Quando foi revelado esse ano, Mortal Shell chamou atenção pela sua estética e combate, claramente inspirados por Dark Souls e Bloodborne. E isso não é demérito, claro. E também nunca foi negado pelos desenvolvedores.
Produzir um jogo do estilo “soulslike” é sempre um desafio. Existe muita expectativa dos fãs do gênero. Além disso, como sempre, é inevitável as comparações com os criadores do estilo, desenvolvidos pela From Software.
Será que Mortal Shell atende às expectativas? Ou ele será apenas mais um “tipo Dark Souls” do mercado, esquecido após seu hype inicial?
O jogo inicia com seu personagem se levantando das águas, em uma área que mais parece outra dimensão. O protagonista não tem nome, rosto e nem fala. É apenas uma carcaça branca sem nenhum tipo de expressão.
Essa área serve como tutorial. Você irá aprender o básico sobre o jogo, como andar, atacar e também a primeira mecânica diferenciada do jogo: a capacidade de se transformar em pedra e assim negar qualquer dano que venha a receber.
Após esse breve tutorial, você é levado a Fallgrim, um pântano que serve como o centro do mapa. Fallgrim conecta você a todos os locais importantes a serem visitados.
Logo no início do caminho, o jogador encontra a primeira carcaça, os corpos que podem ser possuídas. Uma forma simples e intuitiva de mostrar ao jogador outra das principais, e mais notáveis, mecânicas do jogo.
Chegando ao seu objetivo, a Torre de Fallgrim, você conhece outros dois principais personagens. Irmã Genessa, que faz o papel parecido com da Firekeeper de Dark Souls e o segundo personagem, o Velho Prisioneiro. É ele que vai te presentear com um selo, que habilita outra mecânica do jogo, o parry. Ele também te direciona para sua missão: encontrar as três Glândulas Sagradas em cada um dos locais indicados.
Acima você encontra um vendedor, que irá te fornecer alguns itens básicos em troca de “tar”, a moeda do jogo. Ainda na torre, existe uma bancada para melhorar suas armas e um espaço onde elas ficam armazenadas quando não utilizadas. Aqui o jogo já dá um spoiler de que possui poucas armas disponíveis.
Fallgrim é um pântano que mais parece um labirinto. Não é difícil se perder aqui, no meio de tantas paisagens iguais. A ideia do design desse mapa parece realmente ser a de confundir o jogador.
No mapa existem túneis que ligam uma parte a outra do pântano. E não é difícil você se locomover por eles e descobrir que simplesmente deu a volta no cenário e não chegou ao seu objetivo.
Meu maior problema com a ambientação do jogo foi encontrar lugares que levaram a lugar nenhum. Nenhum item, curiosidade ou simplesmente um pedaço da lore do jogo. São becos sem saída que simplesmente estão ali sem razão alguma.
Isso se repete nos outros mapas: Enshrined Sanctum, Temple Grounds e Eternal Narthex. Cada mapa possui uma temática diferente, sendo um de gelo, um de fogo e o último, e mais interessante, uma área imensa feita de pedras obsidianas, com aparência meio alienígena.
Devo destacar que Eternal Narthex me impressionou pela criatividade, apesar de ser um mapa que também tem seus problemas. Eles no geral não têm muitos atrativos para explorar. É bem comum entrar em algum canto esperando encontrar algum item ou descobrir mais do mundo do jogo e não achar nada.
Isso não seria tão problemático se o mapa Eternal Narthex não fosse desnecessariamente enorme. Sim, ele é bem bonito e tem ideias bem criativas, mas as vezes dá a impressão que ele foi feito de forma procedural, com lugares levando à nada de interessante, como se tivessem sido jogados ali sem planejamento.
Durante as apresentações do jogo, o que chamou bastante atenção foi o combate. Com clara inspiração em Dark Souls, Mortal Shell apresenta um combate brutal e impiedoso. Isso ocorre principalmente pela escassez de cura no jogo.
Existem duas maneiras de recuperar vida em Mortal Shell: usando itens que restauram uma quantia insignificante de vida ou executando um riposte poderoso, que é basicamente um parry quando sua barra de determinação tem uma quantia adequada.
Isso de certa forma deixa o jogo mais punitivo quando o jogador comete erros. Alguns podem gostar, outros podem achar injusto demais. Não é necessariamente um defeito, mas uma escolha que pode agradar ou não.
Por falar nos itens, uma mecânica que achei interessante foi o sistema de familiaridade. Conforme você utiliza um item, o efeito dele em seu personagem sofre algumas alterações. Desde ser mais efetivo até mesmo passar de um item que causa dano por veneno para um item que cura e previne veneno.
Particularmente não achei o jogo tão difícil assim. Apesar de poucas formas de se curar, o jogo conta com um parry que tem um timing generoso pra acertar os golpes dos inimigos. A habilidade de se transformar em pedra, que tem um cooldown baixíssimo, arenas de chefes que permitem muito espaço para posicionamento e recuperar stamina e ainda a possibilidade de retornar à sua carcaça quando você morre a primeira vez.
Vale lembrar também que quando morre, sua carcaça permanece no mesmo lugar e recuperando ela, o jogador é curado. Ou seja, o jogo deixa muitas oportunidades para sobreviver aos combates.
Por falar nas carcaças, existem poucas no jogo, apenas quatro. A diferença entre elas é basicamente uma árvore de habilidades e quantidade disponível de stamina, vida e determinação. Mas o dano e a defesa é o mesmo para todas.
O que pode soar estranho, visto que o acólito Tiel,uma das carcaças, que usa apenas trapos, leva o mesmo dano que o Eredrim, uma carcaça com armadura pesada. Isso se aplica também ao ataque. O dano com as armas é o mesmo, ou seja, se você conseguir dominar as mecânicas de stamina, o acólito Tiel simplesmente quebra o jogo, visto que sua energia é imensa.
São apenas quatro armas. Também observei um problema de balanceamento nelas. A primeira espada, Hallowed Sword, tem um tamanho relativamente grande, mas com muita velocidade e alcance. A Martyr’s Sword é ainda maior e não perde muito em velocidade, apesar de possuir dano consideravelmente maior que a primeira.
Essas armas podem parecer lentas no início, mas com o tempo fica claro que os inimigos são ainda mais devagar que elas, ou então eles simplesmente demoram muito pra atacar. Sendo assim, temos muita abertura pra iniciar combos independente da velocidade.
Todos esses itens ofensivos, que também incluem a Smoldering Mace e a Hammer and Chinsel, permitem upgrades de dano e habilidades. Cada arma possui duas especialidades diferentes, que vão desde dano maciço contra um inimigo até a possibilidade de controle de grupo. Como essas especialidades exigem o uso da barra de determinação -preenchida conforme você ataca inimigos- impedindo que o jogador fique “spammando” habilidades, o que é um bom ponto.
Entretanto, mesmo que as batalhas sejam intimidadoras no início, com algum tempo de prática, e entendendo o funcionamento da IA dos inimigos e o timing para atacar e fazer o parry, a dificuldade do jogo cai drasticamente.
As carcaças também servem como personagens do jogo. Contudo, Mortal Shell acaba tentando ser tão vago e misterioso em sua narrativa, que a história dos personagens fica rasa. Pra os conhecer melhor, você precisa investir um bom tempo coletando tar e vislumbres pra liberar suas habilidades e um pedaço da história deles.
Para ter um adicional a mais na lore do jogo, dependendo de qual carcaça você estiver usando no momento: Harros, Solomon, Tiel ou Eredrim, alguns NPCs terão diálogos diferentes com você. É o mais próximo que chegamos de entender um pouco mais a relação dos personagens.
Não é explicado muito sobre o que está acontecendo no mundo e diferente de Dark Souls, não existem muitos personagens para falar da história. Até porque Mortal Shell é muito mais curto que o jogo da From Software.
Os bosses também não tem exatamente uma história por trás, então não dá pra saber exatamente a motivação deles. Eles aparecem, vocês lutam e só. De fato acaba não existindo muito desenvolvimento de história em Mortal Shell, exceto pelos diálogos com o Velho Prisioneiro, que é basicamente o único que parece ter alguma motivação no jogo.
O design dos personagens é muito bom. As carcaças são bem criativas, com meu destaque para Eredrim, que ostenta uma bela armadura. Os NPCs e chefes também tem um bom design, com algumas características que remetem à uma beleza sacrossanta, como Irmã Genessa, até ao grotesco, como o chefe Crucix.
A desenvolvedora, Cold Symmetry soube usar da criatividade para criar as carcaças. Alguns outros personagens também possuem um design bem interessante. Grisha, por exemplo, lembra um pouco os inimigos bizarros de Doom. Os inimigos da área de Eternal Narthex são de longe os mais elaborados, desde brutamontes com martelos enormes em detalhes dourados até assassinas com roupas coladas.
Aliás, vale ressaltar que parece que a maior parte do orçamento e criatividade da desenvolvedora foram investidos em Eternal Narthex, visto que é o mapa que mais se destaca em tudo.
Apesar de ter seus problemas, Mortal Shell é um bom jogo. Vamos levar em conta que é uma pequena equipe que começou a trabalhar junta em 2017. Para tão pouco tempo de atuação, Mortal Shell foi um grande feito.
O jogo tem um combate relativamente bem polido, gráficos bem feitos e uma dificuldade satisfatória. Não chega a ser frustrante mas também não é um hack n’ slash. Eu poderia dizer que o jogo mostra a capacidade criativa do estúdio caso tivesse mais tempo, trabalhadores e um bom orçamento.
Por outro lado,mesmo se mostrando capaz, Mortal Shell não se sobressaiu em nada. Para fins de comparação, Hellblade: Senua’s Sacrifice, é um jogo relativamente curto, com uma equipe limitada e que optou por se sobressair usando uma narrativa cativante e abordando uma temática pouco explorada ainda: distúrbios mentais. E o jogo fez isso muito bem.
Mortal Shell também tem um tempo de duração satisfatório. Muitos podem achar curto, mas o jogo acabaria se tornando maçante caso alongasse mais ainda o gameplay. Ele custa R$ 89,90 na Epic Store, que pode ser considerado um valor um pouco alto pelo tempo de jogo, dependendo da sua disponibilidade de dinheiro para investir.
Por fim, é um bom jogo. Não chega a ser excepcional em nada, mas seria injusto dizer que não merece seu investimento. Mortal Shell provavelmente vai te dar um pouco de raiva nas mortes durante o tempo que você estiver jogando, mas no fim, vai ser divertido.