Crítica – SIGNALIS é um horror cósmico que se instalou na minha cabeça

Por Arthur Tayt-Sohn

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge

SIGNALIS chamou minha atenção desde o seu anúncio e me deixou intrigado quando experimentei a demo dele, liberada meses atrás. Desenvolvido pela rose-engine, estúdio formado por apenas duas pessoas, e publicado pela Humble Games, que vem se destacando ao lançar jogos interessantíssimos, SIGNALIS se inspira em clássicos do survival horror dos anos 90.

Mas não basta apenas homenagear clássicos para se destacar, certo? Descubra agora na minha análise se SIGNALIS consegue se sustentar sozinho como um bom jogo.

Acorde

O jogo se inicia dentro de uma pequena nave, onde sua protagonista Elster desperta de sua criostase e se depara com sua embarcação totalmente vazia, em um aparente acidente. Elster é uma Replika, androides humanoides projetados para ajudar a Nação de Eusan em diversas atividades domésticas, administrativas e militares.

Sua parceira de viagem, Alina Seo, está desaparecida e então Elster decide sair da nave e investigar uma instalação governamental em busca de pistas de Alina. Ao contrário de Elster, Alina é uma Gestalt, uma humana cidadã de Eusan.

Você rapidamente descobre que algo aconteceu e a instalação está praticamente vazia. Além de alguns poucos sobreviventes, androides deformados e descontrolados tentam matar qualquer um que esteja vivo, inclusive você.

Seu objetivo então deixa de ser somente encontrar Alina, mas também será sobreviver e talvez descobrir o que aconteceu. Uma premissa de certa forma já clichê em jogos survival horror, mas que ao longo do jogo apresenta características próprias, como veremos a seguir.

Um clássico survival horror

SIGNALIS se inspira nos clássicos do gênero, como Resident Evil e Silent Hill, em suas mecânicas básicas. Bom, ele é um survival horror em essência. O que significa que você precisará avançar gerenciando seus escassos recursos e resolvendo quebra-cabeças pelo caminho.

Fãs do gênero se sentirão familiarizados com a maioria das mecânicas e das decisões de design. Inventário limitado, decidir quando lutar ou quando poupar munição e resolver quebra-cabeças que exigem que você utilize conhecimento lógico ou que consiga encontrar dicas pelo caminho.

Começando pelo inventário, ele é bastante limitado. Você tem 6 slots que precisa gerenciar entre armas, munições, itens chave e acessórios que você encontrará pelo caminho. Eu confesso que achei o inventário extremamente limitado. A justificativa para essa limitação é ainda mais estranha, mas comentarei sobre isso quando abordar a história do jogo.

Um exemplo, em um determinado momento do jogo você encontra um acessório para Elster que poderia perfeitamente não ocupar espaço no inventário. E ele se tornará algo essencial durante boa parte do seu gameplay. Ou seja, você efetivamente terá 5 slots. Se contarmos que você usará uma arma e um pacote de munições, teremos 3 slots livres para dividir entre itens de cura e objetos chave para avançar no jogo.

Em um determinado ponto do jogo, eu precisava inserir 6 chaves em uma porta. Ou seja, eu precisaria voltar diversas vezes e inserir as chaves que encontrei pelo caminho ou então encontrar todas, guarda-las no já tradicional baú dos survival horror, e depois ir somente com elas até a porta.

Em alguns pontos do jogo, você encontrará mais de um item chave no mesmo local, o que acabou me forçando a fazer um vai e vem para buscar itens. É importante destacar isso porque isso pode ser visto por alguns como um grande problema, mas na verdade é uma decisão de design bastante típica de clássicos de survival horror. Portanto, estejam avisados que você irá ir e voltar bastante nesse jogo.

E isso nos leva ao combate. Assim como é comum no gênero, esse não é um jogo de tiro. Por mais que você tenha a disposição algumas armas, você precisa gerenciar o espaço no seu inventário para carrega-las, além de gerenciar sua munição.

Isso exige decidir em quais momentos lutar e em quais momentos simplesmente ignorar ou desviar dos inimigos. E isso se torna ainda mais importante porque os inimigos do jogo não morrem definitivamente, mas revivem após algum tempo.

E aí temos alguns conceitos interessantes aplicados no jogo: quando evitar combates, gerenciar a sua mira, finalizar e queimar corpos dos inimigos. Irei começar pelas mecânicas da mira, finalização e da queima de corpos.

Como a munição é limitada no jogo, você precisa saber economizar. E aí entra a mira do jogo. Mirando no inimigo, você pode esperar algum tempo para que ela se estabilize em um ponto vital, causando mais dano e exigindo menos tiros para derrubar os inimigos. A partir daí você pode usar um golpe finalizador de curta distância para executá-los instantaneamente.

Mas como foi dito anteriormente, os inimigos não morrem. Isso porque Replikas possuem uma proteção metálica que mantém seus “órgãos vitais” protegidos. Após algum período de tempo, eles conseguem se reanimar.

Para resolver esse problema, SIGNALIS apresenta uma nova mecânica: a queima de corpos. Você encontrará alguns objetos inflamáveis, escassos como todos os outros recursos, que podem ser utilizados para executar de maneira definitiva os inimigos.

E como todos os recursos do jogo, é preciso administrar corretamente o uso deles. Sabendo que você precisa ir e voltar diversas vezes em alguns pontos do mapa, seria mais interessante ignorar os inimigos em salas que você só acessará uma vez e incendiar inimigos nos locais onde você passará mais vezes.

É uma mecânica que conversa muito bem com a construção de mundo do jogo. Em um jogo mais linear, não faria sentido a existência dessa mecânica, mas se tratando de um survival horror que exige uma exploração não-linear, faz todo sentido.

Você também pode simplesmente ignorar alguns desses inimigos. Alguns estarão distraídos demais para perceber sua aproximação, se você se mover de forma mais cuidadosa. Ou então grupos de inimigos em salas amplas onde você pode simplesmente desviar de todos eles.

A rose-engine conseguiu entender muito bem como funciona um survival horror e mesmo o jogo possuindo uma visão isométrica, SIGNALIS consegue reproduzir bem o clima de horror. Para resolver a questão da câmera isométrica, o jogo conta com uma baixa visibilidade, uso de sombras para ocultar inimigos, efeitos sonoros simulando “jumpscares” e inimigos que podem ficar escondidos no ambiente, como abaixo do chão.

Os quebra-cabeças do jogo são criativos e desafiadores na medida certa. Eles não subestimam sua inteligência sendo estúpidos demais, mas também não são absurdamente difíceis. Será preciso ler alguns documentos, encontrar chaves, combinar itens e resolver alguns enigmas.

Em alguns pontos do jogo eles podem ser um pouco cansativos pela quantidade de itens que exigem que você possua para iniciar a descoberta dos enigmas. E isso aliado ao seu inventário bastante limitado, que vai exigir que você volte diversas vezes para coletar itens, pode tomar algum tempo a mais.

Mas são momentos bastante pontuais em que isso ocorre e não estendem o jogo além da duração que ele deveria ter, o que não o torna cansativo. Lembrando, é um survival horror e é normal que esses jogos exijam um pouco mais de tempo em exploração e solução de enigmas.

E acredite, os enigmas do jogo são muito fáceis de entender se comparados à história de SIGNALIS, que discutirei a seguir.

Talvez esse seja o inferno

A bagagem que a rose-engine traz como inspiração para SIGNALIS é bastante rica e diversificada. Os desenvolvedores citam a literatura de horror cósmico, como Lovecraft. Uma das inspirações não citadas nominalmente, mas que aparece no jogo, é Robert Chambers, uma grande inspiração para Lovecraft, Neil Gaiman, entre outros.

Além da literatura, o jogo se inspira em filmes de Stanley Kubrick e David Lynch, além dos animes de Hideaki Anno, autor de Evangelion. Vale citar que a narrativa do jogo, além das obras citadas anteriormente, me lembrou Returnal, da Housemarque e também Nier:Automata, um dos meus jogos preferidos da vida. Essa bagagem por si só já me deixou muito mais interessado no jogo.

É importante dizer de antemão que SIGNALIS é propositalmente confuso. Você não tem um narrador te explicando a história e tudo que você aprende sobre o que está acontecendo é por meio de documentos, algumas cutscenes animadas e poucos diálogos.

O que se sabe logo de cara é que o jogo se passa em um futuro distópico, onde a humanidade colonizou outros planetas. Eusan é um regime autoritário que está em conflito contra um Império. Durante nossa exploração nas instalações, vemos muitos cartazes de propagandas políticas do regime, bem como orientações sobre como educar seus cidadãos.

É comum que obras de horror cósmico possuam narrativas interpretativas e que muitas vezes deixam mais perguntas que respostas. E é exatamente dessa forma que SIGNALIS desenvolve a sua história.

Conforme você avança no jogo, além das monstruosidades que encontramos pelo caminho, típicas desse gênero que exploram criaturas grotescas que mesclam aparência alienígena e mutações, vemos sendo abordados temas como perda de identidade, solidão, loucura, opressão e, claro, medo do desconhecido.

SIGNALIS além de tratar do horror propriamente dito, traça paralelos do seu mundo com comentários sociais e filosóficos do nosso mundo. Por exemplo, a narrativa do jogo está intimamente ligada com o regime em que vivem os personagens. Ou seja, a perda de identidade e individualidade dos personagens é representada tanto nos eventos sobrenaturais como nas questões políticas que são tratadas no jogo.

Em SIGNALIS isso funciona muito bem justamente por se tratar de um videogame. Lembram que eu me recordei de Returnal e Nier:Automata enquanto jogava? Alguns dos recursos narrativos e game design utilizadas nesses dois jogos são aplicados aqui também. Múltiplos finais e fator de rejogabilidade desempenham um papel fundamental na construção do horror cósmico narrado.

Os desenvolvedores da rose-engine distorcem a realidade no jogo, fazendo com que o jogador até mesmo se questione se um ou outro detalhe dele não era outro. Essa imagem que você viu, não era diferente antes? Estou passando por esse local de novo? Por que esse lugar parece que não deveria estar aqui?

Isso me rendeu um bom tempo rejogando, relendo os documentos coletados, que felizmente são arquivados e facilmente acessados no menu, e longas conversas com outros reviewers para tentar encaixar as peças da narrativa de SIGNALIS.

Se eu consegui? É claro que não. A cada resposta eu tinha mais duas perguntas a serem feitas e durante vários e vários dias o jogo se alugou na minha cabeça, me forçando até a estudar referências literárias e políticas utilizados no jogo. Isso me rendeu a compra do livro O Rei de Amarelo e discussões com marxistas a respeito da República Democrática da Alemanha, mais conhecida como Alemanha Oriental.

Isso porque como citei anteriormente, SIGNALIS é, além de um horror cósmico, um comentário social. A estética retrofuturista brutalista é inspirada em países socialistas, nesse caso mais específico a RDA. Inclusive não é difícil notar que a bandeira de Eusan é muito parecida com a bandeira da Alemanha Oriental.

Os comentários sociais soaram estranhos para mim inicialmente. A narrativa deixa clara a existência de centros de reeducação e logo no começo vemos um ambiente de total vigilância, propagandas políticas e documentos censurados, como livros.

E ao longo do jogo somos apresentados a esse regime que limita a liberdade individual dos seus cidadãos bem como censura arte. Os Gestalt, os civis humanos, são educados coletivamente e afastados de convívio familiar e de atividades artísticas.

O que é estranho, visto que não encontrei evidências de que algo do tipo tenha de fato ocorrido na RDA. Pelo contrário, buscando referências literárias encontrei relatos de que a RDA, após a Segunda Guerra, promoveu o resgate de artistas que foram censurados pelos nazistas anos antes. E como esquecer da Bücherverbrennung, a queima de livros promovida pelos nazistas?

Se lembram que eu citei que a narrativa explica o inventário limitado do jogo? Bem, um dos documentos-tutoriais do jogo explica que devemos carregar apenas 6 itens pessoais, visto que, segundo o próprio jogo, “propriedade privada é um privilégio”.

Esse conceito vem de uma interpretação equivocada de propriedade privada, que seriam as propriedades dos meios de produção, enquanto nossas propriedades de uso pessoal e individual são propriedades pessoais, e não privadas.

E durante diversos trechos do jogo encontramos discursos que são associados a esse regime de inspirações socialistas, mas que podemos encontrar facilmente ocorrendo em regimes fascistas, ou seja, regimes totalmente opostos.

Podemos então entender um jogo com ótima narrativa de horror cósmico, se você gosta de uma narrativa que vai te deixar mais confuso do que esclarecido, mas com comentários sociais equivocados. Não é um problema quando um jogo tece comentários sociais, pelo contrário. Jogos como manifestações artísticas são excelentes para isso. O problema é que SIGNALIS faz isso se baseando em conceitos equivocados ou distorcidos.

Evidentemente isso não prejudica a narrativa em si, mas vale comentar visto que eu costumo ficar atento aos subtextos e mensagens incluídos em jogos.

O horror é lindo

SIGNALIS é um ótimo exemplo de como aproveitar uma estética retrô em jogos atuais. O mundo do jogo é moldado com excelência mesclando pixel art com estética low poly.

A rose-engine representou a arquitetura brutalista, bastante utilizada nos países soviéticos, mesclado com um uma estética retrofuturista de forma muito bonita e coerente. O horror cósmico é representado em seus inimigos e em alguns trechos do jogo, com ambientes inspirados nessa estética.

Também são notáveis as inspirações estéticas em obras japonesas, como Evangelion, de Hideaki Anno e Blame!, de Tsutomu Nihei. As inspirações passam pelo design dos personagens, o horror corporal (body horror), bastante presente nas obras de Nihei, e também na direção de algumas cenas.

A inspiração na obra de Hideaki Anno fica muito clara em algumas cenas onde são apresentadas imagens passando na tela como slides, algumas vezes com imagens representando memórias e eventos, outras vezes com frases que parecem dialogar com a personagem.

Essas cenas são comuns no anime Evangelion, onde normalmente representam diálogos internos do protagonista Shinji Ikari, utilizando recursos como distorções de imagens, imagens de lembranças do personagem, etc. Esse recurso é utilizado para expressar o que acontece dentro da cabeça da personagem, mostrando  suas memórias e conflitos aparecendo de forma embaralhada na tela do espectador.

A inspiração em Evangelion fica ainda mais evidente no último arco do jogo, em toda a estética que envolve um dos personagens e em cenas subsequentes. Uma outra cena que também me chamou atenção envolve a utilização de um trem, um recurso narrativo simbólico também utilizado por Hideaki Anno.

O jogo ainda conta com algumas cutscenes animadas, bem no estilo anime, que evidenciam mais ainda essas inspirações. É curioso como os desenvolvedores se inspiram em tantas obras e mídias diferentes e executam tudo de forma bastante coesa no jogo.

SIGNALIS é belo e grotesco, por mais incoerente que possa parecer essa afirmação. Talvez o apelo nostálgico para jogadores que viveram os anos 90 tenham me influenciado de certa forma. A lembrança da estética das fitas VHS, dos antigos computadores, a ambientação low poly que me lembra os jogos do Playstation 1, me trouxeram agradáveis lembranças.

O jogo acaba sendo um grande fanservice de nostalgia para nós que já passamos dos 30 anos. O que não quer dizer que jogadores mais novos não vão gostar. Por mais que utilizem de estéticas retrô, é tudo feito com muito capricho e detalhes, aproveitando os recursos mais modernos que temos hoje.

A estética dele conversa muito bem com a narrativa e as mecânicas. Você sente que aquele mundo é ameaçador, a visibilidade é baixa, a utilização de luz e sombras é inteligente. Um ambiente mais escuro pode ter um inimigo escondido, limitar sua visibilidade ao ponto de você não perceber um inimigo surgindo de surpresa.

O body horror representando a decadência daquelas formas de vida e a distorção do próprio mundo, ambientes grotescos e ameaçadores, ao mesmo tempo que apresenta ambientes bonitos e decorados, demonstra uma grande bagagem criativa dos desenvolvedores.

A direção de som do jogo também é fundamental para o clima de survival horror do jogo. São muitos momentos de quase silêncio, interrompidos por alguns gritos de inimigos, que iniciam uma música ameaçadora.

Além de acompanhar o clima, também faz parte das mecânicas do jogo. Um dos recursos que possuímos é um rádio que é utilizado em quebra-cabeças e até mesmo em combate, de forma bastante criativa.

Um dos inimigos do jogo transmite ruídos e prejudica tanto sua visibilidade quanto sua audição. Para que ele seja derrotado, você precisa sintonizar seu rádio em frequências específicas, ao mesmo tempo que acaba com o sofrimento da pobre Replika.

Talvez isso seja o Inferno

SIGNALIS foi uma grata surpresa e um dos indies que mais gostei de jogar esse ano. Seu horror cósmico fascina tanto pela estética quanto pela narrativa. Indo na contramão de roteiros cada vez mais simplistas e mastigados, o jogo apresenta uma história que responde poucas perguntas.

Os desenvolvedores da rose-engine também aproveitam o potencial da mídia dos videogames para aplicar recursos narrativos que seriam mais difíceis de aplicar em filmes ou livros, o que reforça o potencial dos jogos não só como entretenimento, mas como uma manifestação artística legítima.

Sinto que o jogo ainda guarda alguns segredos que podem ajudar a desvendar mais da história e com seu lançamento e eventualmente mais pessoas discutindo sobre ele, eu talvez consiga ter mais respostas. E provavelmente mais perguntas também?

Se você curte esse gênero literário, vale muito a pena conferir SIGNALIS. Eu também recomendo para fãs de survival horror clássicos, mesmo que não estejam habituados com o horror cósmico. É uma excelente forma de conhecer o gênero.

Nome do jogo:

SIGNALIS

Publisher:

Humble Games

Desenvolvedora:

rose-engine

Plataformas Disponíveis:

PC