Com o anúncio da sequência do aclamado God of War, parte dos fãs fez um grande alvoroço por um detalhe do jogo: o personagem Thor, mais conhecido como Deus do Trovão.
A aparência do deus nórdico causou estranheza em uma parcela dos gamers, que talvez por ter contato com a mitologia nórdica por meio de filmes, jogos, desenhos e HQ’s, não esteja habituada com a verdadeira aparência de Thor, como descrito nos textos antigos da religião pagã.
Longe de parecer um belíssimo modelo crossfiteiro, ou um surfista australiano com luzes no cabelo, o Deus do Trovão é descrito como ruivo, barbudo e corpulento. Ao longo dos séculos, vários artistas como pintores e escritores até reimaginaram a aparência do herói nórdico, mas é fato que suas origens são bem diferentes.
E isso na verdade não deveria ser nenhum espanto. Apesar de normalmente associarmos pessoas ruivas a países como Irlanda, por exemplo, ruivos também existem na Escandinávia. Alguns deles bem famosos, como o viking Erik, o Ruivo, conhecido por ser o primeiro explorador europeu a colonizar a Groenlândia.
Além disso, como descrito nos textos antigos, Thor tinha hábitos alimentares que favoreciam o seu porte físico. Conta-se que ele se alimentava de um boi e três barris de hidromel por refeição. Outra demonstração do apetite de Thor ocorreu em um desafio contra gigantes, onde o deus foi enganado e tomou tanta água do mar que seu nível abaixou.
Então, se os gamers exigem tanto que os jogos sejam historicamente fieis, quando por exemplo são incluídas mulheres em jogos de guerra, por que um Thor com aparência mais corpulenta incomoda tanto? Por que esses mesmos fãs tentam desesperadamente provar que o deus nórdico era um loiro bombadão, utilizando de forma equivocada até mesmo uma pintura do século XVIII para tentar provar esse ponto?
Isso provavelmente está relacionado com a forma que homens vistos como heróis, ou modelos de masculinidade, são retratados na cultura pop. Ao longo dos anos, fomos bombardeados com produtos culturais que exibiam homens que se tornaram modelos a serem seguidos. Isso de forma resumida, claro. Caso se interessem no assunto, a doutoranda em literatura Clara Matheus, do canal Mimimidias, tem um vídeo-ensaio excelente sobre o assunto:
A questão é a conveniência com que o tema da fidelidade histórica é tratada no meio da cultura pop, sejam nos games, filmes ou HQ’s. A não ser que tivessem inventado o Whey Protein, as academias de crossfit ou os eventos de bodybuilding na Escandinávia da Era Antiga, não é estranho imaginar que homens ou deuses dessa época tivessem esse porte físico.
Assim como não é estranho pensar em um Loki não-binário, como foi revelado no filme, visto que o Deus das Trapaças tinha o hábito de alterar sua aparência, incluindo gênero. Naturalmente o conceito de não-binários é recente e claramente não se pensava nisso na Antiguidade, mas o Loki engravidou de um cavalo, não é?
O incômodo com corpos considerados fora do padrão, dentro da cultura pop, é tão surreal que temos possivelmente o Thor com a maior fidelidade histórica em toda cultura do entretenimento e enquanto isso foi aplaudido por muitos, uma parcela dos fãs simplesmente odiou a ideia.
Ao mesmo tempo que rechaçam a participação de pessoas negras, mulheres, transgêneros e outras minorias em seus preciosos produtos de consumo, rechaçam a fidelidade de um personagem por ele não se encaixar nos padrões que foram condicionados pela cultura de massa.
Um dos grandes triunfos do Studio Santa Monica ao idealizar o Thor de Ragnarok é não apenas normalizar corpos fora do padrão estético vendido, mas também mostrar que esses corpos sempre existiram, eram normalizados e fomos condicionados vê-los como anormais.
Ainda há muito a ser revelado sobre o jogo e caso o estúdio leve a sério a fidelidade histórica de alguns mitos e personagens, muitos gamers ainda irão se decepcionar. Afinal, a Mitologia Nórdica não foi comprada pela Disney. Por enquanto…