Crítica: Unsighted – Inspirado em clássicos, mas moderno e complexo.

Escrito por Arthur Tayt-Sohn
Crítica

Desenvolvido pelas brasileiras do Studio Pixel Punk, Unsighted é um jogo que se inspira em grandes clássicos dos anos 90, ao mesmo tempo que combina elementos de jogos mais modernos. Qual será o resultado disso?

Um mundo arruinado

O jogo se inicia em um laboratório praticamente destruído. Você desperta como Alma, uma androide que perdeu sua memória, pertencente a classe dos autômatos: seres sintéticos dotados de raciocínio e sentimentos, assim como os humanos.

Após recuperar alguns de seus equipamentos, lutar contra autômatos descontrolados e ser atacada por uma estranha criatura biológica, você foge do laboratório e encontra Iris, uma fada autômata que explica a situação da cidade de Arcadia para Alma.

Após um ataque dos humanos, a cidade foi praticamente destruída e o meteoro que contém a energia Anima, que dá consciência aos autômatos, foi aprisionado e isso tem feito todos os seres sintéticos enlouquecerem com o tempo. Esses autômatos descontrolados são chamados UNSIGHTED, e seu único propósito é caçar Anima e atacar qualquer outro autômato. Além disso, Raquel, a companheira de Alma, sumiu durante o ataque.

Após esse início de jogo que serve também como tutorial, explicando mecânicas básicas e algumas estruturas do jogo, chegamos à vila onde os autômatos refugiados estão se escondendo. Então recebemos instruções da nossa missão principal.

Explorando as ruínas de Arcadia

Na vida dos autômatos, entendemos toda a situação por completo. Por conta do aprisionamento do meteoro, o Anima está esgotando e você descobre que cada um dos autômatos da vida, incluindo você, tem um tempo limitado de energia. Todos possuem um relógio e ao chegar a zero, se tornam UNSIGHTED.

Para impedir isso, você deve coletar cinco fragmentos do meteoro, entregues pela doutora Zeferina para autômatos de confiança servirem como guardiões. Ao coletar os fragmentos, você poderá forjar a Lâmina do Meteoro e finalmente adentrar a Torre da Cratera, para recuperar o meteoro e salvar a todos.

Essa estrutura lembra o clássico The Legend of Zelda: A Link to the Past. Da mesma forma que no SNES, você irá visualizar no seu mapa os pontos onde estão todos os fragmentos. Não existe uma ordem correta para coletar os fragmentos, mas você recebe uma sugestão de rota mais fácil.

Outro item importante é o Pó de Meteoro. Com ele, você pode aumentar seu tempo de “vida”, ou oferecer a outros personagens. Com isso você pode construir uma relação com eles, ter acesso a novos diálogos e receber recompensas.

Além disso, alguns desses personagens podem vender itens ou melhorias para seus equipamentos. Dessa forma, você precisa administrar bem o pó de meteoro para entregar para aqueles autômatos mais úteis pra você, ou então o que você gostar mais e quiser salvar até o fim da jornada.

Para coletar todos esses itens importantes, você irá explorar um mapa dividido em três níveis: subsolo, superfície e nível superior. Não existe apenas uma única entrada para cada local, e explorando você irá descobrir diversas formas de acessar esses locais.

Em cada dungeon você irá encontrar novas armas e ferramentas que irão te ajudar na exploração dessa e da próxima missão. A estrutura se mantém parecida com Zelda: encontrar baús com ferramentas e chaves que permitem que você acesse a sala do chefe principal. Derrotando o chefe, você recebe um dos fragmentos.

O design dos mapas em geral é muito bem projetado. Você irá se deparar com segmentos de plataforma bem criativos, além de puzzles que exigem um pouco do seu raciocínio, mas não chegam a ser tão enigmáticos e complicados como visto em alguns jogos do gênero, como Alundra por exemplo.

Até porque o tempo é algo precioso nesse jogo e provavelmente eu teria uma crise de ansiedade se não conseguisse resolver os puzzles sabendo que algum autômato estava prestes a se tornar UNSIGHTED.

Fora esses desafios, não existe apenas uma forma de avançar nos mapas. Como a ordem de exploração não é linear, você consegue avançar nas dungeons usando diferentes ferramentas. Um exemplo é o segmento em uma dungeon que eu explorei primeiro. A princípio eu deveria usar a shuriken em tochas pelo local para queimar as raízes que bloqueavam o meu caminho.

Isso não foi necessário porque eu acabei conseguindo uma espada de fogo antes do que o “previsto” pelo jogo, por conta de um desafio bem sucedido que fiz. Então eu só precisei queimar as plantas com meu ataque básico.

Esse é apenas um exemplo de como todo o design de mapas do jogo é criativo e bem construído. O jogo te convida a explorar e descobrir todos os caminhos possíveis. O único problema nesse design é o fato de termos um tempo limitado para realizar nossa missão principal.

Mas pensando nisso, as desenvolvedoras incluíram um modo de dificuldade “exploração”, que remove esse limite de tempo e permite que você consiga explorar melhor os mapas sem grandes preocupações. Alguns locais inclusive são opcionais e apenas adicionam mais conteúdo na história ou liberam itens que facilitam sua jornada.

E como todo jogo inspirado nos bons e velhos Metroid e Castlevania, você pode retornar a alguns lugares quando conseguir novas ferramentas, para explorar um pouco mais e ter acesso a novos itens.

Sobrevivendo nesse mundo caótico

Mas é claro que não apenas de pulos acrobáticos e exploração Alma sobrevive. A autômata conta também com algumas armas corpo a corpo e a distância para vencer os desafios. A protagonista é especialista em lâminas e tem acesso a dois tipos de armas brancas: espadas e machados. Além disso, ela pode usar armas a distância como pistolas, escopetas, lança granas, shurikens, entre outros.

É possível encontrar algumas armas que possuem efeitos especiais, como armas elementais ou que fragilizam seus inimigos. Cada uma das armas possui prós e contras. Espadas são mais fracas, mas são mais ágeis e consomem menos stamina. Machados são extremamente poderosos, mas lentos e gastam muita stamina.

Entre as armas de fogo, quanto maior o poder destrutivo menos munição elas possuem. Então o lança granadas pode ser uma opção para causar muito dano, mas seu controle de munição precisará ser melhor.

Além do controle de munição, é fundamental gerenciar sua stamina, como já é clássico em jogos soulslike. Gastar toda sua energia em uma sessão de ataques irá deixar Alma cansada, lenta e fragilizada por um tempo.

O jogo possui um sistema de parry. Caso ele seja executado em um tempo certo, deixará o inimigo atordoado e o próximo ataque causará um dano crítico muito poderoso. Além do parry, você consegue se esquivar dos ataques, mas isso não deixará o inimigo vulnerável.

Dessa forma, você pode escolher o estilo de jogo que melhor se encaixar no seu gameplay. Um parry pode ser mais arriscado, mas recompensador. Ou talvez você prefira uma combinação de esquiva e ataques rápidos. Ou talvez manter distância e focar em armas de fogo. A escolha é sua.

O jogo também conta com um sistema de chips e engrenagens semelhante à Nier:Automata. Chips dão benefícios permanentes, como aumento de dano, vampirismo, mais vida, defesa, etc. Engrenagens são melhorias temporárias, mas que você pode construir em bigornas, ao coletar os projetos desses itens.

Também podem ser encontrados projetos para construir novas armas, algumas bem poderosas. Esses equipamentos são feitos coletando os itens deixados pelos inimigos, como sucata, fios, óleo de motor, etc.

Sendo assim, o jogo conta com um sistema complexo e que permite variedade de combate. Além de variado, o combate é divertido e bem polido. Tanto o hitbox dos ataques quanto o timing do parry funcionam muito bem. Eu não tive muitos problemas com relação a isso.

Só tive um pouco de dificuldade no controle da shuriken para resolver alguns puzzles e também com o gancho, que tem uma hitbox um pouco mais estranha. Em relação às ferramentas também, o jogo poderia contar com uma forma de trocar entre uma ferramenta e outra com um botão. Foi um pouco incômodo precisar pausar o jogo e trocar o equipamento diversas vezes para passar de algum trecho do mapa.

Outra situação que me deu um pouco de dor de cabeça foi realizar o parry com mais de um inimigo próximo. Por conta de um pequeno “delay” no tempo, às vezes eu perdia o timing para dar o segundo parry em outro inimigo que estava me atacando. Mas fora esses pequenos detalhes, todo o restante dos sistemas funciona muito bem.

Dito isso, a dificuldade do jogo no modo história, o padrão do jogo, é justa. Pelo menos em combates com poucos inimigos. Isso porque o dano que eles causam é um pouco forte, dependendo do inimigo. Em salas mais fechadas com um número maior de inimigos, um erro pode ser fatal.

Então não é incomum morrer mais em um segmento com muitos inimigos do que em chefes em que as batalhas são mais “duelos”. Não é algo que acontece somente com esse jogo, mas vale a pena citar.

As lutas com os chefes são bem construídas e seguem um padrão já usado em jogos soulslike. Entender os padrões de comportamento dos inimigos e achar a melhor forma de atacar. Você pode ser mais cauteloso e esperar uma abertura ou se arriscar e realizar um parry para devolver um ataque poderoso.

Os chefes também possuem uma dificuldade justa e apesar de morrer algumas vezes, não foi um grande problema passar por eles.

Apenas uma luta com chefe especificamente me tomou mais tempo. De qualquer forma, com relação à dificuldade, as desenvolvedoras já prometeram patchs de balanceamento de dificuldade.

E por falar em dificuldade, você pode optar pelo modo exploração que suaviza o jogo. E se estiver se sentindo muito confiante, pode tentar depois o modo mais difícil, com inimigos mais fortes e tempo ainda mais limitado.

Seu maior inimigo nesse jogo é de fato o tempo. E devo dizer que comecei a sentir uma certa ansiedade por ver o tempo de vida dos personagens, e o tempo de Alma, se esgotando e eu ainda precisar coletar mais fragmentos do meteoro.

Conteúdo extra

Como disse anteriormente, seu tempo no jogo é limitado e muito provavelmente você não irá conseguir salvar todos na sua primeira jornada. Pensando nisso, após terminar o jogo pela primeira vez, você pode rejogar no modo New Game+, iniciando o jogo com todos os seus equipamentos coletados.

Com isso você pode salvar outros autômatos, ver desfechos diferentes da história ou simplesmente se desafiar a vencer o jogo o mais rápido possível. Inclusive é possível ativar um modo speedrun, que irá mostrar um relógio na tela contando seu tempo de jogo.

Além desses extras, existem mais dois modos de jogo: boss rush e dungeon raid. No primeiro modo, você irá desafiar todos os chefes do jogo em sequência. Já no segundo, irá explorar dungeons geradas proceduralmente cheias de inimigos.

Isso acrescenta um fator de rejogabilidade bastante interessante, oferecendo bastante conteúdo extra para ser aproveitado. Além de poder participar de desafios e ver o quão bom você é no jogo.

Visuais e sons.

A direção de arte do jogo é excelente, se inspirado em estéticas diversas. Temos a cidade de Arcadia, uma típica metrópole futurista, uma fábrica de autômatos e armamento, uma vila com estilo japonês, etc.

Cada uma das áreas tem um cenário bem feito e coerente com sua temática, bem como inimigos que conversam com aquele respectivo cenário. Na área da vila oriental, por exemplo, vemos inimigos inspirados em ninjas, plantações de bamboo e casas típicas do Japão feudal.

Tudo com grande nível de detalhes usando uma pixel art que lembra o estilo de Hyper Light Drifter, mas sem o uso excessivo de néon.

Da mesma forma que os visuais, a trilha sonora combina com o ambiente. Por exemplo, Arcadia tem uma música em tons mais melancólicas, de uma cidade abandonada. As áreas de inspiração oriental tocam músicas inspiradas na cultura desses países.

Ao se aproximar de um combate, o ritmo musical se altera para um mais agitado, ditando um ritmo mais acelerado ao jogo.

Fim da jornada

Unsighted foi provavelmente um dos indies que mais gostei de jogar esse ano. Apesar das pequenas ressalvas que destaquei, o jogo conta com um combate muito polido e segmentos de exploração e plataforma criativos e divertidos.

Como dito pelas desenvolvedoras algumas vezes, ele é um jogo que você deve jogar mais de uma vez, para explorar tudo que ele tem a oferecer, conhecer mais os personagens, encontrar todos os segredos e realizar as missões secundárias.

O fato de termos um tempo limitado no modo de jogo padrão pode ser um problema para algumas pessoas. Caso você tenha alguma dificuldade em lidar com isso, pode perfeitamente ativar o modo exploração.

Fora isso, Unsighted oferece bastante diversidade em sua jogabilidade e conteúdos extras para quem gosta de aproveitar tudo que um jogo tem a oferecer. Sua história é simples, mas bem escrita. Mesmo com poucos diálogos, temos personagens cativantes e você pode se interessar em rejogar e ver o que acontece com aquele autômato que você não conseguiu salvar da primeira vez.

Abraçando elementos de jogos clássicos e modernos, o Studio Pixel Punk entregou um jogo que consegue se aproveitar de diversos sistemas complexos que conversam de forma coerente entre si, além de ter uma progressão não linear que incentiva a descoberta e curiosidade. Definitivamente uma grata surpresa entre os lançamentos brasileiros.

Nome do jogo:

Unsighted

Publisher:

Humble Games

Desenvolvedora:

Studio Pixel Punk

Plataformas Disponívies:

PC, Xbox One, Xbox Series S|X, Nintendo Switch

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge