Crítica: Shiren The Wanderer: The Mystery Dungeon of Serpentcoil Island

Escrito por Matheus Megazao
Crítica

Shiren The Wanderer é uma série de jogos curiosa. Uma franquia que sempre viveu às sombras de outros Mystery Dungeon licenciados (Pokémon, Final Fantasy, Etrian Odyssey, etc.) aqui no ocidente, porém onde eu sinto que justamente por ser algo original, a Spike Chunsoft tem mais liberdade para brincar com o potencial de Mystery Dungeon como gênero. É com Shiren que ela atinge um balanço muito mais fino entre a elevada dificuldade do jogo, a frustração inerente de ter que lidar com perda constante de progresso, e os momentos que você sente aquela adrenalina de ter feito uma escolha certa em um conflito decisivo de vida ou morte – vivendo pra progredir mais um andar. Com Shiren The Wanderer: The Mystery Dungeon of Serpentcoil Island essa tradição é mantida, e o jogo entrega uma experiência sólida e familiar, mas que nunca te deixa confortável demais em sua inóspita jornada.

Mas antes, o que é Mystery Dungeon?

Em 1993, a então somente Chunsoft quis criar um spin-off para o popular Dragon Quest IV, em que Torneko, um vendedor de itens na história, sai em busca de tesouros por uma dungeon. Inspirados pelo jogo Rogue, eles adotaram um gameplay de exploração de dungeons compostas por salas interligadas por longos corredores, em que você precisa coletar itens, derrotar inimigos e subir (ou descer) entre andares. O primeiro grande diferencial era que o gameplay usava de um sistema de turnos mais dinâmico que RPGs tradicionais, em que cada vez que você executa uma ação – seja andar, atacar, usar um item, etc. – todos os inimigos naquele andar também vão executar. Assim, todo encontro com inimigos podia ser resolvido rapidamente se você quisesse, da mesma forma que você podia usar bastante tempo para planejar sua estratégia com cautela quando estivesse preso em uma situação perigosa.

Já o segundo grande diferencial era que, por ser um roguelike, toda vez que você morria na dungeon você voltava ao nível 1 e perdia tudo que tinha. Ao longo da sua jornada você ia encontrar alguns pontos de segurança como vilas ou cidades, e lá podia reabastecer suprimentos e deixar itens em um depósito que podiam ser retirados para serem usados em tentativas futuras. Essencialmente esses se tornariam os maiores pilares de todo Mystery Dungeon, e os elementos que todos esses jogos costumam compartilhar.

Não se mexe (muito) em time que está ganhando

Shiren The Wanderer: The Mystery Dungeon of Serpentcoil Island é o sexto jogo principal de uma franquia que meio que acertou de primeira com sua fórmula de gameplay, então é de se esperar que não haja muitas mudanças radicais. Isso não significa, porém, que o jogo não experimenta com novas mecânicas e moderniza algumas outras áreas. A maior novidade dessa vez são os behemoths, monstros gigantes que aparecem de um portal em alguns andares mais avançados da dungeon e que são bem mais fortes e resistentes que suas versões normais. Essas criaturas são mais lentas que você, e são cercadas de umas esferas de energia que impedem que você os ataque pela frente e pelos lados – e mesmo que você consiga derrota-los eles dão um mísero ponto de experiência.

É estranho, porque em teoria os behemoths poderiam ser uma ameaça muito interessante se houvesse um incentivo para que você interagisse com eles. Mas como não há recompensa tangível para o risco tomado ao tentar derrotar um, e é muito fácil escapar deles devido à sua velocidade, em todas as minhas tentativas no jogo houve somente uma ocasião em que um behemoth se tornou uma ameaça para mim, mas só porque eu fiquei impaciente e quis buscar um item na sala que ele estava – algo que consegui fazer ao custo de um pouco de dano apenas.

Não se deixe enganar, porém, pela decepcionante facilidade dos behemoths: Serpentcoil Island tem uma das curvas de dificuldade mais apertadas que eu já vi na série. Existem certos andares que, devido a determinados tipos de monstros, parece que você passa por uma “checagem de habilidade”, e o primeiro é bem cedo – logo no terceiro andar. Esses andares podem parecer apenas picos gratuitos de dificuldade, mas em geral eu sinto que são formas mais diretas de testar seu preparo para o que vem pela frente. Apesar de que é frustrante ter essas mudanças mais “bruscas” na dificuldade, eu me pegava pensando mais no preparo para esses pontos específicos do que para a o caminho todo, fazendo checkpoints mentais de onde eu acho que conseguiria chegar com as armas e itens que eu tinha no momento. Então, se eu não tivesse uma seleção de itens muito promissora para o próximo checkpoint, eu me sentia estranhamente menos frustrado de morrer nele pois já sabia o que esperar. Eu sei que esse balanceamento diferente pode ser bem divisivo, mas foi surpreendentemente eficaz para mim.

Outras novidades menores, mas igualmente bem-vindas incluem coisas como a possibilidade de pesquisar em um glossário certas palavras-chave sublinhadas na descrição de itens, que geralmente indicam algum efeito; novas mecânicas como runas e síntese para expandir as possibilidades de armas, e principalmente um foco um pouco maior nos NPCs e na progressão de suas histórias individuais. A cada nova tentativa na dungeon, você vai encontrar NPCs com quests que vão progredindo à medida que você avança (e morre) no caminho. Essas quests são simples, mas geralmente desbloqueiam alguma nova mecânica ou item para a dungeon e geralmente terminam desbloqueando a possibilidade de encontrar aquele NPC no caminho e recrutá-lo como acompanhante – o que ajuda significativamente com a dificuldade do jogo. Em geral, todos pequenos ajustes ou adições a mecânicas que já eram presentes nesses jogos, e que agregam bastante.

Nova ilha, nova dimensão

A nova aventura de Shiren se passa na ilha de Serpentcoil, um lugar com tema mais rural do Japão. Os diferentes biomas que você vai encontrar na sua jornada pelos 31 andares da dungeon não são particularmente muito diferentes do que já se viu na série, mas existe uma grande variedade entre eles que mantém o seu caminho constantemente interessante. Além disso, conforme você progride com as histórias individuais dos NPCs no jogo, você vai liberar trechos alternativos com visuais e fatores de risco e recompensa diferentes, criando ainda mais variedade entre cada aventura.

O jogo também está em 3D pela primeira vez desde sua terceira iteração, seguindo dois jogos que possuíam um visual lindíssimo em pixel art. A preferência de cada pessoa por esses gráficos varia muito, mas eu sinto que é inegável que o 3D perde bastante da riqueza de detalhes que o visual em pixels transmitia, o que me decepciona um pouco. Dito isso, o trabalho visual desse jogo ainda é muito competente, com alguns cenários particularmente detalhados e uma boa clareza entre todos os elementos. Então por mais que não seja minha preferência particular, a (re)transição para o 3D é ao menos elegante.

A união faz a força

E retornando dos últimos lançamentos ocidentais da série, temos o sistema de resgate. Uma mecânica muito útil, esse sistema te permite emitir um pedido de resgate online quando você morre e esperar que outro jogador assuma seu mundo, suba até o andar que você morreu, e resgate seu personagem para que você não perca aquela tentativa. O contraponto disso é que você terá que esperar sem poder jogar o jogo até que alguém te resgate, ou desistir do seu pedido para continuar. Por outro lado, você também pode efetuar resgates de outros jogadores, e para isso vai entrar no mundo deles e tentar chegar até onde eles estão para salvá-los.

Sua recompensa por isso são pontos que podem ser trocados por vantagens – itens, um nível maior, etc. – na hora de efetuar outros resgates. Então mesmo que você consiga desbloquear tudo que o jogo base tem a oferecer, você ainda pode sempre fazer uso do sistema de resgate para um desafio diferenciado que, ao mesmo tempo, vai estar ajudando outros pobres jogadores derrotados.

Um trabalho bem feito

A sexta jornada de Shiren The Wanderer é bem próxima de suas outras cinco, mas isso não é algo ruim. Em uma série de jogos tão refinados e únicos, não é preciso de muito para agradar o fã que estava esperando há quase uma década por uma nova oportunidade de escalar uma dungeon e morrer muito no processo. E enquanto há uma tentativa de dar uma identidade própria a esse jogo com mecânicas novas, ele não sai de sua fórmula estabelecida – o que inevitavelmente vai afastar muitos jogadores.

Mas para aquele nicho específico que gosta desse exercício em paciência – em saber recuar quando necessário, se desapegar de seus itens e entender que sobreviver em um momento é sempre mais importante que no próximo – essa fórmula (e esse jogo) é sem igual. Por mais que o sistema de behemoths seja decepcionante e a curva de dificuldade possa causar estranhamento, The Mystery Dungeon of Serpentcoil Island ainda é uma experiência muito sólida para fãs prévios da série, e uma porta de entrada decente para quem quiser experimentar essa lenda de Sísifo divertidamente deturpada.

Nome do jogo:

Shiren The Wanderer: The Mystery Dungeon of Serpentcoil Island

Publisher:

Spike Chunsoft

Desenvolvedora:

Spike Chunsoft

Plataformas Disponívies:

Nintendo Switch

Nota: 9

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge