Crítica: Little Goody Two Shoes

Escrito por Colaborador
Crítica

Texto escrito pelo colaborador Daniel Koshino

Com uma incrível direção de arte, uma trama fantasmagórica e uma trilha sonora de tirar o chapéu, Little Goody Two Shoes é uma obra ambiciosa que une terror e simulação de relacionamentos de forma única. Feito pelos mesmos criadores de Pocket Mirror, a AstralShift mostra que não está querendo apenas nos assustar, como também nos encantar com personagens carismáticos e profundos.

História e arte

Parece que sempre surge por aí alguma obra de conto de fadas com um twist de terror, e Little Goody Two Shoes não tenta fugir disso, mas também consegue ser algo próprio. Apesar do nome, o jogo não segue o conto, mas pega a ideia geral de uma garota órfã que faz boas ações para os outros, então ganha um par de sapatos novos e decide mostrar para todos. Talvez a diferença mais óbvia é que Elise não é bem uma boa samaritana. Ela clama por uma vida de luxo em um castelo, com joias, vestidos caros e empregadas.

Ela consegue uma chance de poder realizar o seu desejo, mas para isso precisa superar uma série de desafios, enquanto precisa tomar cuidado com suspeitas de bruxaria. A vila em que passa maior parte do tempo, Kieferberg, está para fazer um festival, mas uma série de desastres causa pânico e desentendimento entre os aldeões; e claro, há uma relação entre esses acontecimentos e as pequenas aventuras de Elise, o que torna tudo ainda mais complicado.

Mas chega de sofrimento, a Elise merece um raio de luz em sua vida, e o que seria melhor do que alguém para aquecer o seu coração? Existem três opções de interesses românticos: Rozenmarine, uma garota misteriosa que parece delicada e gentil, mas sabe de mais coisas do que aparenta. Freya, que é super forte e gosta de cuidar dos outros. Por fim, Lebkuchen (que escolhi para meu primeiro gameplay), uma freira que se diverte com o humor temperamental da Elise. Ao passar tempo com uma delas através de interações fofas em um estilo visual novel, seu relacionamento fortalece e você descobre mais sobre sua personalidade.

Para combinar com os elementos de romance, o jogo possui uma estética que remete aos animes e mangás Shoujo dos anos 90. Sempre gostei disso das flores em volta dos personagens, por mais que hoje seja visto como cafona, então fico feliz de ver esse jogo abraçar esses resquícios da época. Os olhos exageradamente grandes e queixos pontudos podem não agradar certas pessoas, mas é bem nostálgico para outras. Tem até mesmo um eyecatcher, como se estivesse no meio de um episódio. Um aspecto bem fofo que acaba adicionando à experiência.

Apesar dos sprites serem muito detalhados pro meu gosto, tenho que admitir que o pixel art é fenomenal. Os cenários são ricos em detalhes, mas não ao ponto de ser excessivo e atrapalhar o jogador. A atmosfera do vilarejo lembra bastante as cidades de RPGs, principalmente por causa da música de fundo. De fato, a trilha sonora é muito boa, mas o que se destaca são as músicas cantadas. Algumas de minhas partes favoritas são uns trechos musicais com uma animação adorável, que serve tanto como transição quanto para dar um contexto a mais aos personagens. Por mais que pareça uma adição desnecessária e puramente estética, acho que isso torna a história ainda mais viva.

Vivendo como uma plebeia

Cada dia é dividido em seis segmentos e cada um que passa a Elise perde um pãozinho embaixo de seus pontos de vida, que representa o quanto ela está alimentada. Se o jogador não prestar atenção e deixar perder todos os pãezinhos, ela morre de fome. Eu não costumo jogar jogos de sobrevivência, então é algo meio novo para mim, mas gosto desse sistema. Ele não só combina com os temas da história, como também gera um pouco de tensão. De vez em quando você pode conseguir comida de graça, mas não é o suficiente. É preciso trabalhar para não passar fome (que realismo). As tarefas são em forma de minigame e, quanto melhor sua pontuação, mais dinheiro recebe. Em questão de gameplay, eles são bem básicos, parece até algo que teria no Atari ou NES. Por outro lado, são até que bem feitos, os sprites são bonitinhos e é gratificante quando se sai bem, mas é o tipo de coisa que fazer só uma vez já estaria bom.

  • Chicken Frenzy

Há seis ninhos, você deve colher os ovos movendo para cima e para baixo, e direcionando para o ovo que quer pegar enquanto toma cuidado para não ser atacado pelas galinhas. Eu não gosto muito do controle, mas me sinto bem pegando vários ovos em sequência.

  • Chop! Chop! Chop!

Gustav, pai da Freya, coloca a lenha para você cortar, mas geralmente ele vai colocar algo como uma galinha ou uma bigorna que você deve chutar para longe. Não se preocupe, se estiver prestes a fazer um desastre, a Lebkuchen irá te impedir com uma paulada, então nada de gore (porque ainda não é a hora para isso). Esse é provavelmente o melhorzinho por não ser totalmente chato e nem difícil, até porque é o mais engraçado.

  • It’s Raining Apples!

É só mover para os lados e deixar as maçãs caírem na cesta. A velocidade vai aumentando, mas se pegar uma maçã podre, volta pra velocidade padrão. De vez em quando uma bigorna aparece no topo para você saber que irá cair na sua cabeça, mas é bem fácil de desviar. O problema é que você pode acabar perdendo umas maçãs se ficar muito preocupado com isso. Costumo jogar esse por ser o mais simples.

  • Kiss the Rat

Já esse é de longe o pior, ou pelo menos o mais difícil. Eu não sabia o que esperar com esse nome, mas na verdade é só jogar um rato de pelúcia para outra criança e bater de volta ao devolverem. O rato também terá um contorno azul ou amarelo e você deverá apertar o botão correspondente. O timing para acertar no começo é bem ruim por ser muito lento, mas depois fica tão rápido que começo a cometer vários erros. A dificuldade até que faz esse minigame um pouco divertido, mas como precisa ganhar o máximo de dinheiro possível, não vale muito a pena para mim. Mas afinal, que raios de tarefa é essa?

Se estiver tendo problemas com esses minigames, você pode pedir a ajuda de Rozenmarine, mas com a desvantagem de custar três pontos de alimento. Pelo visto pedir ajuda te deixa três vezes com mais fome. Mesmo se considerar o esforço de uma segunda pessoa, não deveria ser apenas dois? De todo modo, você pode ter um melhor resultado e assim poder comprar mais comida, o que acaba compensando o custo. Não sei se necessariamente vale a pena, porém, a não ser que esteja desesperado. A alternativa é ir dando load no save até melhorar sua performance, só que assim é mais cansativo.

Além da fome e dos pontos de vida, existem outros medidores como o de sanidade, representado por uma barrinha roxa que vai abaixando quando Elise se depara com algo medonho. A única forma de recuperar, até onde eu saiba, é comprando itens específicos de recuperação de sanidade. Ou seja, mais motivo para trabalhar… Também tem o medidor de suspeita, representado por chapeuzinhos de bruxa. Dependendo das escolhas de diálogos, os aldeões irão suspeitar mais e mais da Elise estar envolvida com bruxaria. Para piorar as coisas, uma garotinha bisbilhoteira chamada Muffy vai te chantagear por comida, ou então ela irá contar que te viu fazendo coisas estranhas. Fiquei pensando que podia deixá-la para lá e diminuir as suspeitas dialogando com os aldeões, já que as opções corretas costumam ser óbvias, mas por fins de roleplay, continuei comprando comida para ela.

Esse sistema de rotina me fez temer que o jogo seria extremamente repetitivo, mas felizmente, estava enganado. Claro, Elise deve sempre passar pelo mesmo caminho de sua casa até o vilarejo, fazer as mesmas tarefas cansativas e voltar pelo mesmo caminho que tinha vindo, mas a cada dia algo novo acontece para mover a história, o que também influencia o comportamento dos NPCs, então até conversar com eles pode ser divertido.

A hora das bruxas

A noite é tempo de descanso, eles dizem, mas não é realmente o fim do dia, pois agora é a hora das bruxas! É aqui que o jogo dá suas verdadeiras caras. Nada mais parece fazer sentido, você não sabe se isso é um sonho ou se foi parar em um mundo de pesadelos, mas o que sabemos é que não há outro caminho a não ser ir em frente. Este segmento é mais parecido com outros jogos de terror que envolvem exploração e sobrevivência. Na primeira vez é até que bem simples, você só tem que desviar das velas fantasmagóricas enquanto procura por chaves para abrir uma porta. Naturalmente, o jogo vai dificultando e parece que tudo está tentando te matar.

Os quebra-cabeças em si não são difíceis, mas às vezes fico em dúvida se estou fazendo corretamente. Por exemplo, ao me deparar com umas mariposas, notei que tomava dano ao encostar, então quando vi uma vela por perto, a resposta pareceu óbvia, mas achei que tinha que atraí-las sem tocar nas mariposas. No fim eu tinha que chegar perto sim e guiá-las até a vela. “Tudo bem, agora sei o que deve ser feito”, mas então veio uma parte com mariposas bloqueando o caminho e sem velas em lugar nenhum. Momentos como esse só consegui passar tomando dano, mas felizmente o jogo dá itens de recuperar a vida no meio da fase, então não cheguei a ficar travado.

Uma das coisas que mais odeio em jogos de terror é a perseguição, seja de um monstro ou um homem segurando um machado. Ao invés de assustador, acho isso só irritante e cansativo. O pior é quando o monstro avança no instante que aparece e eu mal tenho tempo de reagir, então morro e aparece uma tela perguntando se quero continuar. Não ache que é o jogo te dando uma colher de chá, pois tudo o que ele faz é recarregar o último save automaticamente. Exatamente, sem checkpoints. Isso em si não é um problema, já que os lugares para salvar são muito bem espalhados, só que não poder pular as conversas é um pouco chato. Dá para acelerar diálogos, mas nem sempre por algum motivo. De fato, ele acelera o jogo todo usando um efeito que parece quando adianta um filme. Às vezes estou segurando o botão de correr e do nada a tela fica toda riscada de cinza, o que me deu mais susto do que os monstros.

Mas o que importa mesmo é a atmosfera. Eu já havia dito que os cenários do jogo são muito bem feitos e isso ainda vale aqui. Quando algo perturbador acontece, gera um contraste com as partes mais elegantes e belas, o que resume bem o que esse jogo é: um enorme contraste de ideias que de alguma forma se encaixam como um quebra-cabeça repugnante, mas que você não quer parar de montar porque há algo que te atrai.

Conclusões

A mistura de romance com terror chama a atenção de quem gosta das duas coisas, mas é difícil recomendar como um jogo de terror por si só. Se a estética não te agradar, provavelmente o jogo não é para você, pois essa é uma de suas maiores forças. A parte de simulação social é interessante, mas não há muita liberdade e o que importa no fim é o enredo, sem falar que precisa jogar muitas vezes se quiser ver os vários finais diferentes. De fato, se você ver a lista de finais no armário do quarto da Elise, perceberá que são dez. Parece que esse Halloween será bem longo…

Nome do jogo:

Little Goody Two Shoes

Publisher:

Square Enix

Desenvolvedora:

AstralShift

Plataformas Disponívies:

PC, Playstation 5, Xbox Series S|X

Nota: 8

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge