Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge
O arco de Erebonia, que durou entre Cold Steel (2013) e Reverie (2020) no Japão, foi desgastante, tanto para a série quanto para os jogadores, goste você ou não desse arco. Felizmente acabou, agora após quase uma década, a série Trails respira novos ares com Trails through Daybreak.
The Legend of Heroes: Trails through Daybreak enfim chega ao ocidente após quase 3 anos do seu lançamento original com um novo elenco, novas localidades, um sistema de combate relativamente diferente e uma nova engine. O jogo é o primeiro do arco de Calvard, o décimo da franquia Trails e dá início a segunda metade da série, que comemora 20 anos em 2024.
O protagonista da vez é Van Arkride, um Spriggan, que aceita trabalhos de todos os tipos e de qualquer um, contanto que não ultrapassem a área cinzenta. Van então recebe a visita de Agnès Claudel, uma estudante que está a procura de um objeto de seu bisavô, mas por certas razões não pode pedir à Polícia ou a Guilda, então decide recorrer à Van.
Vou adiantar logo: essa é a terceira vez que jogo Daybreak, agora com localização oficial. Não apenas é meu jogo favorito da série, desbancando Trails to Azure e Trails in the Sky the 3rd, como é um dos meus favoritos da vida e isso é muito por conta de seu elenco e temas mais maduros e bastante relevantes para os dias atuais. É um refresco que eu e, principalmente, a série precisava, em todos os aspectos.
Outra coisa que é bom destacar pois sempre há esse papo: “dá para começar por esse jogo?” Bom, não vou mentir e perdão por ser gatekeeper. Por mais que ele funciona por si próprio, o jogo referencia diretamente coisas dos jogos passados, tem personagens antigos aparecendo adoidado e eu posso dizer que a sequência do jogo consegue ser pior ainda nesses aspectos. Entre os jogos “1”, tirando Sky FC, por ser o começo, a melhor porta de entrada é o primeiro Cold Steel. Enfim.
Quando você vê alguém falando “x coisa é ótima pois é mais madura”, normalmente sempre vai pro lado do “edgyzão” da coisa, porém, aqui não temos isso, apesar de termos cenas mais pesadas aqui e ali, a parte madura vem de seus temas.
Trails sempre foi uma série com temas progressistas, mas ao mesmo tempo que ela não ia além da superfície, ela também estereotipava muito ao ponto de chegar a ofender, (cof cof Angelica, cof cof). O problema de Calvard com imigrantes é algo estabelecido desde os primeiros jogos, em especial Azure, mas somente agora que pisamos no lugar em si, vemos como a praga do racismo afeta a região inteira. Muito desse amadurecimento vem de Van, o nosso protagonista.
Van é um personagem bem interessante e, diferentemente dos anteriores, aqui temos alguém mais velho e relativamente mais vivido, nos altos dos seus 24 anos (um ancião em termos de histórias japonesas). Existe um ar misterioso sobre ele, sobre seu passado e aos poucos vamos descobrindo o que aconteceu com Van para chegarmos até então, logo no começo você já sente que “esse cara é muito foda”.
Dá para traçar diversos paralelos entre Van e Gintoki, do anime Gintama, e certamente é por causa disso que nas primeiras cenas Van já se tornou o meu protagonista favorito da série.
A dinâmica entre os membros da Arkride Solutions Office é perfeita. Em Cold Steel era muito difícil de me conectar com os personagens, tirando uns aqui e ali, como o Jusis (de longe o melhor boneco daquela turma) algo que mudou um pouco com a New Class VII em Cold Steel III, mas nada muito além de um simples “ok, eu não quero que eles explodam logo”. Van e Aaron estrelam o melhor “bromance” da série e até mesmo personagens não muito explorados nesse jogo tem o seu valor. É um sentimento muito parecido que eu tive com a S.S.S.
Falando em de uma maneira genérica e básica, por motivos de spoilers, o enredo principal do jogo envolve ir atrás dos Octo-Geneses, o MacGuffin do arco, e impedir que a Almata, uma máfia e principal antagonistas do jogo, toque o terror em Calvard.
A Almata é um dos melhores grupos de vilão da série. Gerard Dantès é um excelente personagem, suas ações tem peso, você nunca sabe o que pode vir a seguir. Trails tinha essa lacuna de ter bons vilões, desde Weissman em Sky que não havíamos alguém REALMENTE maléfico.
A República de Calvard reflete bem seu tema de imigração, é uma mistura de culturas e regiões do mundo real. Edith, a capital, é basicamente Estados Unidos com elementos da França, por exemplo. Temos Langport, uma cidade de tema oriental, Tharbad, que é inspirada em Dubai e por aí vai. Edith é um ótimo hub e seus NPCs são fantásticos. A ronda de NPCs sempre foi algo que se destacou em Trails, eles tem as suas próprias rotinas e storylines, não apenas refletem o que está acontecendo na trama principal.
Daybreak optou por seguir a linha de Ys IX: Monstrum Nox, onde nem todos os NPCs tem diálogos e para mim foi uma ótima escolha. Inclusive uma das qualidades de vida tem a ver com NPCs, sempre que eles não tem mais o que dizer, o ícone de talk fica cinza e o ponto dele no mapa (algo que veio via update, pois a versão original não tinha isso) fica branco, em vez de amarelo. Dito isso, se o NPC tem conexão com sidequests, ele tem diálogos novos depois que você as completa mas o jogo não avisa.
Para aqueles que já conhecem Trails, especialmente Cold Steel, a estrutura do jogo é bem familiar: um dia na cidade principal e dois ou três dias na cidade do capítulo em si, talvez essa seja a parte mais fraca de Daybreak: é uma fórmula estagnada.
Por mais que funcione em alguns dos capítulos, em outros ela simplesmente quebra o ritmo da história. No capítulo 5, por exemplo, ele tem um conceito muito interessante, além de ser bem focado na jogabilidade, mas o seu pacing a partir do segundo dia é simplesmente horrível por nos obrigar a parar tudo para fazermos a mesma coisa que fizemos por 40 horas.
Ritmo sempre foi um dos calcanhares de Aquiles de Trails, então aqui obviamente não seria diferente e rola em diversos momentos da história. Além disso, o jogo se reutiliza de plot points de jogos anteriores, que já não foram bem vistos naqueles títulos, e de uma maneira forçada.
Entre as novidades que Daybreak traz é em seu sistema de combate. O núcleo da coisa toda ainda se mantém o mesmo, mas com algumas adições.
Primeiramente, o combate híbrido: agora não temos apenas combate em turnos, um modo de combate em tempo real foi introduzido, servindo basicamente para limpar os trash mobs do caminho. É um combo básico de três ataques, um dodge e um ataque carregado que ajuda a aumentar a barra de stun do inimigo.
O jogador pode alternar entre ação e turno a qualquer momento, com exceção de chefes que são apenas em turnos. Tudo isso sem precisar de qualquer transição. É uma adição que faz o jogo fluir melhor, é uma evolução em todos os sentidos do que foi trazido em Tokyo Xanadu, e dá para dizer que não é a única coisa que o jogo de 2015 influenciou em Daybreak.
Já no combate em turnos, como falei acima, a base ainda é a mesma e assim como todo arco novo tivemos algumas mudanças drásticas. A primeira logo de cara é quase extinção dos Master Quartz, que na verdade remodelado para Arts Drivers, que contém várias artes já selecionadas e que podem ser expandidas para a inclusão de mais artes, através de Plugins que podem ser obtidos ao decorrer do jogo e comprados em shops.
Em outras palavras, os quartz em si não lhe garantem mais artes, mas sim Shard Skills.
Aqueles que jogaram Sky e Crossbell devem se lembrar que a soma de elementos nas linhas liberavam mais artes. O sistema retornou com um outro propósito: as Shard Skills. As Shard Skills são habilidades passivas que podem lhe garantir diversos buffs debuffs, finishers, ver baús no mapa, etc, tal como alguns Master Quartz faziam nos jogos anteriores, e eles são divididos em quatro linhas. Basicamente as linhas voltaram a fazer sentido e o setup de quartz te faz pensar, novamente, algo que senti muita falta em Cold Steel, onde tudo era braindead.
Claro que não é perfeito. Foi a primeira tentativa de fazer algo novo então era de se esperar que o balanceamento não saísse tão bom assim. O jogo, mesmo em modos mais difíceis, não apresenta dificuldade, ainda mais se você explorar as Shard Skills ou apenas spammar s-crafts. Honestamente é mais difícil navegar pelos menus do que enfrentar chefes na dificuldade Nightmare. Esqueci de comentar, mas agora da para se mover durante o combate em turnos sem precisar gastar um turno para isso.
Além disso, nós temos a grande gimmick do arco: o Grendel. Em Cold Steel nós tinhamos robôs gigantes, em Daybreak temos Kamen Rider! É sério, temos até um Rider Kick aqui.
Jogar com Grendel é bastante divertido, ainda que simples. Você consegue programar até três ataques, podendo mover o boneco como quiser enquanto isso. O Grendel é um dos grandes mistérios do jogo.
OBS: usei um mod que colore as opções do LGC de acordo com o alinhamento, a versão original do jogo, assim como as de consoles, não estão coloridas.
Por fim, uma outra adição a série é o sistema de alinhamento, dividido em três atributos: Law, Gray e Chaos. Você aumenta esses atributos através das sidequests, seja ao completa-las ou escolhendo opções diferentes. É um sistema simples, que não altera o andamento do desenvolvimento do Van ou como ele age, então não venham pensando que é algo como Shin Megami Tensei da vida, pois você certamente irá se decepcionar. O alinhamento também dá a possibilidade de escolher com que facção você quer se aliar em um dos capítulos do jogo, é algo bacana, mas a maioria das informações e lore você obterá de uma forma ou outra.
Trails through Daybreak é o primeiro jogo da Falcom a utilizar a nova engine proprietária da empresa. A ideia é aqui é novamente unificar as suas IPs em um único motor gráfico e trazer uma melhoria gráfica para os jogos da Falcom. Para se ter uma noção, Ys utilizava a mesma engine de Ys SEVEN, lançado em 2009, Yamaneko, enquanto Trails, a partir de Cold Steel, e Tokyo Xanadu, utilizavam a PhyreEngine, da Sony. Uma hora ou outras essas engines chegariam em seu limite.
A nova engine da Falcom (sem nome ainda), já de cara traz um salto de qualidade gráfica, seja nos modelos, iluminação ou até mesmo nas texturas. Além de uma melhor integração com o sistema de mocap que a desenvolvedora vem utilizando desde Ys IX, que faz com que as animações em cutscenes pareçam mais naturais, diferente do que rolava em Cold Steel, onde tudo era travado.
As cutscenes agora tem um ar mais cinematográfico, muito por conta de como Van trabalha, e parece que enfim contrataram um diretor de cutscene. Os personagens também acabaram ficando bem expressivos, mas sem perder o charme Falcom.
A trilha-sonora tem acertos e erros. É meio triste notar a falta de direção de som nos jogos recentes da empresa, não culpo os compositores terceirizados, primeiro que eles não tem acesso ao contexto do jogo, e segundo é a própria Falcom que decide utilizar essas músicas e onde elas estarão no jogo. Isso aqui é algo que eu irei repetir pelos próximos dois jogos da desenvolvedora.
Sobre a localização, enquanto tenho meus problemas com escolhas de termos, títulos e apelidos, não tem como negar que está ótima. Dá para dizer que é realmente um pessoal que trabalhou na Geofront pela quantidade de “Lady Luck” e palavras em caixa alta que aparecem do nada.
Começando por Daybreak, eu decidi que PC será a minha nova casa para Falcom, após muitos anos no PS4 e 5. Muito por conta de eu ter um Steam Deck agora, onde os jogos da Falcom sempre brilham no portátil, mas também porque temos a PH3, empresa de Peter Durante, trabalhando nos jogos desde Cold Steel. São ports maravilhosos e sempre com features exclusivas.
Aqui não é diferente e é incrível saber que o port está ainda melhor do que a sua versão inicial lançada em Março de 2023, que inclusive crashava diversas vezes no meu aparelho, algo que foi consertado com o lançamento oficial. Talvez a única reclamação que eu tenho é que a fonte é um tanto pequena, algo que é comum em todas as versões do jogo, ainda mais se considerando que eu joguei 90% do jogo via portátil.
Após quase uma década, Trails respira novos ares com Trails through Daybreak. Entre muitos acertos e alguns erros, o título marca uma nova etapa na franquia, com uma história mais madura, um ótimo elenco e discussão sobre temas de extrema importância em nossa sociedade.
The Legend of Heroes: Trails through Daybreak
NIS America
Nihon Falcom
PC, Playstation 4, Playstation 5, Nintendo Switch