes sociais.

O único problema é a região ter poucos atrativos para explorar e em determinado momento vai até se tornar repetitivo andar pelas ruas da cidade. Mas ainda assim não tira o mérito de ser uma ambientação bem fiel à região.

Existem também detalhes interessantes que se você não reparar, acaba passando batido. Em uma casa que eu entrei, por exemplo, notei uma coleção de mangás e cartuchos de videogame. Isso obviamente chamou minha atenção e pude notas as diversas referências que foram deixadas ali.

Ora, quem nunca jogou Family Fantasy, da Starware Soft em um clássico console Super Fiction? Ou Supertorio Adventure? Metal Braver talvez? São referências bem óbvias, claro. Detalhes que não fazem diferença no gameplay mas são interessantes por mostrar um carinho dos desenvolvedores com os pequenos detalhes e ainda prestar uma homenagem a outros jogos.

Por outro lado, o jogo brilha na ambientação de áreas influenciadas pelo submundo, ou o próprio submundo quando o visitamos.

Em determinados momentos quando as forças sobrenaturais tentam impedir nosso avanço e distorcem a própria realidade, nos vemos em corredores e prédios estranhos, em que paredes se movem e figuras aparecem nas paredes.

Em alguns pontos me lembrou a Casa Antiga do jogo Control, com suas paredes, teto e chão se alternando, virando de cabeça pra baixo. Em outros momentos, uma inspiração no próprio terror psicológico japonês.

O jogo em si tem muito pouco de terror, mas existem esses momentos que causam um certo desconforto e até mesmo uma ansiedade e medo do desconhecido, do que vai aparecer quando virarmos no corredor.

Ver uma pequena casa tradicional japonesa se transformar em um corredor quase infinito e ameaçador foi uma experiência fascinante.

O submundo e suas criaturas

Outro ponto a se destacar são o submundo e suas criaturas. A variedade de inimigos no jogo não é muito grande, mas é consistente com a proposta do jogo.

Os Visitantes são manifestações do inconsciente coletivo japonês. Jogadores de Shin Megami Tensei e Persona talvez estejam familiarizados com esse conceito. Essas manifestações, ao contrário dos conhecidos yokais da cultura pop, são apresentados como figuras mais familiares.

Alguns dos inimigos são colegiais sem cabeça, trabalhadores de escritório em seus ternos e sem rosto, uma criança com capa de chuva amarela e por aí vai. Há até um comentário a respeito dessas manifestações, que não são novas, e que possivelmente em tempos mais antigos se apresentavam com aparência de samurais, gueixas e camponeses.

Essa nova visão a respeito dessas aparições conversa bem com essa ideia do tradicionalismo japonês, suas crenças e mitologia, se adaptando a uma nova realidade da sociedade.

Naturalmente que os yokais mais tradicionais também estão presentes no jogo, como tengus por exemplo. Outras não aparecem, mas são citadas em documentos antigos de KK da época em que ele investigava casos sobrenaturais.

O interessante nesses documentos é encontrar em muitos deles esse conflito entre o tradicional e moderno. Em um dos casos investigados por KK, ele precisou da ajuda de uma pessoa mais nova porque a situação envolvia entender como funciona a internet. E ele faz um comentário pertinente a respeito da obsessão que algumas pessoas possuem por atenção em redes sociais.

Nem todas as criaturas que encontramos no jogo são hostis, porém. Durante nossa exploração por Shibuya, encontramos gatos yokai que trabalham como mercadores, vendendo itens de cura e talismãs e também comprando artefatos que Akito encontra escondidos por aí.

Também encontramos tanukis, os tradicionais guaxinins japoneses, que podem assumir diversas formas físicas para se esconder de humanos. Além de gatos e guaxinins, há uma população canina considerável em Shibuya, incluindo os simpáticos shiba inu. E sim, você pode acariciar os pets.

A Tango Gameworks teve o cuidado de representar de forma fiel e coerente o folclore japonês e o jogo é puro suco cultural nesse ponto. Fãs tanto do aspecto moderno do país quanto de sua cultura tradicional vão apreciar.

Salvando Tokyo

Falando agora sobre um aspecto não menos importante do jogo, sua jogabilidade. Apesar de suas boas ideias o jogo comete alguns tropeços, principalmente no combate.

Ao abrigar o espírito de KK, Akito adquire o poder da tecelagem etérea. Com essa habilidade, ele consegue utilizar diversos feitiços, utilizando os elementos vento, fogo e água. Além disso, adquirimos talismãs, que possuem diversos efeitos especiais, e um arco e flecha.

Shinichirō Hara, que ajudou no desenvolvendo do combate do jogo, trabalhou no jogo Doom de 2016 e teve a missão de utilizar essa experiência para ajudar a criar um jogo mais orientado ao combate. E de fato essa inspiração em Doom é perceptível.

Nosso objetivo no combate de Ghostwire é atacar os Visitantes até que seu núcleo fique exposto. Com isso, podemos utilizar um golpe especial que remove o núcleo do inimigo, o destruindo. Além disso, remover o núcleo faz com que o inimigo deixe cair energia etérea para recuperar nossos pontos de energia, que são a “munição” dos feitiços que usamos.

O jogo conta com inimigos mais fracos, que podem ser facilmente derrotados com o elemento vento, inimigos mais fortes, que exigem golpes mais potentes como o elemento fogo, e em alguns momentos seremos atacados por grupos, onde ataques de água funcionam melhor.

Para isso, podemos alternar rapidamente entre os três poderes usando um botão ou utilizar o menu rotatório que pausa o tempo no jogo e então selecionamos o poder desejado.

Apesar da inspiração em Doom, o combate é muito menos dinâmico e prazeroso, apesar de os efeitos visuais dos feitiços nas mãos de Akito serem fantásticos, principalmente quando removemos os núcleos dos Visitantes.

Inclusive vale citar que mesmo no PC o controle Dual Sense do PS5 possui os recursos dos sensores hápticos, então é possível sentir o peso nos gatilhos ao utilizarmos as habilidades de Akito.

Porém, diferente de Doom, o ritmo do jogo é bem mais lento e horizontal. Naturalmente que a ideia de Ghostwire não é ser um shooter como Doom, mas eu senti que a jogabilidade é lenta se tratando de pessoas com poderes tão especiais. Algumas sequências em CGI do jogo mostram os personagens possuindo mais potencial do que tem no gameplay.

Os locais onde combatemos também, como citei acima, são muito horizontais. Diferente de Doom que faz bom uso de diversos níveis de altura e plataformas, os combates de Ghostwire se passam em sua maior parte em terrenos planos.

Além disso, os movimentos são lentos. O jogo poderia se aproveitar melhor da movimentação e de combates mais encorpados. De repente se tivéssemos mais hordas de inimigos e a possibilidade de utilizar saltos duplos, dashes e locais de combate com níveis variados de altura, eu me sentiria mais no controle de alguém com habilidades tão especiais. E não seria algo tão absurdo dentro do contexto do jogo, visto que durante a exploração é possível planar e tudo.

Akito também conta com árvores de habilidades que podemos gastar pontos adquiridos ao subir de nível ou encontrando documentos das investigações de KK. Sâo três árvores, uma focada em habilidades mais físicas, a segunda nas habilidades da tecelagem etérea e a última com melhorias para os itens, arco e talismãs.

As duas primeiras árvores alteram ligeiramente a forma que jogamos. Por exemplo, podemos melhorar nosso parry para que faça com que os inimigos deixem cair energia ao realizarmos uma defesa perfeita. A mesma melhoria pode ser aplicada no golpe corpo a corpo.

Também podemos melhorar a tecelagem e acrescentar melhorias. Uma delas é para o elemento fogo, onde podemos fazer com que seus ataques atravessem os inimigos e seus escudos, útil contra inimigos que abusam da defesa.

