Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge
Ao mesmo tempo que a SquareSoft, hoje Square-Enix, desenvolvia Final Fantasy, uma outra franquia de RPG vinha sendo lançada desde 1989. Inicialmente conhecida como Final Fantasy Legend, a série SaGa trazia abordagens diferentes para o gênero.
Essa é uma daquelas séries que acabou ficando mais restrita ao Japão, tendo seu primeiro jogo oficialmente lançado no ocidente apenas em 1997, com SaGa Frontier para Playstation. Apesar disso, SaGa definiu diversos conceitos do gênero RPG que hoje são “normais”, mas na época foram decisões ambiciosas e até mesmo arriscadas.
Romancing SaGa 2 é um exemplo perfeito disso. Lançado em 1993, o hoje surpreende por sua complexidade de sistemas e por sua narrativa diferenciada. O jogo está recebendo um Remake e tivemos a oportunidade de jogar antecipadamente e contamos agora nossa experiência com esse “clássico cult” importantíssimo para a histórias dos RPG’s.
Deixando aquele lembrete que alguns aspectos da narrativa serão discutidos, mas sem spoilers.
Conta-se que milhares de anos atrás, um grupo chamado Os Sete Heróis salvou o mundo de uma invasão de monstros brutais. Em contos e canções, o povo é sempre lembrado que em momentos de grande necessidade os heróis retornariam.
Essa história é o que dava esperança para o povo durante períodos de conflitos e guerras. Após milhares de anos, novamente tem-se notícias dos heróis lendários. Porém, por razões desconhecidas, eles não parecem ser o que as lendas contavam.
Tomados por um desejo de vingança, os outrora salvadores da humanidade se tornam uma ameaça, obrigando o imperador Leon a confrontar Kzinssie, o primeiro herói a se manifestar no jogo, invadindo Avalon e assassinando o filho mais velho do imperador.
Após a derrota e morte de Leon, cabe a Gerard, seu filho mais novo, a continuar o legado de seu pai e continuar a luta contra Kzinssie e os outros seis heróis, agora não tão heroicos assim.
Romancing SaGa 2, assim como todos os jogos da série, foge do convencional. E é importante jogá-lo pensando que ele foi originalmente lançado no começo dos anos 90. Ao jogar, você talvez já esteja familiarizado com a maioria dos seus sistemas. Mas tenha em mente que eles não foram implementados no Remake, mas já estavam no jogo original. E isso mostra como ele foi ambicioso na época.
Iniciando do sistema mais básico: o desenvolvimento do personagem. Ao contrário do tradicional EXP, os personagens se desenvolvem em batalha de acordo com as habilidades que utilizam. Por exemplo, quanto mais você usar uma espada de uma mão, mais “experiência” com ela você ganha, aumentando sua efetividade.
Dentro dessa lógica, há o sistema de “glimmers”. Aleatoriamente uma skill começa a brilhar no menu e, se utilizada, pode levar ao aprendizado de uma nova habilidade.
O mesmo vale para as magias, que conforme você utiliza determinado elemento, vai se tornando mais forte. Mas diferente das skills das armas, as magias são aprendidas conforme você sobe de nível com determinado elemento.
É também importante escolher bem quais skills utilizar com cada personagem, visto que cada um deles possui uma classe com atributos (força, destreza, magia, etc) pré-determinados, que não evoluem com o tempo. Uma classe com o atributo força se dá melhor com armas como espadas médias e pesadas, lanças e machados. Já os que possuem uma maior destreza se beneficiam do uso de arcos e espadas leves.
Outro ponto importante é não tentar “burlar” o sistema do jogo fazendo grinds excessivos, pois outra principal característica do sistema do jogo é nivelar os inimigos de acordo com seus personagens.
O que Romancing SaGa 2 estimula é o conhecimento dos sistemas dele. Cada inimigo conta com resistências e fraquezas e é importante saber quais tipos de arma utilizar e quais elementos para cada um deles. Não apenas os chefes, mas até mesmo os inimigos comuns, que caso você adote uma estratégia errada podem matar alguns dos seus personagens. E dependendo da sua sorte, até seu grupo inteiro.
E isso é um problema porque o jogo conta com o sistema de LP (life points). A cada vez que seu personagem for nocauteado, você perde um LP. Caso esse número chegue a zero, o personagem tem morte permanente e você precisa recrutar outro. E se o personagem for o seu Imperador (o imperador da atual geração), é necessário apontar um herdeiro. Mas falaremos mais disso adiante.
Isso torna as batalhas mais desafiadoras e estratégicas, algo bastante comum nos jogos SaGa. É preciso gerenciar seu grupo e diversificar os tipos de arma para atender o máximo de situações possíveis, as classes, formações de batalha, magias equipadas e ter entre os 8 slots de habilidades algumas que contém com debuffs, como atordoamento, paralisia e petrificação. E acredite, faz diferença.
Mesmo no modo normal do jogo, que é uma versão mais amigável se comparada a versão hard, que é basicamente a dificuldade padrão do jogo original, é importante entender os sistemas para utilizá-lo da melhor maneira possível.
Por mais que hoje tenhamos RPG’s com sistemas até mais complexos, Romancing SaGa 2 ainda se sustenta bem e exige um planejamento do jogador. Enquanto na maioria dos jogos ser nocauteado não é exatamente um problema, nesse jogo é fundamental proteger seus personagens. Algumas classes possuem pouco LP e se você for descuidado, pode perder um membro do grupo de forma permanente.
Além disso, um aliado nocauteado quebra a sua atual formação de batalha, deixando todo seu grupo muito mais vulnerável. Isso porque as formações protegem membros mais frágeis, concedem bônus de defesa ou ataque, etc.
Como deu pra notar, Romancing SaGa 2 é um RPG bastante metódico. Eu particularmente gosto de jogos que se preocupam em ter um sistema que mantenha o nível de desafio constante, mas não de forma que se torne muito frustrante. Eu costumo citar o Chained Echoes como um jogo que faz isso muito bem atualmente.
E de certa forma o jogo também não te pune por evitar conflitos, o que também é um ponto interessante. Como alguns itens de cura não são tão abundantes como em outros RPG’s e as batalhas não são aleatórias, às vezes preservar recursos para uma batalha mais difícil adiante é uma ideia mais interessante.
Além dos sistemas que estão diretamente ligados com o combate, o jogo conta com sistemas de gerenciamento do próprio Império. E alguns dos sistemas acabam influenciando também no próprio grupo e no desenvolvimento dos personagens.
É possível investir em melhorias para a capital e construir instalações que irão aumentar os ganhos do Império, por exemplo. E instalações como forja e laboratório de magias irão te ajudar a melhorar a sua equipe.
Subir as skills de nível também influencia nas habilidades dos novos recrutas que você pode adquirir. Ou seja, aumentando os níveis de habilidade com o machado dos seus personagens irá influenciar o nível dessa habilidade nos recrutas disponíveis.
E com o sistema de sucessão, cada vez que um herdeiro do Imperador assume o trono, ele herda as memórias dos antepassados, incluindo suas habilidades. Esse é o único personagem que pode rotacionar classes, pois a cada mudança de geração você pode escolher uma nova classe e com isso criar combinações diferentes.
Romancing SaGa 2 é um RPG para quem adora explorar sistemas e eventualmente descobrir como utilizá-los da melhor forma possível. E por que não dizer até mesmo para quem gosta de quebrar o jogo?
Eu passei um tempo entendendo seus sistemas e fiquei impressionado como isso foi pensado para um jogo do início dos anos 90. A forma que ele é um RPG bastante estratégico onde você precisa aprender como controlar cada um dos seus sistemas para controlar, ou pelo menos tentar, o resultado dos combates.
Desde as classes do grupo, até a formação de combate para você controlar quais aliados receberão mais dano e quais causarão mais dano aos inimigos, as habilidades de dano bruto, elementais e quais habilidades de buffs e debuffs utilizar e até mesmo alguns subsistemas que não são muito explicados, e pode-se dizer que são até mesmo obtusos.
Um exemplo disso foi um combate específico em que o gênero do meu Imperador influenciou diretamente na luta. Depois eu revisei o tutorial do jogo e não havia nada a respeito sobre isso. A dica sobre esse subsistema é dada por um diálogo com uma outra personagem do jogo.
Inicialmente isso pode parecer frustrante para algumas pessoas, mas eu particularmente gosto de jogos que me fazem ter que reaprender a jogar, entender seus sistemas. E caso você prefira jogar no modo clássico, que é bastante difícil, é importante dominar cada aspecto do jogo.
Mesmo no modo normal, o jogo tem um bom nível de dificuldade. E caso você se sinta mais confortável para um desafio maior a qualquer momento do jogo, pode alterar a dificuldade no menu sem qualquer prejuízo para sua jornada atual.
Uma das características mais marcantes dos jogos da franquia são suas histórias não lineares. Romancing SaGa 2 trabalha sua narrativa dessa mesma forma, dando bastante liberdade ao jogador. Além disso, são tantas ramificações da história que muitas vezes os jogadores verão cenas e desfechos diferentes uns dos outros.
Como disse brevemente antes, a história do jogo se inicia com o imperador Leon e logo após seu filho Gerard assume o papel de monarca. A partir daí, jogamos com diversas gerações do imperador até concluirmos a jornada.
Após um período com Gerard, acontece uma passagem de tempo de décadas e uma nova geração de imperadores e imperatrizes fica disponível para escolhermos qual deles queremos dar sequência.
Passagens de tempo sempre ocorrerão, mesmo que o seu imperador atual não morra. Após algumas missões principais serem realizadas, o jogo força essa passagem para dar sequência à história.
O ponto negativo nisso é que Romancing SaGa 2 não dá tempo para o desenvolvimento dos personagens. Com isso, o jogador dificilmente criará algum tipo de vínculo com seu grupo. O jogo na verdade desenvolve mais a história dos Sete Heróis e como eles se tornaram seres tão vingativos, conforme você encontra os registros do passado e entende os acontecimentos que levaram à situação atual.
Por outro lado, o jogo investe no desenvolvimento do seu mundo, o que é bastante interessante. Uma fortaleza inimiga libertada se torna uma cidade séculos depois, por exemplo. Em determinado momento, uma rebelião corta seu acesso à outra cidade.
Cada decisão feita no jogo de alguma forma impacta em sua história, do médio ao longo prazo. Por exemplo, realizar uma sidequest para investigar uma série de furtos na cidade pode te levar a conhecer um grupo de pessoas que irão te ajudar a se infiltrar com muito mais facilidade em uma fortaleza inimiga.
Construir uma Universidade e conhecer uma pessoa específica também tem impacto na forma que você realizará uma missão muitos anos depois. Em uma outra missão ocorre uma situação que achei bastante interessante. Você precisa ajudar um grupo a eliminar uma série de monstros, exceto um deles, que o próprio líder desse grupo pede para lidar pessoalmente. E você pode optar por eliminar esse inimigo pessoalmente. Afinal, você está ajudando não é? Mas caso você faça isso, o líder desse grupo fica furioso com você e o resultado dessa sidequest pode ser desastroso.
Existem também trechos da história que podem ocorrer de maneiras diferentes dependendo de suas ações anteriores, das respostas que você der em diálogos e até mesmo da classe e gênero do imperador ou imperatriz. Existem missões que dependem que seu imperador seja de uma determinada classe e de um determinado gênero para que possam ser realizadas, por exemplo. Alguns inimigos também podem variar dependendo do momento que você os enfrentar e quais decisões tomou anteriormente.
Com isso, o jogo conta com bastante rejogabilidade caso você queira ver todos os cenários possíveis. Existem cenários até bastante ousados para a época, como abdicar do trono e desistir da missão para viver um grande amor um tanto quanto “inusitado”, para não dar muitos detalhes e estragar a experiência.
De certa forma, Romancing SaGa 2 abre mão do protagonismo dos personagens que você controla, para contar a história desse mundo. Na verdade, é um jogo onde a própria História é o protagonista, já que os eventos fazem parte das histórias que um menestrel conta em uma taverna. O protagonista principal é o próprio Império, onde o menestrel conta como ele foi unificado.
E isso é algo que destacou o jogo dos demais RPG’s da época. O jogo não espera que você se apegue aos personagens. O tempo passa, as pessoas se vão e a história precisa continuar. Nem mesmo a morte dos personagens é um game over, pois outras pessoas eventualmente assumem as suas tarefas.
E não apenas isso, você pode seguir no jogo até mesmo “falhando” algumas missões. Nem sempre o desfecho de uma quest é exatamente aquilo que você esperava e mesmo que seja possível dar load no seu save, algumas consequências disso só ocorrem algum tempo depois, talvez inviabilizando que você rejogue um trecho tão longo.
Talvez não seja uma abordagem que agrade a todos, principalmente aqueles que preferem narrativas que valorizem o desenvolvimento de personagens, mas é uma proposta que foi bastante ambiciosa para a época e que de certa forma se tornou uma referência para jogos com história não linear que vieram posteriormente.
A narrativa de Romancing SaGa 2 foi bastante experimental para a época, assim como todo o jogo em si. E por mais que o jogo seja um Remake, os desenvolvedores optaram por manter a fidelidade à proposta original. É algo que me agrada bastante, pois dá a oportunidade para os jogadores conhecerem como surgiram determinados aspectos e decisões criativas que hoje são bastante exploradas nos jogos.
Esse Remake é o segundo relançamento de Romancing SaGa 2. O jogo já tinha recebido um Remaster anteriormente, preservando sua pixel art. Dessa vez, a Square-Enix optou por uma direção de arte totalmente 3D, com inspiração na estética de animes. Um dos aspectos que sempre me chamou muita atenção na franquia foi o design dos personagens, sempre muito diferenciados. Isso porque a principal ilustradora da franquia durante décadas foi a Tomomi Kobayashi, que faz trabalhos incríveis.
Passar para pixel art seus conceitos de personagens sempre foi extremamente difícil, devido ao seu estilo artístico e detalhe dos seus desenhos. Uma arte mais 3D seria uma excelente oportunidade para valorizar os designs originais dela.
Eu gostei da maioria dos designs, com algumas exceções. A forma humana de Kzinssie destoa completamente da ilustração original, indo para um lado bem mais anime que dá uma cara de adolescente ao personagem.
Alguns personagens como Noel, Wagnas e Dantarg são bem mais interessantes nesse aspecto. Rocbouquet, que tem uma arte conceitual incrivelmente linda, tem um design mais próximo da pixel art dela no Remaster, mas inclui alguns detalhes a mais que se aproximam do conceito original da Tomomi Kobayashi.
Os monstros comuns e até mesmo alguns chefes também possuem designs mais simplistas, deixando os mais complexos para os combates contra os heróis. A franquia SaGa em um geral não recebia normalmente a mesma “atenção” em seu desenvolvimento como Final Fantasy, que naturalmente tinha um orçamento muito maior.
Da mesma forma, o Remake é notavelmente um jogo que não teve tanto investimento, até mesmo por ser uma franquia bastante nichada, principalmente fora do Japão. Então não daria para esperar algo tão elaborado. Nesse caso, me deu a impressão que o time de desenvolvimento priorizou o que importava: os personagens principais.
Sendo assim, Romancing SaGa 2 não é um jogo que vai se destacar tanto por sua direção de arte de cenários ou monstros. Mas conta com uma diversidade interessante de designs dos personagens de classes e, principalmente, dos Sete Heróis.
Mas apesar disso, não é um jogo feio. Percebe-se que ele foi feito com carinho e buscando respeitar o material original, mesmo que com algumas decisões artísticas mais modernas. Porém, sua decisão estética mais voltada para o anime nem sempre favorece os designs de personagens e monstros.
Uma direção de arte mais próxima do realismo, algo mais próximo de RPG’s de fantasia, até mesmo alguns ocidentais, talvez favorecessem um pouco mais os designs. E até mesmo daria um outro “tom” para o jogo.
Um aspecto visual que me incomodou bastante, e que parece ser algo mais técnico, são alguns personagens que as animações estão em quadros por segundo menores quando você está longe delas. Lembra um pouco aquele efeito da animação Aranhaverso. Ao se aproximar dos personagens, os quadros de animação voltam ao normal.
A trilha sonora também não é das minhas preferidas, mas não é ruim. Só uma música específica que eu realmente não consegui gostar a ponto de precisar desligar o som para não ouvir. Mas isso é algo bastante pessoal. Há quem seja muito fã do trabalho do compositor Kenji Ito, que retornou para fazer os rearranjos das músicas originais. Mas pra mim, não foi marcante.
Inclusive, o jogo permite alternar entre as versões remasterizadas e as clássicas das músicas, o que achei uma ideia fantástica e um agradinho bem legal para os fãs do jogo original.
Romancing SaGa 2 é um RPG que considero importante que os fãs do gênero joguem. Apesar de a franquia não ser a mais popular por aqui no ocidente, é inegável a sua importância e sua influência para os jogos de RPG.
É sempre gratificante ver a Square-Enix investindo recursos em criar novos jogos de suas IP’s “secundárias” ou trazer de volta seus clássicos não tão populares, mas que não deixam de ser excelentes jogos e que são um registro histórico de tanta coisa legal e experimental que o estúdio costumava fazer.
É claro que por ser uma franquia mais nichada no portfólio
E é inacreditável imaginar um RPG tão complexo, com sistemas variados e sofisticados e com tantas ramificações narrativas e com esse nível de construção de mundo tenha sido lançado em 1993. Muitos jogos não conseguem chegar a esse nível de complexidade nos dias de hoje.
Esse jogo mostra que já naquela época os desenvolvedores de RPG’s pensavam em soluções para o overgrinding, balanceamento e até mesmo linearidade narrativa, optando por uma abordagem mais focada na construção do mundo e da história, e um pouco menos nos personagens.
O que pode soar até contraditório, se tratando de um gênero de jogos que é essencialmente sobre “interpretar papeis”. Mas que no fim das contas entrega uma experiência totalmente nova e surpreendente.
Infelizmente esse é mais um título da Square-Enix que não conta com localização em português, desperdiçando a oportunidade de apresentar o jogo para muitos potenciais fãs.
Mas apesar disso, caso tenha a oportunidade, recomendo fortemente experimentar Romancing SaGa 2. E tenha um gostinho do experimentalismo dos anos 90.
Romancing SaGa 2: Revenge of the Seven
Square-Enix
Playstation 5