É certo pensar em Metal Gear como uma criação de Hideo Kojima quando se tem tantos desenvolvedores e artistas no processo de criação? Faz sentido definir que o jogo foi feito pelo estúdio, como algo geral para agrupar todos que trabalharam no desenvolvimento? Nomes importam? Questionamentos válidos, alguns até muito debatidos por anos, mas que mais do que nunca precisam de respostas e de mudanças na maneira que debatemos e falamos da indústria e cenário de videogames.
Não adianta apenas falar que um jogo é publicado e desenvolvido por um time, quando na grande maioria das vezes, esse nome não é nada além de uma razão social de um CNPJ comandado por grandes corporações.
Sim, o desenvolvimento de jogos é difícil (não milagroso como adoram definir, mas muitas vezes complexo), entretanto, existem lideranças, das quais, mesmo que não definam tudo no processo de criação, são a palavra final para o que vai estar e não vai estar, são as pessoas a serem culpadas por algo ser ruim ou não, diretores, produtores, escritores e etc.
O meu ponto é muito mais sobre ser informativo e preciso do que se esperar da obra. Eu não quero um jogo pelos desenvolvedores de Metal Gear, eu não me importo por quem está programando, mas me importo pelas mentes que estão comandando. Eu quero um novo jogo do Kojima ou ouvir a próxima trilha sonora composta por Shoji Meguro, independente das centenas de mentes e mãos que estão trabalhando no jogo. Ou seja, eu não quero ouvir a próxima trilha do novo jogo da Atlus ou o próximo lançamento da Konami por ser da empresa que o Kojima trabalhava.
Respondendo a pergunta do começo do texto, sim, é justo. Metal Gear não seria o que foi sem a mente do Kojima, apesar de ter uma equipe enorme por trás e que deve e merece ser creditada, é importante e válido ressaltar que o jogo só existe, da maneira que é, graças a ele, da mesma forma que muitos jogos só existem graças a uma ou poucas mentes pensantes que idealizaram e lideraram uma equipe para materializar uma ideia.
Dessa forma, então por que não estamos falando que Assassin’s Creed Shadows é o novo jogo do Jonathan Dumont, mesmo diretor de Assassin’s Creed Odyssey? Apenas falamos como se fosse um novo jogo da Ubisoft. O quanto esse “da Ubisoft” realmente é significativo? Ele estar ligado a uma enorme empresa, com dezenas de IPs diferentes, isso significa alguma coisa? Óbvio que até um certo ponto, sim, mas até que nível?
O quanto apenas ser da Ubisoft define o jogo? Imagina se, em vez de falássemos “A Origem de Christopher Nolan”, fosse “A Origem produzido pela Legendary Pictures e publicado pela Warner Bros”. Essa definição não diria absolutamente nada, seria completamente vazia e, o mais importante: removendo os artistas, as mentes humanas por trás da obra, estaríamos a transformando ela, ainda mais, em apenas um produto.
Quando tratamos dessa forma, dando foco na empresa e não na mente humana, não estamos passando nenhuma informação. Foda-se se é o novo jogo da From Software, eu quero e me empolgo pro novo jogo do Miyazaki, da mesma forma que não quero ver filme da Ghibli dirigido pelo Miyazaki (o filho) e sim os filmes dirigidos pelo Miyazaki (o pai). Ou seja, não é a From Software ou a Ghibli que criam obras que me importo, e sim essas pessoas que lideram enormes equipes em conjunto para a criação de algo artístico e que carregam suas visões, independente do número de pessoas trabalhando nelas.
O resultado de anos nesse modus operandi, é falarmos que o novo jogo da recém-fechada Monolith, Mulher-Maravilha, foi cancelado e é um jogo do estúdio que criou F.E.A.R.. É do mesmo estúdio, sim, mas o quanto isso fala alguma coisa? As pessoas que trabalharam em um, nem estão mais na empresa para tocar no outro. O mesmo acontece com a BioWare: quem criou o Dragon Age que você gosta, não tá mais lá, então o que importa se é do estúdio? Não é mais honesto dizer que Veilguard foi dirigido por Corinne Busche, que estava dirigindo um jogo pela primeira vez e a maior experiência que teve foi com The Sims 3?
Obviamente a resposta é sim, seria mais honesto, mas também fica claro que não é o que as empresas querem e a imprensa e criadores de conteúdo, como sempre, apenas propaga como uma grande marqueteira gratuita. Dar nome aos bois é também dar poder a mentes criativas, poder de barganha com empresas, criar possibilidades de serem realmente criativos e diminuir barreiras e limitações.
Trabalhar dessa forma, falando nome de estúdio como ponto importante, poderia fazer diferença anos atrás, em uma indústria ainda bebê, com estúdios, como a própria BioWare que tinha toda a sua produção focada em um único jogo, mas hoje isso não significa mais nada. No máximo, é uma cartada marketeira para dizer ao mundo (e principalmente aos acionistas) que o dono do estúdio tem aquela IP e se vender com um nome, que sem os trabalhadores que fizeram aquele nome significar alguma coisa, não é nada.
Em um caso desses, também não é ajudar em marketing? Sim, isso é inevitável. A Sony e a Microsoft usaram o Kojima para marketing, falar que o grande nome da indústria está fazendo um exclusivo para a sua plataforma é marketing, da mesma forma que várias empresas usam grandes nomes, que são bem vistos na comunidade para se vender.
A questão é que, quando criadores de conteúdo, jornalistas e pessoas em geral que gostam de acompanhar e comentar sobre a indústria, passam a dar valor a esses nomes, mesmo que estejamos dando uma arma para a empresa usar para se vender, também estamos dando valor e armas a esses nomes para trabalharem e criarem do jeito que querem. É dar poder a quem realmente merece e deveria receber. Não vamos esquecer que com um pouco de fama e valorização, Ikumi Nakamura foi de dirigir o seu primeiro jogo para ter o seu próprio estúdio.
Óbvio que não se limita a diretor. Escritores e roteiristas, atores, compositores, dependendo, até mesmo produtores podem entrar nos pontos que deveríamos focar e elogiar. É lembrar que um jogo não é feito pela IP, ou nome, mas sim por cabeças pensantes, que estão coordenando, planejando e desenvolvendo por anos para chegar em um resultado final, independente da franquia ou do estúdio. É sobre dar nome aos bois, lembrar que um jogo não é nada além de uma marca sem os que fazem ser o que são.