Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge
A Square-Enix é conhecida principalmente por Final Fantasy, uma das franquias de RPG mais conhecidas e populares. Porém, o estúdio conta com um amplo portfólio de jogos. A franquia Mana, que surgiu há mais de 30 anos atrás como um spin-off de Final Fantasy, é uma das séries que faz parte da história do estúdio.
Visions of Mana é o primeiro título inédito da franquia principal da série desde 2006, quando foi lançado Dawn of Mana. Esse anúncio, que me pegou um pouco de surpresa, foi bem recebido entre os fãs da série e imediatamente chamou minha atenção.
A Square-Enix nos deu oportunidade de revisitar o mundo de “Mana” mais uma vez e conto agora como foi voltar à uma franquia que sempre tive muito carinho.
O mundo de Mana, chamado Fa’Diel, é um mundo vibrante de alta fantasia. A Mana Tree garante a vida a todas as criaturas que compartilham seu “poder de mana”. Esse mundo vive em equilíbrio e harmonia graças aos oito espíritos elementais que governam elementos fundamentais para a vida: fogo, água, terra, vento, madeira, lua, luz e escuridão.
Para garantir que o equilíbrio se mantenha, a cada quatro anos as cidades e vilarejos protegidos pelos Elemental Spirits precisam escolher um de seus cidadãos para se tornar um “alm”. Os alms precisam partir em peregrinação até a Mana Tree, onde oferecerão suas almas para restabelecer o fluxo de mana utilizado para garantir a vida no mundo.
A aventura se inicia em Tianeea, vilarejo do fogo. O protagonista Val acaba de se tornar um Soul Guard, que tem a missão de escoltar os alms até a Mana Tree em segurança para que realizem o ritual e se unam à árvore sagrada.
Não muito tempo depois, ocorre o festival do vilarejo onde a fada Faerie faz uma aparição e oficializa Hinna, amiga de infância de Val, como a alm do fogo. Hinna aceita a missão com orgulho e Val promete fazer de tudo para que ela complete sua missão.
Após essa breve introdução, a nossa aventura começa.
Visions of Mana é um RPG de ação com um mundo semi-aberto, com áreas relativamente vastas mas setorizadas. Você irá visitar cidades e vilarejos onde se reunirá com outros alms que se juntarão à peregrinação.
Nas áreas abertas você encontrará grupos de inimigos espalhados pelo mapa, bem como alguns pontos de interesse. O jogo não conta com muitos locais que você vá realmente acessar para visitar, sendo normalmente uma área aberta próxima às cidades, algumas dungeons onde você realizará as missões e pontos de interesse no mapa, como locais de desafios extras que fornecem recompensa.
Ou seja, é um mundo que apesar de ter áreas relativamente vastas, é contido em seu conteúdo de áreas acessíveis. Isso de certa forma faz sentido visto que existe uma certa “urgência” nessa peregrinação até a Mana Tree, o que é explicado no início do jogo.
O combate do jogo segue a fórmula da franquia, sendo um RPG de ação onde você pode pausar o combate para executar alguns comandos como magias ou utilizar itens. Isso é especialmente útil porque o jogo conta com combates de até três personagens simultâneos, o que permite controlar um manualmente e ordenar que os outros executem ações.
Outra característica sempre presente na franquia Mana são os Elemental Spirits. Em Visions of Mana, eles fazem parte das mecânicas permitindo que ao equipar o artefato relacionado a eles, os “Vessels”, você troque a classe dos personagens e permita utilizar armas diferentes e liberar habilidades ativas e passivas.
As habilidades variam em novos tipos de ataques normais, assim como habilidades especiais e magias que permitem utilizar ataques elementais, curar, aumentar a defesa e ataque de aliados, diminuir os mesmos atributos dos inimigos, etc.
Todos os personagens controláveis, cinco no total, podem equipar qualquer elemento e cada um deles pode usar três tipos diferentes de armas, que estão diretamente ligadas às classes em uso. Essas classes também alteram os atributos principais dos personagens.
Por exemplo, algumas classes são mais focadas em defesa e proteção de aliados, algumas possuem um foco em magia mas deixando o personagem vulnerável contra ataques inimigos, outras classes aumentam passivamente status do grupo inteiro, etc.
Além disso, os elementos possuem vantagens e desvantagens uns contra os outros. Isso afeta diretamente quanto dano você consegue causar aos inimigos, podendo causar mais dano, menos dano e até mesmo nenhum dano dependendo do tipo de elemento da habilidade que você utilizar.
Mecanicamente o jogo é bastante simples, o que é uma característica da série Mana. Os jogos sempre se destacaram por serem bastante acessíveis nesse ponto e isso não é muito diferente em Visions of Mana. Os equipamentos, por exemplo, se limitam a uma arma e uma armadura e um conjunto de sementes, que podem liberar algumas habilidades novas e fornecer bônus passivos.
Já no combate você poderá atacar, pular, esquivar e utilizar habilidades. É possível utilizar tanto no “menu anelar”, que pausa o jogo, como utilizar os atalhos que você pode configurar com as habilidades que mais utiliza.
Uma mecânica que acrescenta um pouco mais de variedade no combate são os Vessels, que além de permitirem a troca de classes podem ser usados em combate para executar uma habilidade elemental única.
Jogando na dificuldade normal, não tive dificuldades em avançar no jogo. Utilizando as habilidades elementais corretas, desviando dos ataques inimigos e encontrando a classe que você se adaptar melhor, o combate do jogo é bastante tranquilo. Caso queira um pouco mais de dificuldade, o jogo conta com essa opção. E até mesmo modos mais fáceis, caso você prefira.
Jogadores veteranos de Mana provavelmente já estão cientes de que ele não é um jogo desafiador, mas é importante destacar isso para quem não conhece a franquia não acabar se frustrando com sua falta de desafio.
Por outro lado, essa experiência mais acessível pode ser um atrativo para que mais pessoas possam jogar Visions of Mana, principalmente jogadores não acostumados com o gênero RPG de ação, e jogadores que querem ter uma experiência menos “burocrática”, por assim dizer. Visions of Mana é um jogo que você senta, explora, luta e pronto.
O mais importante é que ele é divertido e seu combate funciona bem, com alguns pequenos tropeços apenas. Meu maior problema com o combate em si foi a inteligência artificial dos aliados. Em alguns momentos eles se colocam em perigo desnecessariamente e até mesmo ficam parados esperando o golpe dos inimigos. Mas esse é um problema que ocorreu eventualmente só, não tendo atrapalhado minha experiência como um todo.
O jogo também se beneficiaria de alguns patchs de correção e otimização. Eu tive alguns probleminhas de desempenho jogando no modo de qualidade gráfica e alguns bugs como o personagem ficar preso em alguma parte do cenário, inclusive dentro do combate.
O problema mais grave que eu tive foi durante o início de um combate com um boss que eu precisei pausar o jogo e quando retornei, o jogo “resetou” para a última cena antes do combate e travou, me forçando a reiniciar e perder um pouco de progresso. Mas nada que tenha me impedido de avançar depois.
Normalmente os jogos da franquia giram em torno da Mana Tree e os Elemental Spirits. Esses são elementos fundamentais e recorrentes na franquia. Visions of Mana não foge dessa premissa.
O principal objetivo do jogo é realizar a peregrinação com os alms até a Mana Tree, onde a energia mana será restabelecida. Naturalmente que ocorrem alguns desvios pelo caminho, mas no geral é um enredo bastante linear.
Visions of Mana conta com uma história bastante simples de fantasia, que explica tudo ao jogador conforme você vai avançando na trama. E apesar da simplicidade, ainda consegue entregar alguns plot twists pelo caminho. Isso permite que a história não acabe se tornando entediante.
A franquia Mana também tem essa característica de ter histórias mais simples e diretas. Isso não é algo ruim, faz parte da proposta do jogo. E pra falar a verdade, é algo que eu prefiro que continue sendo uma característica do jogo.
Não faz muito tempo que eu joguei Final Fantasy VII Rebirth, li um livro que conta a história de Aerith e Tifa antes dos acontecimentos do jogo, consumi vídeos de teorias, revisitei partes do jogo original e me debrucei em sua lore e, apesar de eu gostar desse tipo de jogo, as vezes pode ser cansativo só consumir RPG’s assim.
Não ter que me preocupar com lore, subtextos, teorias e mensagens ocultas foi de certa forma um alívio. Nesse aspecto, Mana é um “RPG de conforto” pra mim. E longe de ser uma história mal contada, Visions of Mana apenas conta com uma proposta diferente.
Lógico que eu estranhei no começo a premissa de uma caravana de humanos e furries indo em direção ao sacrifício de suas almas para garantir o futuro do mundo, mas eventualmente eu fui me acostumando com a ideia. E o jogo acaba tratando desse tema também.
No geral, a história é conduzida com leveza e com tons de humor, mesmo que em alguns momentos adote um tom um pouco mais sério. Ok, ainda é estranha a premissa dos sacrifícios e como alguns habitantes deste mundo parecem achar incrível essa ideia de sacrifício.
Mas eventualmente o jogo discute essa ideia e traz um ponto de vista sobre a liberdade de escolher como queremos viver, ou morrer, e os conflitos que isso causa com o senso de responsabilidade e coletividade.
De certa forma, muitas vezes fazemos sacrifícios em benefício dos outros. Por outro lado, às vezes optamos por fazer aquilo que é o melhor para nós e isso não necessariamente é algo egoísta de se fazer. Outro tema abordado no jogo é a empatia. Por mais que alguém possa ter nos feito mal por alguma razão, isso não necessariamente torna aquela pessoa ruim, mas talvez uma vítima das circunstâncias que ela também se encontra presa.
Um ponto que me surpreendeu positivamente foi o carisma dos personagens e a forma que cada um tem uma personalidade bastante diferente dos outros. Houve um cuidado com a construção do grupo, algo que eu vejo como carinho pela franquia.
Val e Hinna vêm de famílias bem estruturadas e felizes. Os dois são bastante otimistas com relação ao mundo e às vezes até mesmo ingênuos. Careena tem uma personalidade forte, um pouco por conta da relação conturbada com seus pais e seu vilarejo, mas tem um grande senso de amizade e é bastante enérgica.
Morley tem uma certa elegância, mas ao mesmo tempo soa melancólico diversas vezes. Isso como consequência de acontecimentos passados. Palamena, por conta de sua posição como monarca, é bastante formal e educada. E por fim Julei, da espécie de seres “planta” chamado sproutlings, tem milhares de anos mas ainda parece uma criança.
Todos se expressam de forma bastante única e condizente com sua personalidade. Isso tanto nos diálogos escritos quanto na dublagem, que achei muito bem feita e que é parte fundamental na criação da personalidade de cada personagem.
E até mesmo os Elemental Spirits possuem cada um sua personalidade e uma dublagem que reforça a característica principal de cada um. Por exemplo, a Dryad é notavelmente mais tímida enquanto Shade fala de forma mais culta e erudita, enquanto Salamando é bastante eufórico, o que se espera de um elemental do fogo.
Assim como em suas mecânicas, a história de Visions of Mana preza pela simplicidade e na acessibilidade, sendo de fácil compreensão mas ainda tendo o carinho e cuidado que a franquia merece.
O jogo também conta com uma série de fan-services, trazendo de volta referências e personagens recorrentes em outros jogos da franquia. Isso também é bem bacana e faz reverência aos anos e anos de história da série Mana.
O único ponto negativo é a falta de localização para o português brasileiro, algo que infelizmente vem sendo recorrente nos jogos da Square-Enix fora os da categoria “AAA”.
A franquia Mana sempre se destacou muito pelos seus visuais, sempre muito alegres e coloridos. Visions of Mana também não decepciona nesse ponto.
O jogo segue com sua proposta de se inspirar em um estilo artístico mais próximo de uma animação, passando longe de tentar parecer realista. E isso é fundamental para manter tanto a personalidade que a franquia criou ao longo dos anos como para ajudar na construção do mundo de alta fantasia que ele propõe.
Visions of Mana usa e abusa das cores, sendo um jogo bastante vibrante e bonito. É como se você estivesse jogando uma animação. Não é pra mim o jogo visualmente mais bonito da franquia, mas eu também estou jogando o sarrafo lá em cima porque considero Legend of Mana um dos jogos mais lindos já feitos, mas mesmo assim é bastante bonito e evoca referências de diversos jogos da série.
Não à toa o jogo conta com a participação de Koichi Ishii, criador da franquia, supervisionando o redesign dos monstros clássicos. Os jogos da série variaram de estilo artístico diversas vezes e Visions of Mana parece uma forma de homenagear tantos artistas que deixaram suas marcas nos jogos.
Isso demonstra o carinho que muitas pessoas possuem por Mana. O resultado é um jogo agradável, que chama atenção de novos fãs e ao mesmo tempo traz uma sensação aconchegante de nostalgia para os fãs mais antigos, conforme vamos identificando as referências artísticas que o jogo traz, os inimigos clássicos e personagens icônicos reimaginados.
Visions of Mana é um grande título desta franquia que tenho um carinho especial. Secret of Mana foi uma grande e agradável surpresa na minha vida quando o conheci no SNES. Legend of Mana me tomou horas e horas sendo hipnotizado pela belíssima arte.
Pra mim é sempre uma alegria ver a Square-Enix resgatando e lançando novos jogos de suas franquias menos populares. O estúdio sempre foi pra mim um celeiro criativo, mesmo que às vezes eles tropecem, o fato de estarem sempre experimentando coisas novas e diferentes foi o que me fez fã dos seus jogos.
E saber que franquias como Mana, SaGa e Star Ocean ainda tem espaço para serem relançadas e até mesmo terem títulos novos, sempre será algo muito bem-vindo para mim. O portfólio do estúdio é vasto e ainda há muito potencial criativo para explorar em outros títulos que não sejam Final Fantasy.
Visions of Mana é um ótimo exemplo da variedade de franquias que a Square-Enix possui, com potencial criativo para ser explorado. O jogo é um ótimo convite para novos fãs e ao mesmo tempo presenteia os fãs clássicos com referências de diversos títulos da franquia.
Não parece um acidente o jogo se chamar Visions of Mana, o que de certa forma pode ser lido como um jogo que justamente faz reverência às diversas “visões” que os desenvolvedores tiveram para os jogos ao longo de sua história.
Ao mesmo tempo, é mais uma prova de que ainda há muito espaço para outras franquias que estão a tanto tempo sem receber a devida atenção. Quem sabe eu consiga até sonhar com o retorno de Einhänder e Xenogears (sonhar não custa nada) hein?
De qualquer maneira, sigo na torcida para que a Square-Enix continue dando atenção para outras franquias além de Final Fantasy, sendo trazendo novas IP’s ou resgatando do fundo do baú suas séries clássicas. O eterno e incorrigível fã da saudosa Squaresoft agradece.
Visions of Mana
Square-Enix
Ouka Studios
PC, Playstation 4, Playstation 5, Xbox Series S|X