Crítica: Mato Anomalies – Menos é mais

Escrito por Leonardo Costa
Crítica

Mato Anomalies é um desafiador RPG de turno, com elementos de visual novel, dungeon crawler e card game, que leva os jogadores a uma jornada por Mato, uma versão neofuturista e fantástica de uma antiga cidade asiática. Desenvolvido pela Arrowiz e publicado pela Prime Matter, o jogo está disponível em todas as plataformas atuais.

Esse jogo me chamou atenção em uma trailer que vi antes de seu lançamento, acabei fisgado por seus elementos de mistério e pelo seu combate. Após uma jornada de mais de 50 horas, vamos cair de cabeça e tentar entender do que realmente se trata Mato Anomalies.

O clássico enredo de JRPG que escalona absurdos

A história de Mato Anomalies acontece em uma cidade fictícia chamada Mato e começa quando Doe, um jovem detetive, e Gram, um shaman misterioso, se encontram. Doe estava investigando uma nova e misteriosa mercadoria que estava em alta no mercado negro, o Handout. Durante o processo de investigação, Doe acaba sendo sugado por uma fenda e indo parar em um mundo completamente estranho e repleto de criaturas perigosas chamadas Bane Tide. Gram, que estava caçando as criaturas na fenda, salva Doe antes que ele seja morto por uma delas.

Já em segurança, ambos percebem que os Bane Tide e o Handout podem estar relacionados e decidem se unir. Doe investiga em Mato os rastros de Handout e passa as localizações de novas fendas para que Gram possa derrotar os Bane Tide naquele local.

A história é contada em 11 capítulos, incluindo o prólogo e o epílogo. Na primeira metade do jogo, a história central do mistério do Handout e Bane Tide é desenvolvida lentamente para dar foco às histórias dos personagens jogáveis que se juntam à equipe. Histórias essas que incluem um pouco do passado de cada personagem e como eles acabaram em uma situação catastrófica envolvendo os Bane Tide.

Apesar dessa parte inicial parecer mais episódica e com um avanço bem gradual do problema central, você consegue notar que os capítulos são bem fechadinhos entre si, tendo um começo, meio e fim bem definidos.

Durante essa primeira parte, o jogo foca na desigualdade e no controle dos grandes grupos ou do governo na cidade de Mato sobre a população de Mato. Eles também descobrem que os Bane Tide afetam pessoas com instabilidade mental ou características negativas muito fortes, como em um personagem que tinha ganância insaciável. Com isso, as criaturas se aproveitam dessas pessoas para criar caos na cidade.

À medida que a história avança, o jogo se concentra cada vez mais no objetivo de quem está por trás de todo o caos criado pelos Bane Tide, entrando em temas como loops temporais e figuras divinas. Embora a escalada seja grande, a história é satisfatoriamente conduzida, embora alguns momentos iniciais sejam esquecidos ou parecam sem muita impacto em relação ao todo.

A história é contada principalmente no formato de uma visual novel, onde o jogador pode avançar o diálogo ou deixá-lo automático e verificar o registro das falas na cena. As artes dos cenários são boas, embora não sejam tão variadas, e o design dos personagens é bonito, criando um conjunto bem prazeroso de acompanhar. No entanto, em alguns momentos, a descrição ou a construção da cena pode ser confusa, deixando certas situações mal explicadas ou desconexas.

Apesar de ser um jogo rico em diálogos, percebi que muitas vezes os personagens diziam coisas desnecessárias para a cena e, em seguida, mudavam repentinamente para o assunto importante, o que tornava o ritmo desconfortável. Acredito que faltou um filtro nas falas para deixar as coisas fluírem melhor, trazendo momentos descontraídos, mas sem impactar negativamente no ritmo da trama.

Além disso, existem cenas bem raras onde a história é contada em uma formato de quadrinho, onde temos um quadrante que ocorre uma cena animada, com gráficos do jogo, que o personagem faz alguma ação e depois para. Essas cenas são dubladas e os personagens apresentam um balão de fala. Embora essas cenas sejam legais, em alguns casos elas criaram sequências estranhas que davam a sensação de que não precisavam ter sido divididas em tantos quadrantes diferentes. E existem cenas de cutscenes normais, que são totalmente animadas e dubladas. Ambos os tipos de cenas funcionam, mas não entendi a razão de terem feito cenas de tantas maneiras diferentes.

A gameplay em Mato

Como já dito, o jogo possui dois protagonistas e com isso temos a gameplay divida em duas partes, na cidade e nas fendas. Na parte da cidade jogamos com Doe e fazemos a parte do vai e vem em NPC ou áreas para vermos as cenas de história e avançarmos. Nessa parte também temos as lojas de itens, equipamentos e armas, é onde iniciamos missões secundárias e onde fica disponível uma mini história para cada personagem, que vai ser importante daqui a pouco.

São coisas bem simples de se fazer, o mapa é divido em áreas e você pode fazer viajem rápida de qualquer lugar. Como essas áreas não são muito grandes você acaba por não andar tanto. Os cenários mais bonitos do jogo se encontram aqui na minha visão, cada área é bem diferente da outra e acho elas bem caracterizadas e construidas. Na cidade não a nada de muito útil em se interagir além de missões e lojas, mas pelo menos as sensações são bem feitas, na área rica você se sente realmente num local mais cuidado e em áreas pacatas você sente um vazio e uma situação mais precária.

Retomando as mini histórias que mencionei a cima, cada personagem da equipe vai tendo alguns dialógos desses a medida que avançamos no jogo e eles mostram os personagens lidando com os acontecimentos recentes ou interagindo e aumentando os laços entre si. São história simples, curtas mas muito bem vindas, apesar de algumas serem meio sem nexo as vezes, a maioria vai adicionar uma boa camada de diversão ou de profundidade aos personagens, mostrando facetas que acabamos por não ver na campanha principal. Acho que valoriza bem cada um e são tão rapidinhas que recomendo a quem jogar não deixar elas passar.

Agora, essas histórias não servem apenas para nos apegarmos aos personagens mas elas liberam funções em um mini game que temos nessa parte do jogo, o Hack Mental. Esse mini game acontece quando Doe precisa extrair informações de personagens que não estão dispostos a contar de bom grado. E como ele funciona? como um card game. Cada personagem tem um baralho, que representa um arquetipo – temos baralhos focados em descarte, em dano, em contra-ataque, em jogadas sequenciais, em defesa, entre outros. São 12 baralhos no total, um para cada personagem e cada um tempo um baralho normal que libera assim que ele entra na equipe e outro baralho avançado que libera a medida que avançamos nos dialógos com cada um.

Nas partidas, ganha quem zerar a barra de vida do oponente primeiro. O seu advérsario conta com demônios que dão algum bonus aleatório para ele, um exemplo: dobra seus marcadores de ataque e defesa a cada dano recebido. Os demônios também tem uma barra de vida mas você não precisa derrotar eles para vencer e caso você os derrote eles não ficam inativos para sempre, cada um tem um número fixo de turnos que fica desarcodado.

Em cada turno seu vai lhe dar uma certa quantidade de dano e/ou levantar uma certa quantidade de defesa. Já do lado do jogador, a cada turno compramos cartas até nossa mãe ter uma quantidade fixa e temos 3 pontos de ação para gastar. Ao final do turno escolhemos entre manter as cartas usadas na mão ou envia-las para a pilha de descarte, as cartas usadas que não tiverem o efeito de destruir também vão parar nessa pilha. Sempre que seu deck esgotar, as cartas na pilha de descarte são embaralhadas e voltam a ser o seu deck de compra.

As partidas em sua marioria são rápidas e eu particularmente gostei bastante desse mini game, teve alguns momentos que foram desafiadores pois os demônios davam bônus bem complicadas ao adversário, mas no geral não é muito díficil. Como os efeitos bônus do oponente são bem variados, isso acaba criando um bom incentivo para você acabar variando os baralhos usados. Além disso, para quem não gostou do mini-game ou esteja achando muito díficil, caso você seja derrotado três vezes, o jogo permite que você pule a partida e avança na missão, seja ela principal ou secundária. Achei isso bom, pois nem todos vão se interessar pelo mini game e ficar com o progresso preso por isso seria frustante.

A gameplay nas fendas

Nas fendas controlamos Gram enquanto exploramos o mapa. As fendas não chegam a ser muito grandes e são lineares, quando tem algum pequeno caminho secundário para buscar itens ou totens de cura, não são caminhos longos ou não chegam a desviar de maneira significativa do caminho principal. Durante ela veremos inimigos parados no mapa e a batalha se inicia ao se aproximar. O design das fendas não são muito complexos, mas ao menos em cada capítulo elas são tematizadas com o trema principal daquela parte do jogo, e eles tentam variar o funcionamento do level design de cada uma. Não é nada de muito incrível, mas no geral acho os cenários bonitos mas o level design de cada capítulo bem parecido mesmo com eles tentando variar.

As batalhas são o grande momento do jogo na minha visão, não temos nada de inovador aqui mas ela é muito bem executada. A batalha ocorre contra um número X de inimigos e podemos ter até quatro personagens durante ela. Cada personagem pode escolher entre duas armas diferentes, que darão diferentes tipos de dano e técnicas próprias da arma, e possuem habilidades que independem da arma escolhida e que são voltadas para funções especificas. Tem personagens que são mais focados em dano direto, outros em debuffar o inimigo, outros em buffar a sua equipe ou a si mesmo e temos os focados em curar.

Essa variedade toda cria boas combinações e é possivel duas pessoas terem a mesma party mas a gameplay ser totalmente difente pela escolha das armas e nos pontos gastos na árvore de talento. Essa árvore permite que aprimoremos os status base dos personagens, melhorar ou aprender novas habilidades. Infelizmente são 42 pontos no total, que in-game não permite que desbloqueamos todos os slots, contudo é possível resetar a árvore a qualquer momento gastando uma quantia pequena de dinheiro, lá no final do jogo não é uma quantia que tenha muita importância pra ser honesto. Cada habilidade e técnica possui um tempo de cooldown até poder ser usado novamente.

Como dito acima, cada arma vai ter um tipo e dano e técnicas especificas. Os danos possíveis são: cortante, perfurante e contudente, com cada um tendo vantagem sobre o outro no comum estilo de pedra-papel-tesoura. Além disso temos condições de status como: dormindo, sangrando, envenenado, confuso, atordoado. Tantos os personagem jogáveis como os inimigos tem uma lista de fraquezas a um tipo de dano e tem um nível de resistência a alguns dos status anormais.

Além das armas, temos uns tipos de chips que podem ser equipados e que melhoram os status da equipe como um todo. O sistema é interessante pois ele disponibiliza um tabuleiro com 9 slots e a posição que encaixamos os chips importas, pois eles tem entradas para alguma das quatro direções e ao fazer ligações de pares, quartetos ou sextetos desbloqueamos bonus de conjunto que melhoram ainda mais os status gerais. Ambos as armas e chips possuem leveis e niveis de raridade, o que te incentiva a farmar por equipamentos melhores cada vez melhores.

Além das fendas de missões principais e secundárias, é possível encarar dungeons que são geradas aleatórias para ir atrás de itens e equipamentos melhores. Essas são separadas por níveis, com as de nível mais alta sendo mais desafiadoras mas dando os melhores equipamentos. Nesse tipo de fenda temos um tipo de barra de energia que é consumida a cada batalha e caso ela fique muito baixa você recebe debuffs, o que deixa as batalhas bem mais dificeis. Esse sistema faz com que você escolha bem quais batalhar enfrentar, afinal não é necessário enfrentar todos os inimigos para chegar na saída. Além dos totens de cura, encontrados nas fendas de missões, nas fendas aleatórias temos um toten que restaura um pouco da sua energia e um toten que te dá a opções de escolher entre 2 buffs permamentes para essa fenda.

O jogo é bem tranquilo no começo, você não sente tanta dificuldade em avançar e não precisa recorrer a itens, mas a medida que o jogo vai avançando, ele vai ficando complicado. Não poder salvar a qualquer momento, como na cidade, ajuda a criar esse nível de dificildade, pois você não tem um backup seguro, mas o principal fator é que a sua equipe compartilha a mesma barra de vida, então o jogo soma o HP individual de cada personagem e forma a barra de vida. Isso vira um ponto de dificuldade pois lá na frente terão quatro ou mais inimigos te enfrentando e se você não impedir eles de atacar, serão vários ataques no mesmo turno em uma única barra.

Durante minha jornada eu precisei parar em cada capítulo para farmar nas fendas aleatórias e melhorar meu nível e meus equipamentos. Isso não tornou o jogo fácil, só me permitiu não depender de usar um item de cura a cada turno. Inclusive mesmo farmando bastante durante os capítulos, eu ainda tive que farmar para o chefe final, e buscar equipamentos de niveis acima dos achados na campanha, pois essa batalha eles fizeram sem pena do jogador. Por sorte você consegue salvar em frente a cada chefe e voltar para Mato a vontade para farmar ou comprar itens.

No geral o jogo não alivia pro seu lado e requer que você busque por equipamentos melhores caso queria sofrer menos, além de requerer bastante estratégia e atenção quanto ao inimigo em que estiver enfrentando. Isso é bom pois cada personagem da sua party fica bem definido em uma função e você sente que todos são essências para sua vitória. Não existe um personagem que seja ruim, tudo vai depender do seu estilo de jogo.

O jogo possui também um sistema de batalha automática, que funciona e ajuda a passar por momentos tediosos de farm, mas que requer cuidado. A IA do jogo não faz a melhor das escolhas com constância, então as vezes você corre o risco real de morrer.  Como o jogo não te permite salvar a qualquer momento dentro das fendas, somente em pontos especificos de save, e nas fenda aleatórias não tem como salvar, pode acontecer de você acabar morrendo no modo automático e ai perder todo o progresso na fenda, inclusíve os itens que você pegou e caso você refaça serão gerados outros itens aleatórios, o que pode gerar um loot melhor ou pior do que a última vez.

No geral a batalha automática ajuda, mas tem que ser usado com atenção para não morrer e perder progresso. O que eu senti falta foi a possibilidade de acelerar a batalha. É possível pular a animação – que são muito bem feitas – de cada golpe mas as vezes que queria poder acelerar o tempo para adiantar o farm mas ainda sim aproveitar as animações.

Pecando pelo excesso

O grande problema presente em Mato Anomalies é o excesso. No enredo eles quiseram se prolongar demais. Apesar deu gostar dos personagens que vão sendo adicionados a trama, nem todos tem uma justificava forte para estar presente na trama principal o tempo todo. E a inclusão de alguns deles a equipe pareceu forçada, pois você vê claramente que não tem muito como eles terem se dado tão bem assim a ponto de se juntar de forma constante a equipe.

No total são seis pessoas na equipe e acredito que se fosse reduzido a quatro apenas, teria condensado melhor a história e permitido desenvolver mais os personagens mais relevantes de fato. Fora que, assim não seria preciso deixar ninguém de fora das batalhas. Com a diminuição do elenco, teriamos menos capitulos e iriamos mais rápido ao desenvolvimento central da trama e criaria um ritmo mais agradável.

Na parte de exploração da cidade, eles muitas vezes fazem um vai e vem que poderia ser evitado ao deixar a cena se desenrolar de forma autómatica. As vezes você vai em um lugar, lê poucas falas e tem que se mover para um outro, repetir o processo e depois voltar para a parte inicial para finalizar a conversa. Dava para deixar ocorrer de forma continua, como eles até fazem em alguns momentos e deixar essa quebra dos diálogos para mudanças maiores de cena.

Nas fendas, por mais que elas não sejam exatamente grandes, tem algumas mais para o final que você vê claramente que existe ali uma gordura para tentar gastar seu tempo. Grandes corredores sem nada ou subidas e descidas sem a verdadeira necessidade. Alguns pequenos puzzles que vão sendo adicionados também não parecem ter uma ligação a trama de forma útil e sim servir apenas como algo que te faça gastar tempo e tentar enganar a sua mente em pensar que as fases tão evoluidas.

O jogo já é grande por si só, tem bastante diálogo, bastante batalha e requer que você para para farmar em vários momentos, então ele não precisa criar uma gordura. Isso só acaba servindo para quebrar o ritmo em muitos momentos ou dar uma sensação de você saber que está perdendo um tempo que poderia ter sido evitado se o jogo tivesse ido direto ao ponto.

Uma experiência muito bem vinda

Mato Anomalies pode ter criado um certo volume desnecessário no decorrer se sua jornada, mas ainda sim não apaga ou invalida as coisas boas que o jogo apresenta. O jogo entende que tem limitações e tenta entregar o melhor que pode com elas. Seja em uma história interessante e com bons personagens ou uma gameplay fechadinha e bem executada.

Se você gosta de uma JRPG com bastante horas de jogo, bastante grind e uma história com um grande escalonamento, você está no lugar certo. Mato Anomalies é uma experiência que vale a pena ser jogada, ainda mais com sua vasta disponibilidade de plataformas. No final só ficou faltando uma localização em português, pois quem tem dificuldade ou não entende nenhum dos idiomas presentes no jogo vai perder muita coisa.

Nome do jogo:

Mato Anomalies

Publisher:

Prime Matter

Desenvolvedora:

Arrowiz

Plataformas Disponívies:

PC, Playstation 4, Playstation 5, Xbox One, Xbox Series S|X, Nintendo Switch

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge