Crítica: No Place for Bravery é épico e visceral

Escrito por Arthur Tayt-Sohn
Crítica

Desenvolvido pelo estúdio brasileiro Glitch Factory, No Place for Bravery é um jogo de ação em pixel art, inspirado em jogos de ação com foco em combate, como os jogos da From Software, mas que também cita diversos clássicos de literatura e quadrinhos em sua estética e narrativa.

Tive a oportunidade de jogar antecipadamente e conto minhas impressões sobre essa aventura.

Bem-vindo a Dewr

Os desenvolvedores de No Place for Bravery já entregam parte de sua inspiração logo no início do prólogo, com uma citação inspirada no clássico Ilíada, de Homero, sobre as aventuras de Aquiles. Daí em diante, conheceremos a trajetória épica de Thorn.

Dewr é um mundo que tenta sobreviver ao seu fatídico destino, o final de toda a existência. Quando o gigante Colosso tenta colocar um fim ao mundo, os Guardiões conseguem impedir e após uma sangrenta batalha, selam o gigante.

Thorn, um guerreiro aposentado, vive quase tranquilamente em sua taverna, junto com sua esposa Rosa e seu filho adotivo Phid, que ele encontrou algum tempo depois de sua filha biológica Leaf ter sido sequestrada por um misterioso mago.

Após um dos inúmeros pesadelos onde Thorn revive o sequestro, ele encontra um velho amigo e pistas sobre como encontrar sua filha. A partir desse encontro ele terá a chance de mais uma vez sair em busca de Leaf e reunir novamente toda sua família.

Sobrevivendo nesse mundo violento e moribundo

Para sobreviver em Dewr, ou o que restou desse mundo, sua espada será sua melhor companhia. Para isso, o jogo oferece mecânicas típicas de jogos de ação.

Além de sua espada e escudo, você posteriormente irá adquirir algumas novas armas. Durante o prólogo por exemplo, encontramos um martelo que apesar de ser mais lento, possui uma capacidade destrutiva mais alta.

Você contará também com habilidades que podem ser acionadas com os botões superiores e que exigem um tempo de recarga após seu uso. Durante o decorrer do jogo, você também poderá desbloquear habilidades passivas que melhoram sua capacidade em combate.

Por se inspirar em jogos soulslike, No Place for Bravery conta com mecânicas semelhantes a esses jogos. Thorn possui uma barra de stamina que precisa ser gerenciada, exigindo que o combate seja mais cadenciado enquanto você administra essa barra.

Também é possível utilizar o já tradicional parry, presente em inúmeros jogos desse estilo. Utilizando o botão de defesa no tempo certo, você irá anular o ataque inimigo e deixar boa parte deles vulneráveis à ataques.

Além disso, existe uma variedade de itens que podem ser utilizados nos atalhos. Poções de cura de vida, cura de stamina, itens utilizáveis para causar dano como facas e explosivos, entre outros.

O combate não é tão variado como em jogos soulslike clássicos, mas atende às necessidades do jogo. É importante saber quais ataques utilizar, inimigos priorizar, qual o melhor momento para se defender e gerenciar seus recursos. Mesmo na dificuldade normal, é preciso saber utilizar as mecânicas na hora certa. Na dificuldade mais difícil isso se torna ainda mais vital.

No modo padrão do jogo, a dificuldade é bem balanceada. Jogando a versão completa do jogo, achei ele mais fácil do que a demo que foi liberada um tempo atrás. Lembro que precisei de algumas tentativas pra conseguir derrotar o boss do prólogo, que era até onde a demo permitia jogar.

O combate é bem polido e eu não tive problemas com ele. Eu só achei que não houve tanto incentivo para utilizar as outras armas além da espada. Mesmo tendo liberado todas elas, utilizei a espada na maior parte do tempo, somente trocando em alguns momentos bem específicos.

Já os itens consumíveis eu usei com mais frequência e foram bem úteis, principalmente os ofensivos como facas e explosivos, além dos itens de cura que eu utilizei o tempo inteiro.

De forma resumida, o combate funciona. Ele não traz nenhuma novidade no gênero, o que não é um problema, visto que talvez não haja muito o que inventar nesse tipo de jogo. É um combate bem feito e que você vai conseguir jogar tranquilamente.

Um ponto a se destacar é que o combate conversa com a narrativa. Quando um inimigo fica com a guarda quebrada, é possível usar um golpe finalizador violento, com a câmera mostrando de forma mais detalhada. Por ser um jogo com uma narrativa bastante focada em violência, esses finalizadores acrescentam nessa narrativa, que iremos discutir a seguir.

Uma história épica e pessoal

O ponto mais forte do jogo, pra mim, é sua história. No Place for Bravery traz em seu enredo inspirações em clássicos de literatura, como Dom Quixote, e nas histórias pessoais de seus desenvolvedores.

Um dos temas centrais do jogo é a paternidade. Túlio Mendes, diretor criativo do jogo, cita sua própria experiência como filho de mãe solo como um dos alicerces da narrativa do jogo, como ele mesmo conta nessa entrevista.

Thorn é um pai em busca de redenção pelo sequestro de sua filha e o próprio nome do personagem entrega um pouco do seu estado de espírito. Além de significar “espinho”, que fere assim como um guerreiro com uma espada pode ferir alguém, também pode ser traduzido como “despedaçado” ou “aflito”, como ele mesmo fica ao perder a filha.

Apesar disso, ele se mostra muito dedicado a cuidar de Phid, seu filho adotivo. Ele possui dificuldades de caminhar por ter as pernas fracas e acompanha sempre Thorn em suas costas, como um sempre presente companheiro.

Durante a jornada, encontraremos diversos outros personagens com histórias para contar, assim como documentos. Os itens que encontramos também contam com um pequeno trecho da história. O glossário do jogo pode ser acessado a qualquer momento para que possamos ler todo o conteúdo.

A Glitch Factory teve o cuidado de criar uma mitologia sobre o mundo de Dewr, seus costumes e registros históricos. Apesar do jogo não contar diretamente tudo que aconteceu até o momento em que jogamos, há uma variedade de textos que contam alguns dos acontecimentos e contextualizam melhor alguns personagens e situações que ocorrem durante o jogo.

Outro ponto interessante da narrativa são os diversos finais que o jogo possui, mas em momentos diferentes de acordo com suas escolhas. Além das escolhas que você faz durante o jogo terem impactos morais, elas podem encerrar o jogo.

Mas não se preocupe, você não vai precisar se preocupar em rejogar nada, já que o jogo salva automaticamente um pouco antes desses momentos. É só dar load e continuar o jogo selecionando outra alternativa. Mas é um recurso muito interessante porque dá um maior senso de impacto nas suas escolhas. E também para aqueles que tiverem a curiosidade de saber o que poderia acontecer caso suas escolhas fossem diferentes.

O desenvolvimento da história tem um ótimo ritmo e é bastante interessante. Além de seguirmos a história de Thorn, a narrativa conversa com o próprio jogador, apresentando questionamentos sobre paternidade e nossa relação com a violência.

No Place for Bravery usa alguns recursos narrativos que já foram utilizados em alguns jogos. Eu senti uma grande semelhança com o que foi feito em Spec Ops: The Line, um jogo de tiro que tem uma das melhores narrativas que já vi. Inclusive, fica a indicação desse jogo que considero obrigatório.

Por coincidência, os desenvolvedores realmente citam Spec Ops como uma inspiração de fato e faz todo o sentido quando joguei No Place for Bravery, principalmente no desfecho. O jogo entrega uma importante mensagem e reflexão nos momentos finais.

É um enredo maduro e bem desenvolvido e, como citei anteriormente quando falei sobre o combate, dá uma justificativa narrativa para a violência do jogo, utilizando-a como um elemento fundamental da mensagem que o jogo quer passar.

Durante o tempo que acompanhei o desenvolvimento do jogo, o enredo foi o que me deixou com mais expectativa. Enquanto nos trailers e demos conseguimos ter uma boa noção do combate, do estilo artístico e da trilha sonora, a história ainda era um mistério. E confesso que fiquei positivamente surpreso com a qualidade da narrativa e dos argumentos.

O jogo sabe quais perguntas responder, quais não responder e também enriquece com conteúdos adicionais para os mais curiosos sobre o mundo de Dewr. Apesar de algumas pontas que achei que ficaram soltas, a experiência no geral foi muito satisfatória, já que o jogo consegue entregar os pontos principais do enredo.

A beleza de um mundo quase morto

A Glitch Factory foi atrás de muitas inspirações na construção artística do jogo, seja em seus visuais como em suas trilhas sonoras, sobretudo na cultura nórdica, como é bastante visível logo de cara.

Utilizando de uma pixel art muito bonita, o jogo apresenta florestas, grandes salões construídos por anões, esculturas bem detalhadas e paisagens com aparência quase alienígenas, com esqueletos gigantes.

Túlio Mendes cita como inspirações artísticas os quadrinhos de Moebius, no uso das cores; Jake Wyatt para os personagens; e Andrew MacLean na estética em geral.

A pixel art também conta com diversos efeitos visuais que dão mais uma camada de detalhe e capricho. Eu percebi por exemplo que uma das habilidades de Thorn cria uma raja de vento que movimenta arbustos próximos, mesmo que eles estejam a uma certa distância de serem atingidos.

Os desenvolvedores também optaram por cores vibrantes, principalmente quando utilizam a cor vermelha, que pela tonalidade acaba acrescentando mais “violência” na estética do jogo. O sangue é a cor predominante do jogo.

A trilha sonora é muito bem produzida e conta com elementos tradicionais da cultura nórdica. Inclusive agradeço ao meu amigo João Paulo que é um grande admirador de cultura nórdica e me ajudou bastante a destrinchar as inspirações da trilha sonora do jogo.

As músicas utilizam vocais tradicionais, em alguns casos com técnicas de canto difônico, bem como instrumentos característicos da região nórdica: percussões, flauta, lira, harpa, etc. As músicas lembraram bastante as músicas do grupo Wardruna, que se inspira nessas mesmas músicas tradicionais em suas canções.

Tanto o design artístico quanto a trilha sonora contribuem com a ambientação do jogo, dando mais credibilidade ao enredo do jogo, pois auxiliam a nos situar nesse mundo inspirado nessa cultura.

Um épico visceral

No Place for Bravery foi uma agradável experiência, principalmente se tratando de um jogo que eu vinha aguardando já há algum tempo. Ver o resultado final desse projeto foi bastante satisfatório.

A forma como ele se inspira em Spec Ops: The Line em sua narrativa foi uma maneira bastante inteligente de trazer um diferencial na sua história, algo que não tinha visto ainda em jogos brasileiros. E também o fato de se inspirar em experiências pessoais dos desenvolvedores enriquece o jogo e mostra mais uma vez o potencial da mídia videogames de passar mensagens e experiências.

Junto a isso, o capricho na arte e na trilha sonora, inspirada em uma rica bagagem cultural, seja das canções tradicionais nórdicas até os quadrinhos da cultura pop, faz com ele seja um dos jogos nacionais mais interessantes que eu joguei.

Nome do jogo:

No Place for Bravery

Publisher:

Ysbryd Games

Desenvolvedora:

Glitch Factory

Plataformas Disponívies:

PC, Nintendo Switch

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge