Eu me recuso a analisar The Good Life

Escrito por Jack Frost
Crítica

Eu nunca pensei que iria escrever algo assim.

Esse ano foi definitivamente trágico para aqueles que adoram a cultura dos jogos de nicho japoneses. Enquanto tivemos boas chegadas, como Radirgy Swag no Switch e Shin Megami Tensei V, não é muito controverso dizer que No More Heroes 3 foi uma decepção — mesmo que esteja longe de ser um jogo ruim. O jogo de ação dirigido pelo iconoclasta Suda51 é uma obra confusa entre ser uma paródia artística e um vazio puramente estético, deixando um sabor de confusão — e não o tipo de confusão que esperamos do diretor em jogos incríveis como Killer7 e Flower Sun and Rain. Muito mais próximo do infeliz gosto que o filme do Esquadrão Suicida do David Ayer te dá: tom inconsistente e temas conflitantes.

Depois do triste luto causado por essa triste quebra de expectativa, a minha esperança era que Hidetaka “Swery65” Suehiro mostrasse a força que o design subversivo nihonjin tem. A semelhanças não param nos seus respectivos apelidos conterem numerais (“Suda51”, “Swery65”), já que o apelo noir e ideias criativas atraem uma base de fãs compartilhada, muitas vezes também ligadas à cultura japonesa dos anos 80 e 90, filmes cult e jogos retrô.  Os dois diretores se destacaram por produções extremamente singulares e desprendidas ao que a indústria demanda. Alheios ao público de massa mas apoiados por um grupo fiel de jogadores, são dois nomes essenciais para qualquer um que queira dar uma “carteirada”, suprindo a própria falta de autoestima para se sentir inteligente. Irrelevante da minha piada com pedantismo, acho que alguns jogos de ambos os diretores são recomendações essenciais para aqueles que desejam treinar suas habilidades de análise ou experimentar algo fora do convencional.

 

Se você discute jogos com frequência, com certeza já viu o cara chato que força algo do Suda51 (à esquerda) e Swery65(à direita).

 

Infelizmente, os fãs desse tipo de jogos — eu incluso — estão passando fome. Além do já citado jogo do Suda51 ser bom, mas definitivamente um dos lançamentos menos memoráveis de sua empresa… Swery65 trouxe Deadly Premonition 2. Um jogo que tem algumas ideias legais, mas exige do jogador a paciência de um Buda. Apesar disso, meu otimismo me motivava para o seu próximo lançamento, The Good Life. Um erro terrível que irei destrinchar parte por parte, e irei explicar o porquê a Gamelodge não irá trazer uma análise completa tão cedo.

Eu amo o diretor Swery65, mas existe um problema bem grande em sua carreira: a tentativa de replicar o seu maior sucesso, Deadly Premonition. Esse jogo é excêntrico, pegando influências de Shenmue, o já citado Flower Sun and Rain, Resident Evil, Silent Hill e especialmente a série de televisão Twin Peaks — a qual o jogo sempre é comparado por ter vários conceitos emprestados diretamente, ao ponto que não é incomum encontrar acusações de plágio. É um jogo que você controla o investigador Francis York Morgan em um pequeno mundo aberto — uma cidade do interior dos Estados Unidos chamada de Greenvale. O objetivo do jogador é fazer missões, que te levam à puzzles, diferentes NPCs, diferentes locais da cidade e as vezes até combate contra criaturas bizarras, buscando um serial killer que matou uma mulher da cidade. Também há missões secundárias, ciclo de dia e noite e os personagens seguem a rotina de modo tão detalhado que impressiona até hoje, com dicas sobre quem é o assassino sendo distribuídas em locais visitados nos horários de cada morador. O foco em imersão é interessante, com sistemas de gasolina nos carros, chuva influenciando o dia a dia dos personagens e até um sistema de aceleração de tempo com o uso de cigarros, ao estilo de Metal Gear Solid V The Phantom Pain.

 

Até o relógio no fundo grita The Phantom Pain!

 

Claro, a descrição parece ser digna de um clássico, mas o jogo também é conhecido pela sua falta de polimento extrema. Desde animações extremamente duvidosa, até incontáveis bugs, ports com alta instabilidade e uma das piores mecânicas de mira já vistas em um jogo de tiro em terceira pessoa. Por algum motivo, o clima trash e descontraído do jogo combinou perfeitamente bem com muitos dos erros e, juntando com a direção idiossincrática e várias partes legitimamente boas, o jogo se destacou e é um dos clássicos cult mais conhecidos do Xbox 360. A sinceridade emocional e o arco principal do protagonista são alguns dos fatores que mais são ressaltados nas análises por aí. 

E então, tivemos uma sequência espiritual. Primeiro veio Dark Dreams Don’t Die, um thriller psicológico ao estilo dos jogos da Telltale. Apesar da descrição ser admitidamente desanimadora, o jogo criava dinâmicas muito mais interessantes ao estilo, sendo um dos únicos jogos que usa os quick time events (também conhecidos como “a parte chata do gódofuá que você tem que apertar os botões da tela) de modo divertido, com barrinhas de vida e um design inteligente te dando perdão. Também te castigava por sair interagindo em todos os lugares sem pensar com um sistema de stamina e tentava usar todas as capacidades do Kinect. A história também parecia interessante, onde viajamos no passado do investigador David Young e tentamos descobrir a verdade por trás do assassinato de sua esposa. Infelizmente, as vendas decepcionantes fizeram o jogo ser cancelado no Episódio 1, mesmo que o feedback dos jogadores tenha sido bem positivo. Apesar de não ser mundo aberto ou de trazer a mesma interatividade, era um jogo mais direto que focava em entregar um mistério interessante e manter o clima amigável e caricato de Deadly Premonition, mas sem muita megalomania e trazendo polimento.

Então, tivemos The Missing, onde Swery fundou sua própria empresa. Um jogo de plataforma onde podemos cortar nossos membros e usar eles para resolver puzzles. É um jogo inteligente, que usa da agonia da protagonista como um ponto temático interessante, um paralelo aos seus traumas. É uma história de horror psicológico que fala especialmente sobre pessoas que sofrem por ser quem elas são. Contando com vários personagens excluídos por vários motivos, desde gostos até gênero, foi um dos lançamentos mais bem sucedidos dele. Apesar dessa “vibe” de clone de Inside, talvez tenha sido o melhor lançamento pós Deadly Premontion, justamente por não ter o problema em questão que irei explorar logo. Por favor, confiem em mim, a retrospectiva tem um motivo.

Deadly Premonition 2 é o jogo que veio em seguida. A proposta é similar, com a mesma ideia de ser parecido com Shenmue, mas dessa vez é uma cidade do sul dos Estados Unidos, com forte influência afro americana. Foi um tiro no pé, considerando que há um caso de transfobia acidental que acaba dando um gosto muito amargo, especialmente pelo quanto The Missing foi respeitoso com o tópico. O jogo é muito mais instável e mal polido que Deadly Premonition (que já era um dos piores jogos que já joguei nesse quesito), com problemas muito sérios especialmente na sua reta final. Não irei negar que existe uma sequência decente entre esses problemas, mas com certeza não será tão lembrado quanto nenhum dos outros jogos que comentei aqui. E enfim, The Good Life. O que seria esse jogo?

 

Apesar da estética carismática (e um pouco mal polida), The Good Life é bem ruim.

 

The Good Life é… um jogo de mundo aberto, em uma cidade pequena do Reino Unido, inspirado especialmente em Shenmue. É uma sequência espiritual de Deadly Premonition, mas sem as partes de combate e dessa vez você pode virar um cachorro ou um gato para saltar em casas, correr mais rápido ou procurar pessoas com o olfato. Ficou claro qual o problema? Esse é a terceira sequência espiritual de Deadly Premonition que recebemos dele, e o único jogo que ele lançou que realmente sai desse padrão é The Missing. De novo é um jogo lento que simula a vida em uma cidade pequena, de novo receberemos missões secundárias, de novo é um mistério com assassinos, de novo o sobrenatural está envolvido, de novo tem elementos de horror, de novo tem personagens caricatos, de novo tem…

Eu quero me matar. Eu honestamente quero me matar. Eu zerei Deadly Premonition duas vezes, e cada um dos jogos citados pelo menos uma vez. Eu estou jogando o mesmo jogo de novo, e nada está me empolgando. É só isso: The Good Life é o mesmo jogo, de novo. Sendo justo, há coisas interessantes aqui e eu não consigo descartar que vejo que esse jogo podia ser bom, mas eu serei obrigado a diminuir suas expectativas pois me preocupo com sua saúde peniana. Eu não quero que você vire um broxa

A premissa parece legal. A fotógrafa Naomi Hayward se vê endividada e presa em um município pequeno chamado de Rainy Woods (um nome antigo que Greenvale tinha durante o desenvolvimento de Deadly Premonition) até descobrir o porquê o lugar é conhecido por ser a cidade mais feliz do mundo. Na prática, acontece um assassinato no começo e voltamos à mesma estrutura de… Deadly Premonition. A diferença é que a narrativa é mal conduzida e tudo parece um episódio filler de Naruto, os personagens são caricatos ao ponto da flanderização e eu não consigo me lembrar deles. A única pessoa memorável desse jogo é a protagonista, porque felizmente o diretor continua com sua habilidade incrível de escrever personagens principais fascinantes, algo que ele nunca erra.

Aparentemente, a ideia geral é fazer essa personagem, a Naomi, parar de ser ranzinza e aceitar melhor as qualidades da vida interiorana. Aprender a valorizar amigos, cooperação, simplicidade e a natureza. Sua personalidade esnobe entra em choque com o lugar e isso gera vários momentos de humor. Sua habilidade principal é tirar fotos, que você pode postar no Instagram interno do jogo e usar para ganhar dinheiro. Essa mecânica é genial, e com certeza o jogo seria muito melhor se focasse nela no lugar de me forçar à achar 5 itens estúpidos distribuídos em lugares não explicados do mundo aberto. Essas são as missões secundárias, inclusive. Praticamente todas.

Deadly Premonition era defeituoso, mas suas missões secundárias — apesar de muitas serem simplesmente ir de um ponto A até um ponto B — te intrigavam com ideias bizarras, conhecimento local e especialmente humor. As que eu fiz em The Good Life eram secas, com um humor remanescente do programa A Praça é Nossa.

 

Creio que faixas de risada encaixariam muito bem ao humor desse jogo.

 

Esse polimento básico mas funcional das missões secundárias do clássico é basicamente o que temos nas principais de The Good Life. E não, não temos nada tão interessante quanto as principais de Deadly Premonition. Esse jogo é seco, estéril, previsível e sem graça. É como se estivessem tentando fazer um Deadly Premonition que vendesse para o público de Animal Crossing e Stardew Valley, mas que fracassasse em entender o porquê esses jogos alcançaram o patamar que estão. Isso até cria uma falta de foco mecânica, onde o jogo depende de 40 mecânicas de crafting desnecessárias e o seu diferencial (o sistema de fotos) acaba sendo subutilizado. Eu imploro Swery, faça algo novo. Eu cansei de rejogar Deadly Premonition só que diferente. Esse foi o pior, com missões que me indicavam lugares errados e me forçava à perder mais tempo de jogo correndo pelo mapa que nem uma barata tonta.

E assim: eu amo a estética do jogo nas artes conceituais, e acho confortável no 3D apesar da vegetação feia que esse jogo tem. Foi uma boa os modelos caricatos, pois as animações econômicas felizmente não incomodam muito, ao contrário dos modelos mais realistas de Deadly Premonition, que ficavam horrorosos… Adoro a fidelidade que retrataram a estrutura de uma cidade pequena britânica, mas Jesus Cristo: nenhuma estética fofinha vai salvar esse game design falho. Eu decidi ver o final da narrativa (calma leitor, não tem spoilers aqui) e entendi a ideia, mas tem alguns aspectos até nisso que sinto que foram mal amarrados. Não diria que é um jogo que compensa jogar pela narrativa. Só acho que o jogo que ele tentou fazer já existe, lançou em 2010 e é bem melhor do que essa réplica.

Não existe uma análise mais justa dessa casca sem alma do que comparar com o que ela está tentando replicar, isso é só um Deadly Premonition piorado tentando se vender para as e-girls. Não, eu não zerei. Joguei o capítulo 1 na demo e 2,5 horas no jogo completo (que felizmente continua da onde você termina na demo). A história não tem mais que 8 horas, joguei 20%. O suficiente para entender o loop de gameplay. Não, eu não quero zerar no momento, sei da narrativa e mesmo tendo ideais interessantes, não vale o esforço. Esse jogo é conceitualmente ofensivo, pois eu espero do Swery uma experiência diferente do que eu já joguei. Isso é só mais do mesmo que ele já apresentou, mas com alguma inspiração em jogos atuais como até o próprio Breath of the Wild. Não, não quero te convencer que Breath of the Wild criou um novo gênero (por favor né?), aqui é um artigo do Frost. É só o jeito que os sistemas de crafting funcionam mesmo.

O mínimo que eu esperava aqui — já que essa fórmula já foi testada no mínimo 2 vezes (desconsiderando D4) — é que isso fosse uma versão mais polida do que já foi apresentado. E isso seria perfeitamente bom. Esse é até pior e mais cansativo, sem trazer nada novo ou interessante de verdade para compensar. Mentira, tem a mecânica de foto — que esse jogo caga e anda, te faz de Correios mais do que realmente uma fotógrafa. Quer um jogo de tirar fotos? Umurangi Generation foi muito bem falado e eu também queria estar jogando esse no lugar de The Good Life. Que fique claro: não zerei. Não quero zerar agora também. Quando eu quiser, eu lhe garanto que dificilmente será uma análise positiva considerando os spoilers que eu já tomei. Não, não irei elaborar mais. Trilha sonora é padrão, não se destaca em nada, não espere algo nível Dark Dreams Don’t Die aqui. Dei a atenção que esse jogo merece e a única coisa que me faz ainda prometer que eu escreverei uma futura análise conclusiva é teimosia. Swery, supera Deadly Premonition, já foi. Faz outro jogo.

 

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Sou o tipo de pessoa que ama jogos lentos como Metal Slader Glory, mas isso aqui é muito para a minha cabeça. Já que não zerei, me abstenho a concluir algo sobre esse jogo. Mas parabéns aos envolvidos.

Pelo menos, esse jogo fez eu apreciar No More Heroes 3 um pouco mais, porque pelo menos ainda teve um pouco de alma. E olha que é um dos jogos mais sem substância da Grasshopper Manufacture.

EDIT: Eu esqueci de falar, mas o ciclo de dia e noite desse jogo é uma ofensa. É muito rápido.

Nome do jogo:

The Good Life

Publisher:

Playism

Desenvolvedora:

White Owls e G-rounding

Plataformas Disponívies:

PC, Playstation 4, Xbox One, Nintendo Switch

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge