Crítica – Sword and Fairy: Together Forever é um mergulho na mitologia chinesa e na literatura xianxia

Escrito por Arthur Tayt-Sohn
Crítica

Sword and Fairy: Together Forever é o nono jogo da franquia The Legend of Sword and Fairy. Apesar de ser uma franquia longa, por muito tempo ela foi pouquíssima conhecida no ocidente, visto que ficou restrita por anos ao mercado chinês e começou a ser localizada para inglês não faz muito tempo.

Conheci a série, e algumas outras franquias populares chinesas, faz pouco mais de um ano e fiquei bastante curioso sobre um mercado que pra mim era uma incógnita até então. Com Together Forever pude me aprofundar um pouco e comento aqui sobre minha experiência.

Os mundos de Sword and Fairy

Nos jogos da franquia, humanos, demônios e deuses coexistem em mundos distintos. Assim como nos jogos anteriores, em Together Forever essa coexistência ainda existe. Raramente há interação entre esses seres. Da última vez que eles se encontraram, houve uma guerra chamada de Guerra das Três Raças.

Após incalculáveis baixas de todos os lados, ficou definido pelos Três Imperadores que não deveria haver mais guerras entre as raças. Qualquer um que descumprisse esse acordo de paz seria severamente punido.

O jogo dá início no Reino dos Demônios, onde a divindade Xiu Wu está à caça de traidores da raça demoníaca que desejam retomar os conflitos. Após um encontro com o Lorde Demônio Chonglu, Xiu Wu é derrotado em batalha e banido para o reino dos humanos.

Após esse incidente, o jogo nos apresenta Yue Qingshu. A protagonista do jogo é uma praticante de um tipo de domesticação de espíritos. Ela vive com seu avô em Mingshu Sect, onde os praticantes dessa arte, chamada cultivo espiritual, estudaram durante anos, antes do declínio do Sect.

Ao retornar para Mingshu, Qingshu avista uma criança sendo levada por uma gigantesca ave e parte em busca de seu resgate. Após uma breve apresentação, uma mulher demônio tenta sequestrar a criança, chamada Ziqiu, mas é impedida por Xiu Wu.

Após essa sequência de eventos, podemos dizer que a história então dá o seu ponto de partida para a aventura de Yue Qingshu e Xiu Wu.

Um action RPG mediano

Irei começar discutindo o ponto que menos me agradou no jogo: o combate. Mecanicamente falando, o jogo é um action RPG que lembra muito um MMO.

O seu grupo terá um total de quatro jogadores, sendo mais dois personagens que você encontrará eventualmente na história. Você pode utilizar comandos como ataques fortes, fracos, esquiva e pulo. Também é possível utilizar habilidades, ativadas com o R2 e mais o botão que você designar para a habilidade.

Os personagens podem ser alterados utilizando o L2 e o botão correspondente do aliado desejado. O jogo tenta equilibrar as funções de cada personagem, sendo dois personagens de ataque físico principalmente, com Xiu Wu sendo o mais resistente. Os dois personagens restantes são uma maga e um arqueiro que também possui habilidades que causam efeitos especiais nos inimigos. Basicamente um típico grupo de RPG de fantasia.

O combate em si não apresenta muita complexidade e poucos desafios. Também não é dos mais polidos, sendo um pouco difícil entender o alcance de alguns ataques e animações dos inimigos. Apenas um boss do jogo me rendeu algumas mortes, mas quando eu encontrei a estratégia mais confortável pra mim foi bastante tranquilo de vencer.

Em boa parte do jogo você vai se sentir fazendo uma raid de um MMO. Muitos ataques básicos, habilidades para limpar grupos de inimigos, se curar e assim sucessivamente. É visível a inspiração em MMO’s e outros action RPG’s que são muito populares na China.

Raramente precisei de alguma estratégia para vencer os inimigos, sendo mais comum apenas usar a esquiva ou pular por cima de algum ataque rasteiro. Vale destacar alguns pontos que também me incomodaram bastante: a inteligência artificial problemática dos aliados e a inconsistência dos picos de dificuldade.

Não temos como definir estratégias ou comandos para eles, como ocorre em outros RPG’s ativos em grupo. A única forma de definir um comando para os aliados é controlar eles manualmente. As vezes eles mais atrapalham do que ajudam.

A dificuldade dos combates também é inconsistente. O jogo como um todo não é difícil, mas podem ocorrer alguns picos de dificuldade incoerentes e você ser trucidado por inimigos comuns ou algum ataque hit kill aleatório de um boss.

Isso sem contar alguns bugs que ocorreram eventualmente, mas vou falar mais sobre isso posteriormente.

O jogo conta também com um sistema simples de equipamentos onde sinceramente quanto mais status de ataque ou defesa ele possuir, melhor. Não há nenhum incentivo para experimentar builds ou coisa parecida.

Como uma cultivadora espiritual especializada em domesticar espíritos, Qingshu terá a ajuda de alguns seres espirituais que, além de liberar novas habilidades em combate, podem também subir de nível e fornecer habilidades passivas, como aumentar seu dano, defesa, etc.

Um bom conto de fantasia e mitologia chinesa

A China conta com uma tradição mitológica e literária que data de milênios. Lembremos que os chineses foram um dos primeiros povos a dominar a arte da escrita, sendo uma atividade extremamente importante para o país.

Com isso, existem inúmeros registros de lendas, tradições filosóficas e religiosas e literatura, compondo um vasto e rico material. Sword and Fairy se apoia nesse patrimônio cultural para contar a sua história.

A história gira em torno de, além dos protagonistas, mais dois amigos de Qingshu que eventualmente se juntam ao grupo: Sang Yo e Bai Maoqing. Yo é um arqueiro e especialista em venenos e antídotos, enquanto Maoqing estuda uma outra vertente das artes espirituais focada em magia. Seu Sect é Xianxia, que ao longo dos anos se tornou aliado de Mingshu.

A narrativa do jogo se baseia no gênero literário xianxia. Esse gênero tem semelhanças com o wuxia, que é mais popular por aqui no ocidente e muito influenciado por artes marciais. O xianxia, por outro lado, apesar de compartilhar a influência das artes marciais, possui um foco maior em fantasia e é bastante influenciado pela mitologia chinesa, taoísmo, budismo e religião.

Enquanto a narrativa como um todo é relativamente simples, sendo fácil decifrar o plot principal depois de algum tempo de jogo, ele conta com certas particularidades que vale a pena elogiar.

Por ser fortemente influenciado pelo taoísmo, o equilíbrio entre todas as coisas é um assunto central no jogo. O maniqueísmo típico de história de bem contra o mal é deixado mais de lado, enquanto se discutem as motivações de cada indivíduo e seus feitos em vida.

Sendo um gênero literário clássico e romântico, é comum vermos poemas sendo recitados durante o jogo. A presença de romance também acrescenta na narrativa, mas com um detalhe interessante para a quantidade de amores trágicos.

Um pequeno arco que achei interessante fala sobre um casal, formado por uma deusa e um demônio, que acabam por se sacrificar para impedir que uma tragédia ocorresse com os moradores próximos de onde eles se esconderam.

O casal precisou se esconder porque o amor é estritamente proibido entre os deuses, sendo um tabu ainda maior quando é entre um deus e um demônio. E isso leva a uma reflexão sobre leis tão estritas que acabam por trazer tragédias para inocentes. Infelizmente tanto esse arco quanto outros arcos que não fazem parte do plot principal do jogo são muito pouco desenvolvidos, sendo uma chance perdida de desenvolver mais a mitologia do jogo.

Além da relação entre os deuses, demônios e humanos, o jogo nos apresenta diversos espíritos que fazem parte da mitologia. Seu papel no jogo está intimamente ligado com preceitos filosóficos do taoísmo, como os cinco elementos.

Um ponto do jogo que pode incomodar alguns é o ritmo de desenvolvimento da história. É comum que você tenha alguns poucos minutos de combate e depois longas sequências de diálogos e cutscenes que podem durar mais de quinze minutos. E não são raros esses momentos em que tive uma curta gameplay e logo em seguida recebi uma longa sequência de diálogos e cutscenes.

É um jogo focado em narrativa, então ele pode acabar parecendo uma visual novel com elementos de combate. Acabou não sendo um problema pra mim porque eu fiquei muito mais interessado na história do que no combate em si.

A narrativa só é prejudicada pela localização dos textos em inglês, que deixa a desejar. Estamos falando de um jogo que lida com um gênero literário que pode ser complexo, com poesia e conceitos filosóficos que precisam de uma localização perfeita, na minha opinião.

Em alguns pontos foi difícil entender alguns diálogos e instruções do jogo. Reparei também que em alguns textos foram feitas traduções literais, ignorando o contexto da cena. Fora algumas traduções que acabaram ficando engraçadas, como uma habilidade de trovão do espírito Qiaoling que foi traduzida como “Twitter Thunder”. Impossível não associar com a rede social.

Não chegou a prejudicar muito, o entendimento da história foi ok, mas pra quem é devorador de lore isso pode prejudicar. Até porque o jogo conta com uma enciclopédia contendo bastante informação do mundo do jogo, sendo seu aproveitamento um pouco prejudicada pela localização.

É difícil dizer se o tipo de narrativa vai agradar o público em geral. O jogo se utiliza de um gênero literário bem específico, mas eu recomendo pelo menos dar uma chance para conhecer. É uma mitologia fantástica e que não temos tanto contato assim nos videogames.

Uma excelente experiência visual e sonora

O ponto mais forte do jogo certamente é sua apresentação visual e sonora. É possivelmente um dos jogos com estilo artístico mais interessante que eu joguei em muito tempo. E a trilha sonora varia entre o aconchegante e o épico.

Começando pela parte visual, o detalhe dos personagens é fascinante. O cuidado com a caracterização de cada um e como eles representam suas origens é incrível. E não digo pelo grau de realismo, mas pelo cuidado com a estética e os detalhes.

As vestimentas dos personagens contam com cores vibrantes, detalhes em bordado e acessórios diversos, tudo animado de forma competente. É muito bonito ver Xiu Wu correndo com seu elegantíssimo traje se movimentando naturalmente.

Naturalmente nem todos os modelos do jogo são tão bem trabalhados, até porque seria um trabalho quase inviável para os padrões do jogo, mas todos os personagens principais e alguns secundários contam com visuais incríveis.

E além dos trajes, os visuais do ambiente também são muito bonitos, destacando principalmente a arquitetura das principais localidades do jogo. Os Sects contam com belíssimas estruturas muito bem detalhadas e bastante distintas entre si. Cada um desses locais é único.

Pagodas, estátuas, halls e altares magníficos, tudo é muito bem trabalhado e detalhado, com belíssimas cores. O trabalho dos desenvolvedores com a ambientação dos Sects e cidades merece todos os elogios.

Já as dungeons não tem o mesmo nível de detalhes, sendo bem simplórias na verdade. Como se estivessem ali só porque você precisa passar por aquele local e matar alguns monstros. Próximo ao final do jogo há uma dungeon que leva pra uma cidade e a diferença na qualidade da ambientação é gritante, sendo a cidade impressionante, ao contrário da dungeon que é bastante genérica.

Com tanta qualidade quanto os visuais, a trilha sonora do jogo é muito prazerosa de se ouvir. Sou suspeito pra falar, porque sou apreciador de música tradicional chinesa, mas a qualidade da trilha sonora do jogo impressiona.

A trilha de abertura do jogo dá uma sensação de nostalgia inexplicável e durante o jogo iremos ouvir diversas músicas bem distintas, algumas mais calmas e relaxantes e outras mais épicas, principalmente em momentos de tensão.

É difícil explicar em palavras, então recomendo fortemente ouvir. Toda a trilha sonora é facilmente encontrada no Youtube.

Bugs e desempenho

Sword and Fairy originalmente foi lançado para o PC, sendo esse um port para o PS4 e PS5. Eu joguei a versão PS5 e tive problemas pontuais de desempenho. Não tive quedas de quadros perceptíveis no gameplay, mas houveram alguns congelamentos.

Em dois ou três momentos de cutscenes a minha taxa de quadros despencou. A ponto da legenda e do áudio finalizarem enquanto a imagem estava com um atraso imenso. E terminando os diálogos a cena simplesmente encerrava e eu não conseguia ver a cutscene inteira.

Logo no começo do jogo a tela ficou toda preta e só consegui ouvir o áudio. Não me prejudicou em nada porque eu já tinha jogado esse comecinho de jogo no PC, então não precisei voltar pra entender o que aconteceu.

Quanto aos bugs, a maioria deles ocorreu com inimigos e meus aliados, com eles ficando presos em alguns lugares ou simplesmente aparecendo do nada na minha tela.

O bug mais grave que eu tive provavelmente foi no penúltimo chefe. Quero dizer, não pode ter outra explicação pro fato de eu não ter tomado nenhum dano do boss que não seja um bug do jogo. Esse mesmo bug continuou até a metade do último boss, mas depois voltou ao normal. Descobri isso da pior maneira possível, tomando um hit kill.

Uma fascinante jornada

O saldo da minha experiência com Sword and Fairy: Together Forever foi bastante positivo. Apesar do gameplay que recicla muitas mecânicas já existentes e não as executa tão bem, o jogo compensa pela sua história interessante e sua experiência visual e sonora.

Apesar do plot principal se tornar previsível no meio do jogo, o desfecho dele ainda conseguiu me surpreender.

Como é o primeiro jogo da franquia que eu jogo, não tenho parâmetros para dizer se o jogo evoluiu com relação aos seus antecessores. Mas é uma interessante adição à biblioteca de jogos do Playstation, que vem se aproximando do mercado chinês já há algum tempo.

Vejo um grande potencial para a exploração da mitologia fantástica chinesa e de sua literatura. O jogo destaca a competência dos desenvolvedores em apresentar um estilo artístico tão único e bonito, sendo necessário se encontrar melhor no desenvolvimento de um gameplay e mecânicas mais polidas.

A trilha sonora até o momento é uma das melhores do ano pra mim e provavelmente vai ficar na minha cabeça por um bom tempo.

Com seus erros e acertos, Sword and Fairy: Together Forever foi uma ótima oportunidade para conhecer um jogo e a cultura de um país que até então eu não tinha experimentado com profundidade e certamente pode ser uma porta de entrada para uma cultura fascinante.

E a distribuidora também conseguiu me deixar apaixonado por essa edição física de colecionador. Caso alguém da Eastasiasoft esteja lendo esse artigo, minha casa está pronta pra receber essa coleção de presente.

Ah, e se você quer conhecer mais sobre RPG’s chineses, lançados desde os anos 80, recomendo esse artigo do brasileiro Felipe Pepe, clicando aqui.

Nome do jogo:

Sword and Fairy: Together Forever

Publisher:

EastAsiaSoft

Desenvolvedora:

Softstar

Plataformas Disponívies:

PC, Playstation 4, Playstation 5

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge