Crítica: O Escudeiro Valente – um jogo sobre imaginário e inspiração

Por Arthur Tayt-Sohn

Nota: 10

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge

Era uma vez…

Talvez você já tenha ouvido falar essas palavras algumas vezes, seja durante a leitura de livros infantis ou em suas adaptações para filmes animados. De uma forma ou de outra, as historinhas infantis fazem parte da vida de muitas crianças.

Mas você já pensou se os personagens pudessem ter consciência própria? Se soubessem que são personagens e, indo mais além, pudessem sair de suas histórias e interagir com o nosso mundo?

Os desenvolvedores da All Possible Futures pensaram nessa possibilidade e nos trouxeram The Plucky Squire, localizado para nós brasileiros como O Escudeiro Valente. Tivemos a oportunidade de jogar antecipadamente para contar como foi a experiência de se aventurar pelo reino de Mana e pelo quarto de um garoto muito criativo.

Bem-vindo ao Reino de Mana

Como muitos dos bons e velhos livros infantis de fantasia, O Escudeiro Valente se passa em um reino mágico. Em Mana, governado pela rainha Croma, há o eterno embate entre o herói Pontinho, um valente escudeiro, e o mago Enfezaldo.

O Escudeiro Valente - Pontinho no mapa do reino de Mana

De alguma forma, Enfezaldo descobre que é o vilão de um livro, destinado a sempre ser derrotado por Pontinho. Ele então bola o seu plano mais maligno: expulsar Pontinho de seu próprio livro e alterar os rumos da história a seu bel prazer.

A partir daí, nos aventuramos por Mana, dentro do livro onde Pontinho vive suas aventuras, e o quarto de Sam, uma criança criativa e que tem O Escudeiro Valente como sua maior inspiração.

Um escudeiro não só valente, mas versátil

Certamente o que mais chamou atenção durante as apresentações do jogo foi a variação tanto de perspectiva, entre 2D e 3D, quanto de gameplay. O Escudeiro Valente é em seu gameplay um jogo bastante inventivo.

Mecanicamente falando ele é bastante simples, contando com movimentos básicos como ataques normais, rolamento, pulo e alguns ataques especiais que você pode desbloquear em uma lojinha. Os desenvolvedores deixaram claro que a ideia do jogo é ser acessível e descomplicado.

O Escudeiro Valente - Pontinho lutando contra touros

O seu trunfo é ser inventivo ao utilizar mecânicas já bem estabelecidas e brincar com elas por meio das diferentes perspectivas e cenários do jogo. E O Escudeiro Valente é bastante criativo nisso.

Além de alternar entre os cenários 2D do livro e o ambiente 3D do quarto de Sam, onde seus brinquedos se tornam ambientes a serem explorados, o jogo permite que você manipule o próprio livro de diversas formas.

É possível alterar eventos e cenários do livro mexendo nas palavras escritas nas páginas, alternar as páginas e voltar para outros cenários, alterar o ângulos das páginas para mover objetos e utilizar outros poderes que permitem alterar o funcionamento do cenário das páginas.

O Escudeiro Valente - Pontinho fora do livro usando o carimbo de bomba

Na aventura também viajamos por outros cenários, pois o mesmo portal que permite sair do livro e manipulá-lo, permite que Pontinho entre em outros mundos, como desenhos feitos por Sam, canecas estampadas e outras obras de arte encontradas no jogo.

Além disso, em alguns momentos o jogo altera a própria jogabilidade e até passeia pela história dos videogames, com fases e desafios inspirados em diversos jogos. Por exemplo, um dos primeiros combates do jogo é inspirado em jogos de luta clássicos como PunchOut, mas também há fases inspiradas em shooters de nave, RPGs de turno e até mesmo, me surpreendendo um pouco, Puzzle Bobble, um clássico de puzzle da Taito.

O Escudeiro Valente - Pontinho lutando dentro de uma carta

Também há alguns quebra-cabeças e desafios que exigem raciocínio e às vezes um pouco de memorização, já que a solução deles pode estar em páginas anteriores do livro. Alguns deles envolve, alterar as palavras dos textos da história para alterar o próprio cenário, liberando novos caminhos ou abrindo portões.

Não são quebra-cabeças muito desafiadores, mas caso você tenha alguma dificuldade há uma forma de pedir dicas. Aliás, o jogo conta com uma série de auxílios para quem estiver sentindo qualquer tipo de dificuldade, podendo alterar o dano recebido, desativar plataformas que se movem, assistência de pulo, etc. Os desenvolvedores pensaram em recursos para que jogadores de qualquer idade ou nível de habilidade possam aproveitar.

O Escudeiro Valente - Pontinho alterando a palavra floresta por ruína

A falta de desafio pode frustrar alguns jogadores mais exigentes com dificuldade, mas é importante destacar que a proposta do jogo é justamente ser acessível e naturalmente jogadores mais experientes acabam não encontrando desafios.

Mesmo sendo um jogo com uma jogabilidade fácil, eu me diverti porque gosto da ideia dele de brincar com a jogabilidade dele, alternando as formas de se jogar e se inspirando em clássicos que joguei durante minha infância, e alguns que jogo até hoje.

Além disso, o jogo explora uma ideia que muitas crianças com certeza já tiveram, de imaginar como seria se seus personagens e brinquedos preferidos ganhassem vida própria, algo já explorado em filmes como Toy Story e Pequenos Guerreiros. E O Escudeiro Valente mescla isso também com mecânicas de diversos outros jogos, o que cria uma combinação interessante e divertida.

O Escudeiro Valente - Pontinho e o boneco do Pontinho

E o caráter inventivo do jogo é justamente esse, dar novos usos à mecânicas já consolidadas, e algumas até bem simples, criando uma nova experiência criativa e divertida.

E por ser um jogo pensado em ser acessível para todas as idades e níveis de habilidade, essa mescla de mecânicas acaba servindo como uma forma de apresentar a novos jogadores as variadas formas de se jogar videogame, ao mesmo tempo que brinca com a nossa nostalgia relembrando jogos que talvez a gente não jogue há anos.

Sério, qual foi a última vez que você jogou um jogo de novinha? Ou um jogo de ritmo? As mecânicas de O Escudeiro Valente também nos lembram que existem muitos jogos legais de outros gêneros e por isso achei tão divertida e criativa essa brincadeira com as mecânicas, por mais que elas não tenham sido desafiadoras.

Gostoso de ler como um bom livro infantil

O Escudeiro Valente é, acima de tudo, inspirado em histórias infantis. Por conta disso, é bastante natural que sua narrativa siga o mesmo estilo de histórias para crianças.

Como alguém que é leitor e que desde criança teve contato com livros, eu tenho uma opinião pessoal de que me parece difícil escrever para crianças. Isso porque é importante que a linguagem esteja de acordo com o nível de alfabetização do leitor, mas ao mesmo tempo escrita de forma que não subestime a inteligência da criança.

O Escudeiro Valente - Pontinho encontra o mago Barbaluar

Nesse aspecto, eu gosto bastante da forma que o enredo do jogo foi escrito. A história é bastante leve e fácil de entender, utilizando uma linguagem simples mas sem deixar de ser bem escrita.

Ao mesmo tempo, a história quebra alguns clichês dos livros de fantasia e explora outros elementos no seu enredo. Por exemplo, apesar de ser uma história ambientada em um reino mágico, um dos hobbies do feiticeiro Barbaluar é… colecionar disco e brincar de DJ.

Também encontramos trolls e coelhos roqueiros, um reino de caracóis que amam literatura e uma cidade inteira habitada por artistas de movimentos artísticos de diferentes épocas.

O Escudeiro Valente - Pontinho na cidade dos caracois

E apesar de ter um roteiro no geral sem grandes surpresas, o jogo conta com um plot twist que brinca com a própria linguagem do jogo, aproveitando o potencial que os videogames têm para explorar esse recurso.

Da mesma forma que o jogo manipula os livros e os brinquedos do quarto, ele faz essa mesma brincadeira com si mesmo, o que acabou me surpreendendo e é algo que eu gosto bastante quando jogos fazem. Não irei detalhar muito para não acabar dando spoiler.

Além disso, o jogo conta com personagens muito carismáticos. Pontinho é um protagonista mudo, o que pra mim passa a ideia de que esse Pontinho da história é você, jogador. Então faz sentido que ele seja dessa forma. Por outro lado, os personagens secundários esbanjam carisma e personalidade.

Barbaluar, Violeta, Batera e outros personagens secundários têm muita personalidade e cada um deles tem características bastante distintas. Até mesmo alguns personagens que aparecem pouco, ou alguns soldados inimigos, possuem diálogos bem escritos. 

O Escudeiro Valente - trio Manada formando por Pontinho, Violeta e Batera

O roteiro do jogo conta com um texto muito bem escrito, simples mas bem escrito, e que flerta muito também com o humor. Eu particularmente gosto muito quando jogos utilizam humor em seus textos.

O humor do jogo é do tipo que se encontra em desenhos infantis, bem leve e muitas vezes “absurdo”, sem nenhum compromisso com a lógica. E como ele é bem feito, até mesmo situações que poderiam ter um tom trágico se tornam situações cômicas.

E temos também o narrador da história, que na versão em português brasileiro do jogo é dublado por Mauro Ramos, que dublou nada mais nada menos que Pumba (O Rei Leão), James Sullivan (Monstros S.A) e Shrek. O narrador tem o papel de contar a história do livro, mas sem se tornar cansativo. O jogo dosa bem os momentos de narração e de gameplay, o que não prejudica o ritmo dele.

O Escudeiro Valente - Enfezaldo joga Pontinho pra fora do livro

E destaco aqui também a qualidade da localização em si. Não apenas o trabalho do Mauro Ramos é incrível, como os textos foram muito bem localizados, não apenas traduzindo de forma excelente o jogo, mas localizando nomes, piadas e referências para que os brasileiros possam aproveitar 100% do jogo.

Eu sempre fico muito feliz quando uma desenvolvedora se preocupa em entregar uma localização de qualidade para os brasileiros e sempre faço questão de destacar isso quando tenho oportunidade.

Então videogames são arte?

O Escudeiro Valente é sobretudo um jogo sobre arte e criatividade. Isso é bastante visível em toda sua apresentação visual e direção artística. É impossível não ter sua atenção capturada pelos visuais do jogo.

O livro onde ocorrem os principais eventos do jogo conta com uma arte fantástica e muito característica de livros infantis. Os cenários e personagens são muito bonitos e bem animados.

Fora do livro, no quarto de Sam, o jogo alterna para uma perspectiva 3D, dando uma aparência de filmes animados. E nesses cenários encontramos mais variações de arte, já que por meio do portal de metamagia podemos entrar em outros mundos com artes diferentes, como os próprios desenhos que o Sam faz, ou caixas e canecas estampadas com temática de ficção científica, etc.

O Escudeiro Valente - Pontinho com foguete

O Escudeiro Valente é um jogo extremamente bonito e não é à toa que desde o dia que foi revelado chamou tanta atenção. Muitas vezes a primeira impressão é a que fica, né? E a apresentação visual do jogo hipnotiza.

E como hoje mais do que nunca há uma disputa acirrada pela atenção das pessoas, ter uma apresentação visual como essa ajuda muito a capturar o interesse do jogador.

Um detalhe da arte do jogo que eu gostei bastante é a cidade de Ártia, que é habitada por diversos artistas e os homenageia. Encontramos personagens inspirados em Van Gogh, Magritte, Frida Kahlo, além de obras famosas como a Monalisa que “ganham vida”. Achei bacana essa homenagem à arte.

O Escudeiro Valente - Magri em Ártia

O próprio caráter intermídia dos videogames proporciona muitas possibilidades de trazer elementos das artes. Isso é interessante não só para enriquecer o jogo em si, mas também para prestigiar outras manifestações artísticas que acabam fazendo parte de bagagem dos desenvolvedores.

Além disso, também pode despertar o interesse dos jogadores para buscar mais informações sobre essas referências, o que enriquece também a nossa própria experiência.

E viveram felizes para sempre…

O Escudeiro Valente veio com a difícil tarefa de atender as expectativas que criou. E é fato que o hype em cima do jogo foi imenso, tanto por sua divulgação incrível, destacando todas as qualidades visuais do jogo, quanto por ser publicado pela Devolver Digital, que tem em seu portfólio jogos de altíssimo nível, o que sempre joga a expectativa lá em cima a cada novo anúncio.

Posso dizer que o jogo atende às altas expectativas e é mais uma adição de excelente qualidade ao catálogo da Devolver. Surpreende também que esse seja o primeiro título desenvolvido pelo estúdio All Possible Futures, que conta com veteranos na indústria.

O Escudeiro Valente conquista pela sua criatividade. Com suas mecânicas simples e acessíveis, ele surpreende pela forma que ele consegue brincar com elas e, de forma muito criativa, criar novas formas de se jogar. Da mesma forma que, quando crianças, criávamos maneiras diferentes de brincar com os brinquedos que tínhamos. Esse é um jogo que sobretudo brinca com nosso imaginário.

O Escudeiro Valente - Fim da história com os personagens

Para jogadores experientes, o jogo mostra que ainda é possível ser inventivo, de forma criativa, criar novas possibilidades de como se jogar um videogame. Para jogadores novatos, O Escudeiro Valente vai surpreender com o potencial dessa mídia, mostrando todo o potencial criativo que existe para entregar uma experiência divertida.

A apresentação visual do jogo também manteve minha atenção do início ao fim, me fazendo parar em alguns momentos para observar cada detalhe dos cenários e das páginas do livro. E além de tudo, O Escudeiro Valente é uma história sobre tudo aquilo que nos inspira a fazer o que fazemos.

E se hoje eu sou redator e gosto de escrever sobre jogos, é muito por conta de desenvolvedores de jogos que me inspiraram com suas obras. E hoje Pontinho me inspirou a continuar escrevendo.

Nome do jogo:

O Escudeiro Valente

Publisher:

Devolver Digital

Desenvolvedora:

All Possible Futures

Plataformas Disponíveis:

PC, Playstation 5, Xbox Series S|X

O Escudeiro Valente já disponível da Nuuvem

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