Mesmo que a indústria de jogos seja apenas uma criança perto do audiovisual, nos últimos anos jogos tem tido visões, em certos aspectos, mais maduros que boa parte dessas produções em cinema e TV.
Uma mistura de qualidade e coragem de fazer algo novo. Diferente da grande maioria dos sucessos do cinema, boa parte dos jogos aclamados dos últimos anos não são apenas “o mais do mesmo” e não estão ali apenas como um presente que quer muito agradar todos os fãs.
Em 2017, por exemplo, tivemos Star Wars VIII O Último Jedi e a terceira temporada de Twin Peaks. Duas obras completamente diferentes,mas que carregam uma semelhança.As duas são inesperadas e brincam com a quebra de expectativa dos fãs. Casos raros já que na grande maioria das vezes público o tem sido mimado, ganhando sempre exatamente o que deseja.
Não é à toa que tantos fãs de Star Wars pedem para retirar o oitavo filme do cânone. Estão acostumados com o fã service cada vez maior e quando não recebem, como bons mimados, não gostam.
Por isso acham um absurdo a Rey não ser filha de alguém importante ou Skywalker não ter uma luta de verdade no filme. O público não sabe mais lidar com uma obra em que o autor faz o que acha certo.
Na verdade, atualmente parece que muitos diretores tem uma lista de tarefas para pôr no filme e agradar todo fã. Isso tem sido a cada dia mais comum em produtos nerds, mas acontece a anos com música pop, livros e quadrinhos. No fim, essa é forma mais fácil de vender.
Twin Peaks não sofreu a repressão que Star Wars recebeu, em parte por ter um público muito menor, mas não se pode ignorar que os fãs já conhecem o diretor. David Lynch – diretor da série- não fez nada fora de seu estilo na terceira temporada. Todos os momentos que em qualquer outra obra seriam cheias de emoção e um agrado a quem acompanhou as duas temporadas era apenas usada para criar mais tensão e estranheza. Nada mais.
Fã service não é um problema,muito menos a busca de agradar ao máximo o espectador. O triste é que são poucas as obras com atenção do grande público e que não fazem isso. Essa maneira vende mas ao mesmo tempo cria apenas filmes medíocres.
Cada vez mais o audiovisual perde o seu poder artístico para virar apenas produto. Um caso visível na Netflix que analisa exatamente o que seus assinantes assistem para suas produções originais. Séries que parecem produtos feitos por encomenda e com público certo.
Enquanto o número de filmes da Marvel seguindo o mesmo estilo só aumenta, a Nintendo lançou Zelda Breath of the Wild mudando completamente a estrutura da franquia. Enquanto a DC alterava seu estilo para seguir os da Marvel, tivemos NieR Automata, um jogo que obriga o jogador a jogar mais de uma vez para terminar a história e não permite save automático mesmo os jogadores pedindo antes do lançamento.
Dois jogos lançados em 2017 que mesmo precisando vender, se importavam mais com a qualidade artística e com as ideias do que os desejos do público
Zelda não apenas mudou tudo como obrigou os jogadores a usar todo tipo de arma, graças a mecânica das armas quebrarem. Sem falar nos cavalos que não podiam ser teleportados com Link. Mecânicas que se focadas em agradar o jogador não existiriam, mas com elas implementadas, o jogador é obrigado a explorar e aprender a usar outros tipos de arma para se defender. Faz parte da experiência.
Em 2017 tivemos Hellblade Senua’s Sacrifice que usou de tudo o que podia para criar sensações. Áudio, mecânicas e atuação para causar ansiedade e agonia no jogador. O inverso da felicidade que boa parte do cinema tem priorizado em seus trabalhos. Hellblade até mesmo finge que o jogador pode ter o save apagado caso morra muitas vezes. Uma mecânica que Kojima tentou implementar em Metal Gear Solid 3.
Essa valorização maior das ideias e escolhas de gamedesign não são recentes. Desde as primeiras gerações de console existiam jogos conscientemente “quebrados” para trazer uma experiência ao jogador. Sem em momento nenhum se importar se seria a forma mais agradável de jogar.
Em 1989 por exemplo a Square Enix lançou para Game Boy Color o jogo SaGa, um RPG de turno que para criar uma dificuldade propositalmente desbalanceada foi pensado na dependência de sorte.
A ideia de seu criador Akitoshi Kawazu era obrigar o jogador a tentar quebrar o jogo. Achar uma maneira de conseguir aguentar todo tipo de inimigo aleatório que ele fosse encontrar. Não é atoa que o game tinha como chefe o criador daquele mundo, uma metáfora sobre vencer o próprio desenvolvedor. O falecido Games Foda falou mais sobre a importância do criador do game aqui.
Obviamente, não são todos os casos. Ainda teremos muitos jogos seguindo apenas o sucesso de outros ou até mesmo se repetindo na mesma franquia. Isso é inevitável. Sempre teremos cópias de Candy Crush e Call of Duty sendo o mesmo desde Modern Warfare 2, mas o número de jogos tentando e mudando ainda é impressionante.
O motivo para essa separação, em que filmes querem cada vez mais agir no seguro e jogos estarem mudando em suas próprias franquias pode ter diversos motivos. A ideia de jogos terem que ter um desafio ou até mesmo o fato de ainda estarmos buscando evoluir e amadurecer a mídia pode ser um deles.
A questão é que enquanto temos 8 filmes de Velozes e Furiosos seguindo o mesmo estilo a anos, um novo God of War será lançado esse mês com uma mudança completa de estilo. Da mesma forma que Zelda, Final Fantasy e muitos outros jogos mudaram e isso não pode ser ignorado. Enquanto o áudio visual mainstream corre para o seguro e calculado, jogos triple A tem em toda a sua vida arriscado em diversos aspectos. Isso sem comentar nos indies e jogos de médio porte inovando cada vez mais.
É raro vermos jogos sendo mais maduros em algo quando comparados a audiovisual. A indústria de videogames é apenas uma criança quando comparada a filmes e é óbvio que no meio dessa experimentação vem muitos problemas. Jogos quebrados e que não funcionam e são difíceis de aguentar mais como no texto do Games Foda diz, isso é bom e necessário. Sem a experimentação estaríamos estagnados.
Foi com essa coragem de mudar que tivemos talvez um dos melhores Zeldas já feitos; Um sucesso surpreendente da franquia Souls e desenvolvedores como Jason Rohrer criando jogos experimentais sobre como jogadores se comportam em cenários online.
É importante valorizar essa coragem da indústria de não dar apenas o que o jogador quer, pois mesmo com pouca história para contar, desenvolvedores têm se arriscado e tentado algo novo e de forma madura. Dessa forma, junto de jogos com problemas, outros incríveis estão sendo lançados e o valor disso é incalculável.