Eu joguei o jogo na dificuldade normal, já que prefiro analisar o jogo na dificuldade que foi definida como padrão para todos os jogadores e por isso senti que essas melhorias tiveram pouca influência no meu modo de jogar. Nas dificuldades mais difíceis, que exigem um maior cuidado e estratégia do jogador, essas melhorias fazem mais diferença, assim como os talismãs.

Mas para a experiência padrão do jogo, você não vai precisar se preocupar em realizar grind para melhorar suas habilidades. O jogo é bem tranquilo e, além disso, as lojas vendem uma infinidade de itens de cura que você pode utilizar para recuperar vida.

Esse problema dos combates também se repete nos chefes. Visualmente falando eles são bem feitos mas o design das lutas deixa a desejar. Mais uma vez nos vemos em arenas totalmente horizontais em que repetimos o padrão de desviar de ataques mais lentos e poderosos, defender os ataques mais fracos e repetir.

Apenas uma luta com um chefe o padrão muda um pouco e exige Akito se esconda, mas seguindo mesmo padrão horizontal, além de ser uma luta muito arrastada.

Conteúdo extra

Ghostwire:Tokyo segue o padrão ubisofterizado da indústria e oferece diversas sidequests e atividades de coleta de colecionáveis. Eu fiz algumas dessas sidequests e algumas são até interessantes e acrescentam um pouco mais de lore sobre o jogo e sobre o folclore japonês.

Para quem gosta de caça ao tesouro, tanto em sidequests quanto em outras atividades podemos coletar diversos itens. Entre eles visuais para Akito, como roupas e acessórios, itens colecionáveis vendidos para os gatos yokai, alguns com informações interessantes sobre os artefatos e história do Japão e a trilha sonora do jogo, que conta com diversos ritmos modernos mesclados com música tradicional japonesa.

Uma das atividades consiste em coletar os espíritos das pessoas que ficaram presos entre o submundo e o mundo real, e que podem ser trocados por XP e dinheiro. Eu recomendo fazer essa atividade após finalizar a campanha do jogo, pois você pega um item que facilita a transmissão desses espíritos e eles são muitos espalhados por Shibuya.

O jogo também conta com um modo foto, algo que acho indispensável nos jogos hoje em dia. Ele é bem simples mas funcional, contra com alguns filtros e a possibilidade de tirar selfies fazendo algumas poses, que você também pode desbloquear ao longo do jogo.

No geral o conteúdo extra é mais voltado para aqueles que gostam de fazer 100% do jogo seja por serem viciados em conteúdo adicional ou simplesmente para garantir conquistas ou troféus, dependendo da plataforma que você jogar.

Um mundo fascinante, mas imperfeito

Posso dizer que Ghostwire:Tokyo vai atender as expectativas daqueles que não puseram muito hype em cima dele. É um jogo com diversas abordagens muito diferentes de The Evil Within e comete algumas falhas, mas não deixa de ser um bom jogo.

Enquanto ele tem suas falhas em seu combate, também apresenta uma representação muito interessante do Japão urbano em contraste com seu tradicionalismo. Também possui uma relação dos personagens com suas famílias e sentimentos de arrependimento, perda e luto, apesar do desenvolvimento corrido desses personagens.

Me chamou atenção de primeira a escolha da máscara hannya para o antagonista do jogo. No folclore japonês, a máscara é utilizada por figuras demoníacas e malignas, mas que também estão passando por sofrimento, representando a complexidade dos sentimentos humanos.

Os personagens, suas motivações e relações são complexos e acho que mereciam um desenvolvimento melhor, mas isso exigiria também que o jogo acompanhasse com melhorias. No estado que ele está em relação à jogabilidade, principalmente combate, ficaria muito maçante e até tedioso.

Mas apesar disso, ele mostrou um potencial para a Tango Gameworks trabalhar com jogos em primeira pessoa e explorando essa temática folclórica japonesa. Certamente é um jogo que acho que merece uma sequência com as devidas melhorias.

Nome do jogo:

Ghostwire: Tokyo

Publisher:

Bethesda Softworks

Desenvolvedora:

Tango Gameworks

Plataformas Disponíveis:

PC, Playstation 5