Crítica: Road 96: Mile 0 – Quanto vale um ideal?

Escrito por Arthur Tayt-Sohn
Crítica

Lançado em 2021, Road 96 apresentou uma proposta um tanto quanto diferente. Um jogo com foco em narrativa e tomada de decisões, onde você controla diversos adolescentes anônimos tentando fugir de Petria, um país governado de forma tirânica por Tyrak.

Road 96: Mile 0 inverte essa lógica e foca no desenvolvimento dos personagens que controlamos. Zoe, conhecida personagem do primeiro jogo e Kaito, personagem de Lost in Harmony, primeiro jogo da Digixart que curiosamente faz uma participação especial nesse jogo.

Tivemos a oportunidade de conhecer o início da história de Road 96 e conto agora essa experiência.

Revisitando Petria

Enquanto no primeiro jogo tentamos fugir do país, em Mile 0 conhecemos um pouco mais a fundo o país e seus habitantes.

Petria é um país fictício governado por Tyrak, um presidente tirano que oprime o próprio povo. Ele sofre oposição da Brigada Destruidora, uma organização que combate o governo por meio de propaganda e ações diretas.

Em 1986 um ataque ocorreu na fronteira de Petria onde muitas pessoas morreram ou ficaram feridas. O governo acusou a Brigada Destruidora de ter cometido um ataque terrorista, o que justificaria um maior endurecimento do regime de Tyrak.

O jogo se passa em White Sands, um condomínio de luxo onde a elite política e econômica de Petria vive. Além deles, vivem aqui os trabalhadores que prestam serviços para os habitantes da luxuosa região. Naturalmente eles vivem em áreas mais afastas e não tão nobres.

Zoe Muller é filha do ministro do petróleo de Petria, vivendo de maneira luxuosa e confortável. Apesar disso ela é amiga de Kaito Lin, filho de trabalhadores de White Sands.

O jogo antecede os acontecimentos de Road 96 e iremos entender os acontecimentos que levaram Zoe a fugir de casa no primeiro jogo. Mile 0 também traz aparições e breves participações de personagens do jogo anterior.

Você não precisa ter jogado Road 96 para entender o que está acontecendo aqui, apesar de eu recomendar para você entender algumas referências.

Explorando White Sands

Road 96: Mile 0 conta com algumas diferenças importantes com relação ao primeiro jogo em seu gameplay. No primeiro jogo controlamos diversos adolescentes sem nome ou rosto, com o objetivo de cruzar a fronteira e fugir do país. Isso tudo de uma narrativa não linear, com tomadas de decisão que afetam o jogo a curto e longo prazo.

Mile 0 tem uma narrativa mais linear, focada no desenvolvimento dos dois protagonistas. Além disso, não precisamos gerenciar nosso dinheiro e energia como no primeiro jogo. A única coisa que devemos gerenciar é a barra que determina se Zoe está certa que Petria é um bom país ou se está em dúvida e se Kaito está com pensamentos mais revolucionários ou em dúvida sobre as intenções da Brigada Destruidora.

Esse medidor pende para um lado ou outro dependendo das suas escolhas pelo jogo. Em determinados momentos algumas opções de escolha podem ser travadas caso sua barra esteja pendendo muito mais para um lado do que para outro.

Assim como no primeiro jogo, Mile 0 conta com desfechos principais e pequenas alterações na história de acordo com suas escolhas, mas que não necessariamente vão interferir nos finais principais de forma impactante.

A ideia do jogo é ser mais contido que o primeiro e apresentar os fatos que levaram ao seu encontro com Zoe logo no início da sua jornada em Road 96.

Você irá explorar as diversas áreas de White Sands para conversar com outros personagens, coletar alguns itens e resolver quebra-cabeças simples para conseguir avançar. Também temos diversos colecionáveis opcionais, como as tradicionais fitas com músicas do jogo e adesivos colecionáveis.

Uma adição nesse jogo são as fases musicais. São segmentos do jogo que mesclam ritmo com plataforma, inspirados em Lost in Harmony que falei anteriormente e que lembram também o jogo rítmico de plataforma Sayonara Wild Hearts.

Esses segmentos contam parte da história do jogo de forma bastante surreal e psicodélica, com visões bastante exageradas dos acontecimentos que os personagens estão vivenciando. Você deve avançar em cada uma dessas fases e, de forma opcional, fazer isso coletando o máximo de pontos possível sem tomar dano, para receber um bom rank no final.

Esse rank garante conquistas do jogo e também conta com um placar online onde você pode comparar sua pontuação com outros jogadores. Inclusive foi olhando os rankings que eu descobri que o querido Bruno do Nautilus também tinha recebido o jogo,  nosso talentoso rapaz estava na primeira colocação.

Road 96: Mile 0 é um jogo muito menos punitivo que o primeiro, que exige um gerenciamento de recursos e muito cuidado com nossas escolhas, focando mais em desenvolver sua narrativa de forma mais direta.

Os segmentos musicais ajudam a quebrar um pouco o ritmo de pura exploração, sendo muito bem-vindos. Não chegam a ser desafiadores, mas são divertidos e sempre contam com uma trilha sonora ótima.

Em comparação com o primeiro jogo, ele acaba sendo mais simples. Em Road 96 temos diversas mecânicas que interferem diretamente se você irá conseguir alcançar seus objetivos. Por exemplo as habilidades que você consegue e permitem que você avance em alguns pontos ou consiga recursos com mais facilidade.

Essa simplificação não chega a ser um ponto negativo, já que o escopo de Mile 0 é diferente. Mas é importante destacar isso principalmente para quem jogou o primeiro jogo saber que irá encontrar um jogo muito mais contido e linear em comparação com Road 96.

Colocando a prova amizades e ideais

Mile 0 testa a amizade de duas pessoas de origens totalmente diferentes. Enquanto Zoe é uma menina rica, vinda da elite de Petria, Kaito é pobre e filho de trabalhadores comuns.

Essas diferenças são evidenciadas em diversos momentos do jogo, conforme alternamos entre os dois personagens. Kaito está bastante convicto de que algo está muito errado com o país, enquanto Zoe reluta para enxergar isso.

Conforme progredimos no jogo, e com as escolhas que tomamos, os personagens vão se desenvolvendo e a partir daí suas convicções podem se alterar com o tempo. Como são apenas dois personagens principais, temos um desenvolvimento mais aprofundado deles.

Novamente Road 96: Mile 0 conta também com mensagens políticas. Pois é, más notícias, Davy Jones. Temas como liberdade e direito ao voto continuam bastante presentes no jogo. Apesar disso não há nada de muito diferente do que foi apresentado no primeiro jogo.

O foco de Mile 0 é bem mais centrado nos dois personagens e em como eles se relacionam entre si, com suas visões diferentes, e com a própria política de Petria.

Em nosso review sobre Road 96, abordo um pouco mais as questões políticas do jogo, com algumas críticas sobre a maneira que ela foi feita. Você pode conferir ele clicando aqui.

Logo de início podemos perceber o quanto Kaito simpatiza com a Brigada Destruidora, enquanto Zoe ainda não consegue enxergar todos os problemas que Petria passa. Essa diferença tanto de classe quanto de ideais mais cedo ou mais tarde iria criar conflitos entre os dois.

Apesar disso o jogo mostra uma amizade bonita entre duas pessoas de mundos totalmente diferentes, com questões materiais complexas que não facilitam que o jogador coloque os dois em caixinhas de certo ou errado.

Cada jogador terá uma identificação diferente com os personagens e com suas visões políticas e ideológicas, o que certamente irá influenciar nas decisões que você irá tomar em pontos cruciais do jogo.

Um problema que ocorre no jogo para quem jogou Road 96 é o fato de Kaito sequer ser citado nele. Isso dificulta que você tenha a mesma identificação com ele em comparação com Zoe, que é provavelmente a personagem mais importante do jogo anterior.

Na última grande decisão do jogo, por mais que eu tivesse curiosidade em um desfecho, uma escolha pareceu a mais óbvia pra mim justamente por esse motivo. É claro que é possível recomeçar o jogo, tomar decisões diferentes e ver outros desfechos.

Mas narrativamente falando seria mais interessante se Kaito tivesse alguma participação no primeiro jogo. Até porque ele é um personagem bastante interessante e com um bom desenvolvimento.

Por outro lado, Mile 0 aprofunda um pouco mais as motivações de Zoe para sair do país. Por qual motivo uma adolescente privilegiada abandonaria o conforto do lar e arriscaria a própria vida para cruzar a fronteira?

Como citei anteriormente, em nosso review do Road 96 eu citei algumas críticas sobre a abordagem política do jogo. Como o jogo é mais centrado no desenvolvimento dos dois personagens, não encontrei grandes problemas na narrativa.

A abordagem da Digixart nesse jogo foi bastante interessante, pela complexidade das questões pessoais e motivações dos personagens, sobretudo Kaito. Mesmo em momentos em que Zoe questiona suas atitudes, foi fácil pra mim também entender o lado dele.

Com o tempo Zoe também amadurece e acaba reconsiderando algumas visões e decisões que ela tomou ao longo da jornada. Kaito também pode reconsiderar em alguns pontos, dependendo de algumas das suas escolhas.

Apesar de boa parte do desfecho de Mile 0 ser de conhecimento geral de quem jogou Road 96, é interessante acompanharmos o desenvolvimento de Zoe e também conhecer Kaito. Se você curtiu a história do primeiro jogo, vale a pena se aprofundar mais em Mile 0.

Poucas mudanças visuais e musicais com relação ao primeiro jogo

De maneira geral, Mile 0 é muito parecido com seu antecessor. O jogo conta mais uma vez com uma arte em um estilo mais cartunizado, com alguns efeitos 3D adicionais nos segmentos musicais. Mas fora isso, é visualmente bastante parecido com Road 96.

O jogo mantém sua direção de arte simples, mas funcional. Apesar disso, os efeitos nos segmentos musicais são bastante interessantes. Algumas fases me lembraram aqueles vídeos de vaporwave e synthwave do Youtube.

A trilha sonora continua sendo um destaque, mantendo a variedade de gêneros. Me surpreendeu bastante ouvir uma música do The Offspring no jogo, que é uma banda que gosto bastante. Além de punk rock, o jogo conta também com músicas eletrônicas, como synthwave e também pop.

Como a música é uma parte fundamental do jogo, gostei bastante que a Digixart tenha mantido a qualidade das composições. As vezes dá vontade de pedir para os desenvolvedores lançarem um modo infinito dos segmentos musicais só pra relaxar ouvindo um synthwave bem tranquilo.

Pé na estrada

Road 96: Mile 0 foi uma experiência interessante no sentido de enriquecer um pouco mais a história do primeiro jogo. Mas mesmo para quem estiver chegando agora, ele pode agradar a mesma maneira. E talvez até incentive os jogadores a conferirem o primeiro jogo.

Apresentando Kaito, o jogo mostra de forma mais profunda como o governo de Petria oprime seu povo, mostrando também como isso o afeta e molda suas decisões e ideais. Assim como o primeiro jogo, Mile 0 mantém sua posição como um manifesto pela liberdade.

O jogo também apresenta a complexidade das relações humanas. Por mais que pessoas tenham ligações muito fortes, é possível que em determinado momento algumas questões morais e ideológicas se tornem inegociáveis.

Isso não significa necessariamente que essas pessoas se tornem inimigas, apesar de isso poder ocorrer em algum momento, mas que as vezes estamos em posições e condições materiais em que uma relação talvez precise ser sacrificada.

Por outro lado, também é possível que possamos ceder um pouco em benefício de uma relação, seja de amizade ou outra, que seja muito importante para nós.

Mile 0 coloca o jogador para testar o quanto ele está disposto a ceder para manter uma amizade ou sacrificá-la por ideais. Não muito diferente do que temos feito todos os dias atualmente, não é mesmo?

Nome do jogo:

Road 96: Mile 0

Publisher:

Digixart, Ravenscourt

Desenvolvedora:

Digixart

Plataformas Disponívies:

PC, Playstation 4, Playstation 5, Xbox One, Xbox Series S|X, Nintendo Switch

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge