“DEATHLOOP não é o jogo perfeito. Mas é um jogo perfeito pra mim.”
A estação Talos I com os melhores cientistas que o dinheiro pode comprar, a charmosa Rapture com as mentes mais brilhantes de sua época, a Citadel e sua promessa de segurança e profissionalismo. Como quase todo setting de simuladores imersivos, Blackreef promete ser o paraíso dos mais bem afortunados, filantropos, cientistas, líderes de cultos, artistas e virtuosos. Mas a grande verdade é que ali só vivem uns filhos da puta, arrombados a fim de escapar de qualquer consequência e jurisdição para realizarem assim seus desejos egoístas mais sombrios e súbitos, além de qualquer escrúpulo social. E você vai matar cada um desses Oito Visionários filhos da puta.
DEATHLOOP não é o jogo perfeito. Mas é um jogo perfeito pra mim. Fui rapidamente fisgado por um agitado jazz do meio do século passado, recém acordado e com uma ressaca dos infernos, eu finalmente decidi ir em busca de explorar a misteriosa, deprimente e decadente ilha de Blackreef, lar desses ricos e psicopatas que se auto intitulam Visionários e que querem viver a amortalidade – termo que à primeira vista parece um erro tipográfico – sem consequências de seus atos extremos. Ao decorrer dessa história você vai conhecer mais sobre cada um desses personagens únicos e muito bem escritos, descobrir suas motivações (por mais tortas que sejam) e encontrar um jeito de dar cabo de todos em um único e aparente… Eterno dia. Cada esquina de DEATHLOOP conta uma história, cada ambiente interno e externo é único e feito à mão, com carinho, como se estivessem prontos para você explorar e concretizar seu objetivo de reconstruir esse grande quebra-cabeça, esse “loop”, que é a anomalia que permeia a ilha e torna aquelas as únicas 24 horas possíveis. No final do primeiro dia, depois de ser atropelado por uma história irreverente e cheia de reviravoltas, personagens únicos, sistemas e menus (até demais), eu respirei fundo — e sem saber se já estava preparado, pulei de cabeça pra mais um dia da marmota.
DEATHLOOP conta com um visual de tirar o fôlego e Blackreef te espera com ótimas reviravoltas!
A ilha de Blackreef por si só já é uma das personagens principais dessa história, com localizações únicas e bem construídas, que mudam consideravelmente dependendo da hora em que você se encontra, seja em desafios, puzzles ou alvos que você precisa eliminar. O show principal fica por parte do já conhecido design de níveis da Arkane, com seus visuais extremamente artísticos e bem realizados pelos seus talentosos desenvolvedores. Algo recorrente para aqueles que já jogaram algo da desenvolvedora, não é verdade? Basta lembrar da The Clockwork Mansion, uma das fases mais belas e bem projetadas da geração passada, idealizada pela incrível Dana Nightingale.
Depois da art deco super futurista de Prey e da reimaginação vitoriana em Dishonored, DEATHLOOP apela para o retro futurismo do final da década dos anos 50, também conhecida pelos especialistas como mid-century modern e supergraphic ultramodern. Sim, usei esse monte de termo técnico difícil sobre algo que eu claramente não domino só pra falar que me apaixonei pelos visuais já na primeira vez em que botei os olhos nesse jogo.
DEATHLOOP é sobre tentar, errar, tentar de novo e aperfeiçoar suas habilidades como jogador. É sobre decorar cada saída ou emboscada para dar fim em seus alvos. É sobre aprender o dano de cada arma e levar os melhores upgrades para aquele embate específico. É sobre ser furtivo mas também saber quando sair atirando em tudo no melhor estilo guns blazin’, sempre tentando usar o design inteligente de cada fase a seu favor. É sobre eliminar um casal extremamente problemático com uma única bala em seus corações, sobre invadir aquela festa promovida por psicopatas canibais, sobre por fim em um culto de fanáticos religiosos com o seu próprio veneno, sobre tentar reconquistar a confiança da pessoa mais importante pra você, naquele momento mais estranho da sua vida.
Você precisa ver esse trailer pelo menos uma vez na vida, é sério.
DEATHLOOP é uma ode às clássicas histórias de espiões e também para toda a história da Arkane Studios, uma resposta do estúdio aos vícios de um subgênero por muitos esquecidos. O jogo não só traz uma alternativa ao save scumming (abandonando o “quickload/quicksave”, famosos dentro do immsim) com seus loops diários, proporcionando ao jogador um incentivo a mais para arriscar, errar e experimentar, como também brinca com um elemento multiplayer. Nesse esquema online, você é invadido ou pode invadir o loop de alguém no papel de Julianna Blake, o contraponto perfeito do nosso protagonista, no melhor estilo dos filmes de espiões. E o mais legal? Tudo é considerado canônico dentro do jogo, afinal a Julianna enfrenta Colt Vahn diversas vezes nas infinitas linhas do tempo decorrentes da tal anomalia temporal.
Isso tudo, querendo ou não, é também uma viagem às raízes do estúdio, que já tentou implementar essa ideia de invasões online dentro da campanha principal há muito tempo, em 2007, no finado The Crossing – jogo da era independente da Arkane, que nunca saiu do papel por questões contratuais. The Crossing foi só um de vários outros projetos malsucedidos nessa época, como Ravenholm, em parceria com a Valve, ou LMNO com Steven Spielberg. Por tudo isso DEATHLOOP existe e é tão premiado: por causa de todos esses erros cometidos no passado, todas essas bolas na trave fizeram o estúdio se reinventar com experiência e profissionalismo para que agora, no presente, conseguissem executar tão bem a ideia por trás desse jogo. E então, o que o futuro nos reserva?
Dinga Bakaba e Dana Nightingale recebem o prêmio de Melhor Direção no The Game Awards 2021. Na mesma noite, eles também levaram o prêmio de Melhor Direção de Arte.
Desenvolvido pela Arkane Lyon, a sede europeia da Arkane Studios, DEATHLOOP é um diferente e corajoso passo para frente na história do estúdio, e também na do subgênero enraizado em suas filosofias de desenvolvimento. Seja no nascimento do estúdio, com Raphaël Colantonio há mais de 20 anos, passando por Harvey Smith, hoje na Arkane Austin e agora com Dinga Bakaba. — esse que por sua vez é um homem negro, filho de imigrantes na França, que conseguiu chegar ao posto mais alto como diretor geral da sede em Lyon. Promoção parte motivada pelo sucesso e premiações recebidas, dentre elas o The Game Awards de Melhor Direção.
Por essas e outras, fica aqui registrado minha total admiração por esse homem incrível, que pra me responder no Twitter até arriscou umas palavras em português. Ele foi muito atencioso a ponto de ver e curtir meus vídeos jogando DEATHLOOP, e ainda finalizou a conversa falando sobre sua paixão por capoeira. Esse é com certeza um estúdio e um diretor que gostam de nadar contra as tendências formulaicas representadas no marasmo covarde atual que se encontra a indústria mainstream de videogames.
DEATHLOOP não é o jogo perfeito. Mas é um jogo perfeito pra mim.
Texto por Marco Ángel, do podcast Memória RAMdom.
Quer ouvir mais sobre o que eu achei de DEATHLOOP? Falei do jogo em dois podcasts: aqui no Setor7 e aqui no Memória RAMdom. Quer saber mais sobre a conturbada história da Arkane Studios? Eu falei sobre tudo isso aqui no Benchmark Podcast. E em breve irei comentar uma última vez sobre o jogo (assim espero) no Melhores do Ano do Memória RAMdom. Obrigado por ler até aqui!