Os Indies Brasileiros da Brasil Game Show 2022

Por Colaborador

ARTIGO ESCRITO PELO CORRESPONDENTE DO GAME LODGE MEGAZAO

Em outubro de 2022 aconteceu a Brasil Game Show 2022, a maior feira de games da América Latina. O evento, que não acontecia desde 2019 devido à pandemia, tinha grandes expectativas a serem atendidas após tanto tempo de preparação – além da responsabilidade de apresentar o jogador médio as novidades do mercado, como sempre tinha feito. O que vimos, porém, foi uma mera carcaça de um grande evento como a E3, em uma edição que contava com apenas três jogos inéditos pro público até então, e uma enorme maioria de estandes focados em marcas de peças, periféricos e produtos tangencialmente relacionados a games, mas unicamente focados em te vender algo.

Mas isso não significa que não havia nada relevante por lá, muito pelo contrário. A falta de grandes títulos levou muita gente a explorar a ala indie mais a fundo – incluindo eu mesmo – e isso me mostrou que aquele era o real ponto de interesse do lugar todo. Tanto que, mesmo tendo comparecido quatro vezes em dias diferentes ao evento, eu não consegui ver todos os jogos que queria, então vou falar apenas dos que eu consegui jogar, a começar por uma empresa que tinha um estande próprio por lá.

QUBYTE

A QUByte, desenvolvedora e publicadora brasileira de games, tinha um estande próprio no evento com várias demos de jogos futuros (e inclusive um que havia sido anunciado justo pra própria BGS) que me interessaram bastante. Desde então eles já tiveram um evento digital com mais anúncios para este ano, e algumas datas e mais informações sobre o que eles tinham no estande. Os jogos presentes para teste incluíam duas coleções da linha QUByte Classics: The Breakers Collection e Top Racer Collection. The Breaker Collection é um compilado dessa série de jogos de luta dos anos 90, remasterizados com várias opções gráficas e multiplayer online. Já Top Racer Collection traz os Top Gear de Super Nintendo, porém sob o nome japonês da série, já que Top Gear não pode mais ser usado como nome de produtos de videogame. A coleção vai incluir uma colaboração com Horizon Chase e o famoso carro da firma, o que torna esse lançamento ainda mais especial pro público brasileiro.

Além disso eles tinham Josh Journey, um beat’em up cooperativo com arte animada feita à mão; e Raccoo Venture, um jogo que remete aos clássicos de plataforma com mascote do Nintendo 64 e que busca recriar essa experiência de caçar colecionáveis. Ambos os jogos são de gêneros que eu não tenho costume de jogar, mas possuíam um polimento e um carinho notórios – o que ficou ainda mais óbvio após conversar com os desenvolvedores de ambos por lá.

Já o último jogo presente por lá era uma apresentação de Project Colonies: MARS 2120, um jogo desenvolvido pela própria QUByte, que é um metroidvania muito mais puxado pro lado Metroid. Sua ambientação espacial, protagonista, gameplay e premissa podem parecer bem próximos de sua inspiração a princípio, mas fica logo claro como o jogo possui sua própria personalidade principalmente em aspectos como variedade de poderes, cenários e inimigos. Pelo que os desenvolvedores mostraram durante a apresentação, o projeto é bem ambicioso e parece ter força para se diferenciar de outros jogos no mesmo estilo. Desde então ele já saiu no Steam em acesso antecipado, então se você tem interesse no título e quiser ajudar no desenvolvimento, essa é a chance perfeita.

ECLIPSE SHINE OF DAWN

Um jogo de um time pequeno, com gameplay em ondas de inimigos e upgrades entre elas, que lembra um pouco Hades no seu estilo, com a diferença que não existe nenhuma progressão por enquanto além da primeira arena. O grande diferencial do projeto é que ele foi uma demo desenvolvida em apenas 2 meses pelo time, e já possuía um núcleo de gameplay muito sólido. Certamente eles sabiam o que estavam fazendo, e ficarei de olho se eles vão realizar todo o potencial que apresentaram nessa demo.

NVDA

Uma visual novel curta, com escolhas e finais diferentes, que se propõe a ser bem brasileira e refletir nossa cultura. Pelo que joguei da demo, ela parece ser bem escrita e ter personagens e uma premissa interessante, além de arte e música de qualidade. Um detalhe importante é como o jogo é bem apresentado como visual novel, já que os desenvolvedores já possuem bastante familiaridade com esse meio. Se a ideia te interessa, tanto a demo quanto o jogo final já estão disponíveis no Steam.

RED RIM

Um jogo de tiro em terceira pessoa com elementos de terror bem inspirado em Dead Space, com um lore muito trabalhado e ambicioso, misturando elementos da cultura brasileira, nórdica, e da temática cyberpunk. Fiquei muito curioso de como isso vai se refletir no jogo final sem parecer caricato, mas os desenvolvedores me garantiram que o mundo tem recebido tanto planejamento quanto o gameplay. A demo também tinha só 2 meses de desenvolvimento, mas é impressionante pelo nível de polimento que já possui em vários aspectos, e parece estar seguindo um caminho muito bom – com embriões de mecânicas interessantes e visuais bem trabalhados.

SECRET BLADE

Esse jogo se propõe a ser uma espécie de Overcooked com ferreiros, em que você precisa combinar metais diferentes pra criar armas para seu exército e pontuar nas fases. Ao mesmo tempo, você é atacado por inimigos, então precisa balancear uso das armas que criou pra se defender. O jogo tem algum tempo de desenvolvimento, mas ainda parece bem cru em vários aspectos e faltando muito do que o tornaria mais acessível pro grande público – como gráficos mais polidos, minigames, tutoriais, uma HUD, etc – mas com mais trabalho em cima daquela ideia pode surgir um jogo bem único e divertido, ainda mais com o foco em modo cooperativo.

AGS

Essa foi uma das minhas maiores surpresas lá, pois é um jogo de luta bem único e exclusivo pra celulares, que usa um sistema de combate simples e ágil, combinando com cartas e “mana” pra ataques especiais – lembrando um pouco o sistema de Clash Royale. Você possui alguns ataques básicos com comandos simples na tela, mas a maior arma de cada jogador são os ataques especiais em cada carta, que podem ser combinadas para criar grandes combos. A monetização vai ser focada em conseguir mais e diferentes cartas, além de ter um sistema de espera para aprimorá-las. O jogo já está disponível pra download como uma espécie de acesso antecipado em plataformas mobile.

DONUT ARENA

Um roguelite de um desenvolvedor solo, Donut Arena tem um visual que mistura aspectos meio fofos – como os próprios donuts – em contraposição ao gore excessivo e um estilo mais “chulo”, que lembra jogos como The Binding of Isaac. Ele também possui um sistema de controles bem diferente e simples, apenas com movimentação e ataque no R1, que apesar de estranho a princípio, funciona bem quando você pega o jeito. Todos esses fatores contribuem pra que seja um jogo com muita personalidade, o que ajuda a compensar na sua simplicidade como roguelite. Ele já está disponível no Steam.

DRAKANTOS

Drakantos se propõe a ser um MMO com um loop de gameplay parecido com Diablo, em que você vai aceitar missões com outros jogadores em busca de loot melhor e experienciar uma história ao mesmo tempo. É um jogo com uma pixel art bem bonita, mas em movimento ele não é tão fluido quanto eu gostaria que fosse. Mesmo descontando lag, o gameplay era um pouco travado, com meu principal problema sendo a movimentação do personagem, que acontecia em “blocos invisíveis” no cenário, como um jogo antigo de RPG Maker, por exemplo. Isso é algo que eu espero que eles refinem até o lançamento. Conversando com um desenvolvedor, ele disse que o time já trabalhou em vários jogos online nessa escala, então eles não veem o fato de ser um MMO como um desafio particularmente novo.

SENAC

Uma empresa que tinha um estande na ala indie era o Senac, com alguns de seus alunos do curso de design de games expondo seus projetos de semestre por lá. Os dois projetos que eu joguei foram Ploct, um jogo de plataforma simples que você usa a língua de um sapo pra se locomover pela fase; e um jogo com um slime azul que você ia de sala em sala em uma dungeon, com rolagens de d20 ditando a dificuldade dos inimigos que aparecem em cada sala. Segundo os alunos, todo semestre eles precisam apresentar um jogo novo como projeto, e esses eram os projetos dessas turmas.

SHATTERED HEAVEN

Um tipo de jogo que eu não esperava encontrar por lá foi Shattered Heaven, um dungeon crawler roguelike com foco em exploração e eventos randômicos que remetem a RPGs de mesa, e um combate que usa um sistema de cartas. Pode parecer uma pilha um tanto grande demais de ideias quando colocada assim crua, mas foi um dos jogos que eu mais gostei de experimentar, pois seu polimento e a profundidade das suas mecânicas – em conjunto com aquele mundo e a escrita de seus eventos – já foram capazes de me deixar imerso por bastante tempo em sua demo.

BEYOND THE STORM

Não é todo dia que se vê brasileiros trazendo shmups pro maior evento de games do país. Muito menos shmups inspirados em um jogo igualmente único e obscuro dos anos 90. Querendo ser um sucessor espiritual de Tyrian, Beyond The Storm é um shmup extremamente complexo, que permite que você customize sua nave granularmente e, no meio das fases, possa praticamente pausar o jogo e escolher redirecionar a energia da nave pra partes mais importantes naquele momento, medindo o custo benefício de cada decisão. Em teoria parece um jogo com muito espaço pra experimentação e rejogabilidade, ao custo de dedicação do jogador. O desenvolvedor do jogo – que é o único do projeto, vale ressaltar – me garantiu que o tutorial do jogo é pensado pra introduzir suas complexidades até pra quem nunca jogou Tyrian, então acessibilidade não deve ser um problema. Ainda melhor é que o jogo também já está disponível no Steam.

BITNAMIC SOFTWARE

O estande da Bitnamic Software tinha um compilado de todos os produtos que eles faziam, e eu aproveitei pra conhecer mais sobre a empresa e bater um papo com um dos fundadores. A empresa é responsável por preservar e trazer jogos pra plataformas antigas de volta ao mercado, publicar novos homebrews pra consoles antigos em suas mídias originais, e reviver revistas sobre essas plataformas, e sempre trabalha com os autores originais dessas obras. No momento eles já republicaram alguns jogos brasileiros para MSX, ZX Spectrum e outros computadores antigos, além de em breve estarem trazendo de volta ao mercado o clássico Incidente em Varginha para computadores modernos e levando esses jogos para outros países. Se você quiser conhecer mais sobre o trabalho deles, todos os produtos estão disponíveis no site.

E esses foram os destaques de jogos pra mim nessa BGS. Como evento em si, eu achei que esse ano foi fraquíssimo. Meu único ponto de comparação direto é a BGS 2014 (a única outra que eu participei) que já faz vários anos a esse ponto, mas a diferença entre as duas é gritante. É bizarro como mais de 90% dos estandes daquele lugar todo eram comerciais e nem focados necessariamente em jogos de videogame, enquanto eu lembro que em 2014 havia bem mais estandes sobre jogos e com demos. Eu não acho que o consumidor médio devia pagar tão caro no ingresso pra ir em um shopping gamer glorificado, onde você tem mais oportunidades de comprar peças caras, periféricos questionáveis e água a 8 reais do que de jogar algo que é realmente novo. E nem digo “algo novo” no sentido de inédito no mercado necessariamente, já que só de ter vários jogos atuais da nova geração seria interessante visto que a maioria da população não tem acesso a muitas dessas experiências, mas nem esse conteúdo requentado e de baixo esforço tinha suficiente por lá.

O que importou pra mim, e o que importa pra maioria das pessoas no fim do dia, é usar a BGS como um ponto de encontro entre amigos que compartilham da mesma paixão que você, e nesse ponto o evento sempre entrega. Eu só espero que, tendo em mente os custos já envolvidos com a experiência da BGS, as próximas edições tenham mais a oferecer do que bons jogos escondidos em um corredor e muitas marcas gritando pra você vir gastar ainda mais.