Crítica: Prince of Persia – The Lost Crown é o retorno grandioso da franquia

Escrito por Arthur Tayt-Sohn
Crítica

Prince of Persia é indiscutivelmente uma das mais clássicas franquias de videogames. Tendo sua estreia em 1989, com um incrível e inovador jogo de aventura e plataforma, a franquia passou por uma série de mudanças.

Como um fã do primeiro jogo e também um grande fã de trilogia Sands of Time, recebi com muita empolgação a notícia de que um título inédito estava sendo desenvolvido. Tivemos a oportunidade de receber o jogo antecipadamente e você pode descobrir agora se a franquia sobreviveu aos “testes do tempo”, com o perdão da piada.

Retornando à Pérsia

Como de costume, o jogo é ambientado na Pérsia. Uma das novidades é o protagonista Sargon, que não é um príncipe, mas é um dos Imortais. Os Imortais são guerreiros de elite que defendem a Pérsia de invasores.

Durante uma invasão, Sargon e seus companheiros derrotam o exército inimigo, sendo o protagonista o herói desse combate, derrotando o general do exército invasor. Mas a paz dura pouco tempo, já que o príncipe Ghassan é sequestrado logo em seguida.

Os Imortais então recebem da rainha Thomyris a missão de resgatar o príncipe e proteger a linhagem real da Pérsia.

Revitalizando um clássico

The Lost Crown é um título inédito, com um novo protagonista e que também se dá liberdade de inovar em outros aspectos. O que chamou atenção logo de cara foi a sua jogabilidade 2D, mais próxima dos jogos clássicos.

Ao mesmo tempo, a Ubisoft Montpellier, estúdio Ubisoft mais conhecido pelos jogos da franquia Rayman, adiciona camadas de complexidade em um jogo que se tem inspirações em diversos títulos, mesclando de forma muito inteligente elementos de metroidvania e plataforma de precisão.

The Lost Crown é também uma mistura de elementos de todos os jogos da franquia. O jogo conta com segmentos de plataforma, quebra-cabeças e ao mesmo tempo tem um grande foco em combate, que é complexo e conta com uma série de recursos para o jogador, ao mesmo tempo que também dá recursos aos inimigos, obrigando que você se adapte e saiba o que fazer.

Indo além das mecânicas básicas, como pular, atacar, esquivar e aparar, o já tradicional parry, o jogo conta com habilidades especiais que podem ser utilizadas conforme você enche a barra de Athra, a energia espiritual do jogo.

No decorrer do jogo também adquirimos outras habilidades que são utilizadas tanto para exploração quanto para o combate, enriquecendo o jogo mecanicamente.

Os combates são muito satisfatórios e permitem que você realize combos, que em alguns momentos mostram uma complexidade semelhante à dos jogos de luta, o que é muito interessante e foi muito bem feito pelos desenvolvedores.

Fiquei bastante surpreso em como o jogo permite tanta experimentação e diversidade de movimentos e estratégias. O jogo não te obriga a dominar completamente todas essas mecânicas, mas certamente isso facilita a sua vida e em níveis de dificuldades maiores elas se tornam mais importantes.

The Lost Crown é um jogo que mecanicamente é fácil de aprender, porém exige mais esforço se você quiser dominá-lo totalmente, além de funcionar no modo risco-recompensa. Por exemplo, aparar ataques te dão uma grande vantagem sobre o inimigo, mas errar esse movimento faz com que Sargon receba um dano extra.

O jogo então te faz calcular o tempo todo quando vale a pena correr o risco de aparar um ataque e garantir uma vantagem ou quando é melhor apenas esquivar.

Para adicionar ainda mais camadas de complexidade e para que o jogador encontre a melhor forma de jogar, há um sistema de amuletos semelhante do de Hollow Knight, que oferecem algumas vantagens, como bônus de dano corpo a corpo, deixar o inimigo mais lento ao aparar, etc.

Os inimigos também contam com movimentos diversificados e também reagem às ações do jogador. Inimigos podem aparar seus ataques, podem esquivar e te atacar por trás, arqueiros atacam corpo a corpo quando você se aproxima deles, etc.

Todo o sistema de combate é bem construído e, importante destacar, polido. Não adiantaria ter um sistema de combate complexo se eles não funcionassem, o que não acontece em Prince of Persia. Lutar nesse jogo é satisfatório tanto pela variedade quanto pela polidez das mecânicas.

E as lutas com os chefes são incríveis e desafiadoras. Mesmo na dificuldade normal os chefes vão exigir que você conheça os movimentos inimigos e que reaja de acordo. Será necessário utilizar muito a esquiva, aparar em alguns momentos e também utilizar algumas habilidades disponíveis.

A Ubisoft buscou claras inspirações em franquias que são, entre outros motivos, conhecidas por seus sistemas de combate, como o já citado Hollow Knight, além de Dark Souls, uma referência quando se trata de combate e Castlevania.

Mas o mais importante, a Ubisoft não esquece que esse ainda é um Prince of Persia. Além de um grande guerreiro, Sargon é um atleta. Seus movimentos são fluídos, suas acrobacias são o puro suco de Prince of Persia e, mesmo com tantas inspirações, o jogo tem sua própria personalidade.

Isso não se reflete apenas no combate, mas também na exploração. Os segmentos de plataforma e exploração foram aprofundados. Essas mecânicas eram um grande destaque no jogo clássico e elas foram aprofundadas em The Lost Crown.

Durante o jogo você irá se deparar com inúmeras armadilhas e quebra-cabeças, que vão ficando mais complexos e desafiadores conforme você avança no jogo e, além de adquirir novas habilidades, domina mais as suas mecânicas.

A Ubisoft soube implantar uma curva de aprendizagem que começa com desafios mais simples, como pular plataformas e ativar mecanismos que exigem movimentos rápidos, até segmentos de escalada mais complexos que exigem o domínio de saltos precisos, dashes, uso do arco e flecha e habilidades de teletransporte.

Alguns segmentos são tão desafiadores quanto os chefes. Alguns quebra-cabeças vão exigir que você planeje seus movimentos, faça experimentações e repita várias vezes até achar a melhor forma de cumprir os desafios.

Eu me senti bastante familiarizado com esses segmentos por curtir jogos de plataforma e senti uma inspiração no excelente Celeste, que exige movimentos extremamente precisos. Alguns desafios opcionais, como coletar as moedas Xerxes, parecem ter saído diretamente de Celeste. O que pra mim, como fã da querida Madeline, foi uma surpresa incrível.

Como todo bom metroidvania, The Lost Crown conta com um mapa grande, dividido em diversas áreas com características bem próprias. Como é de costume nesse tipo de jogo, você irá explorar algumas áreas mais de uma vez, conforme adquire novas habilidades e consegue alcançar novos lugares. Nada muito fora do padrão.

Um sistema muito interessante que a Ubisoft criou para o jogo e que ajuda bastante na exploração são os Fragmentos de Memórias. Com esses itens você consegue tirar prints do local onde você está. Além disso, o jogo cria um marcador no mapa e você consegue registrar, por exemplo, locais com baús inacessíveis no momento, para que você retorne quando for possível alcançar o local.

E por falar em marcadores, surpreendentemente o jogo não conta com o famigerado mapa ubisoftlike. A interface do jogo é bastante limpa e intuitiva. Você até pode optar por um modo de jogo com mais marcadores, mas o modo padrão é bastante clean.

Outra preocupação com relação ao jogo foi a sua duração. Ele dura em média 25 horas, dependendo do seu nível de habilidade com o combate. Isso no modo normal, claro. Esse tempo pode se estender se você investir tempo nas atividades secundárias, como algumas sidequests e coleta de itens, ou o mural da Profecia que acrescenta um pouco mais na lore do jogo, além de dar recompensas.

E devido à diversidade do jogo, que mescla segmentos de combate, plataforma e quebra-cabeças, que são muito variados, o jogo não se tornou cansativo pra mim. Esse tempo foi bem aproveitado indo adicionando aos poucos mais camadas ao jogo e novos desafios, não se estendendo de forma desnecessária.

The Lost Crown resgata tudo dos clássicos, mas modernizando as mecânicas. O resultado é um jogo divertido e muito prazeroso de jogar, seja no combate ou nos segmentos de plataforma. É um jogo que surpreendente fazendo bem tudo que se propõe e que desafia o jogador, mas também permitindo que você configure a dificuldade de todos os aspectos do jogo, tornando-o também bastante acessível.

Um império perdido no tempo

Um tema recorrente na franquia é o tempo. Em The Lost Crown isso não é diferente, e a história do jogo novamente aborda essa temática. Ao mesmo tempo, o jogo busca explorar mais a mitologia persa, enriquecendo mais a experiência.

A Ubisoft é reconhecida por realizar um bom trabalho de ambientação dos seus jogos, como ocorre nos jogos da franquia Assassin’s Creed. A desenvolvedora procura ter o cuidado ao ambientar seus jogos e também trazer o contexto histórico e aspectos culturais, mas ainda se permitindo liberdade criativa.

Além dos pontos centrais da história, como a relação de Sargon com os outros Imortais e sua missão de salvar o príncipe, você irá explorar o Monte Qaf, onde o Rei Darius, monarca anterior, estabeleceu uma cidade grandiosa e que era conhecida por ser entusiasta do conhecimento. Estudiosos do mundo inteiro buscavam estudar medicina, astrologia, religião, álgebra e diversas outras formas de conhecimento atraíam pessoas do mundo inteiro.

O reino inteiro era protegido pelo Simurgh, um pássaro místico que abençoava as colheitas, o clima e também tinha o papel de abençoar o futuro rei da Pérsia. Após a morte de Darius, o pássaro desapareceu e a Pérsia entrou em um período de grandes dificuldades.

O Monte Qaf especificamente sofre com uma anomalia temporal. O local parece parado no tempo, mas esse tempo parece passar diferente para cada pessoa que de alguma forma ficou presa nesse lugar.

Encontramos pessoas que estão presas há décadas aqui, mas se lembram de terem chegado ontem. Versões diferentes da mesma pessoa parecem existir ao mesmo tempo e com isso você deve, além de salvar o príncipe, tentar fugir dessa maldição.

Além de Darius e do Simurgh, outros personagens e fatos históricos e mitológicos são citados no jogo. The Lost Crown cria uma história inédita, buscando inspiração na rica cultura persa. Para deixar a experiência ainda mais rica, a Ubisoft acertadamente incluiu no jogo a dublagem no idioma persa, o que é muito mais interessante que uma dublagem em inglês com sotaque.

A trama principal é bem desenvolvida e conta com diversas reviravoltas, algumas mais óbvias e outras nem tanto, sendo também de fácil entendimento. Para os mais curiosos e interessados, o jogo conta com uma série de itens e áreas que contam mais da lore do jogo, cartas e pergaminhos de cidadãos da cidade, contando um pouco do seu dia a dia, etc.

É perfeitamente possível focar somente no objetivo principal do jogo, já que ele conta com uma história bem fechadinha. Mas para quem curte ter mais contexto ou simplesmente curte consumir lore de jogos, você pode querer explorar um pouco mais o jogo.

Vale citar que a localização do jogo para português brasileiro é bem feita. Encontrei alguns errinhos bem pontuais em diálogos, mas que não atrapalham o entendimento da história. Provavelmente apenas um deslize na hora de revisar, e isso bem no início do jogo. Mas no decorrer eu encontrei muitos itens com textos explicativos, além do mural da profecia, e não identifiquei nenhum outro problema.

Os aspectos culturais da Pérsia também são bem representados nos ambientes dos jogos. São diversas áreas que tem o cuidado de representar bem o antigo império, buscando ao mesmo tempo fidelidade histórica, mas também se dando a liberdade de incluir elementos fantasiosos.

O jogo é visualmente incrível e conta com um ótimo trabalho artístico. As áreas da cidade e os ambientes dos palácios reais chamam atenção principalmente pela arquitetura. O império persa é conhecido, dentre várias coisas, pela grandiosidade de suas construções. The Lost Crown representa bem esse aspecto do império.

Mas além disso, a arte acompanha de forma coerente a história do jogo. Como o tempo é temática principal, a ambientação também conversa com o roteiro. Isso é mostrado em uma das minhas áreas preferidas, que é um cenário em alto mar inteiramente parado no tempo.

Achei incrível a construção desse ambiente, com ondas congeladas no tempo, navios destroçados e um cenário de guerra, onde você caminha entre combatentes e trovões estáticos e restos de navios naufragando, enquanto avança até o seu objetivo.

Cada área do jogo é muito distinta e única. É algo que já esperamos da Ubisoft, sendo um dos pontos fortes de diversos jogos do estúdio. Em Prince of Persia especificamente, é um trabalho cuidadoso e que demonstra que o estúdio mais uma vez buscou estudar a cultura persa para fazer uma boa representação no jogo.

A escolha de incluir também os mitos e personagens tradicionais persas também foi um grande acerto, pois utiliza os videogames como uma forma de aproximar os jogadores de uma cultura que talvez eles nunca fossem conhecer por outros meios, reforçando o potencial dessa mídia como meio de difusão cultural.

Um retorno grandioso de Prince of Persia

A Ubisoft acerta em cheio com The Lost Crown. Parafraseando Jordan Mechner, criador da franquia, esse é “um jogo que eu estava esperando”. Com as bênçãos de Mechner, a equipe envolvida no jogo buscou inspiração no que fez a franquia se tornar um dos grandes clássicos dos videogames, mas também arriscou, e acertou, nas inovações.

O jogo é divertido, desafiador, polido, esteticamente agradável e mostra que, quando a Ubisoft foca seus esforços na experiência jogador-jogo, sem focar apenas em serviços, e respeitando a nossa inteligência, ela acerta. E acerta muito.

Prince of Persia: The Lost Crown abre o ano de 2024 de maneira grandiosa. O grandioso retorno de uma clássica franquia e um jogo que me divertiu da mesma maneira que o primeiro título, infelizmente entregando a minha idade nesse momento.

Mas quem sabe o tempo não seja um rio, mas um mar revolto…

Nome do jogo:

Prince of Persia - The Lost Crown

Publisher:

Ubisoft

Desenvolvedora:

Ubisoft Montpellier

Plataformas Disponívies:

PC, Playstation 4, Playstation 5, Xbox One, Xbox Series S|X, Nintendo Switch

Nota: 10

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge