Pikachu com a Coleira: Como me tornei refém da minha vontade de jogar

Escrito por Gabba Fernandes
Opinião

Desde muito cedo, coisa de 14 anos, eu escrevo sobre Games na internet. Venho daquela geração que nem sempre tinha um PC ou até mesmo internet em casa, então religiosamente dava uma passada na banca para comprar alguma revista que ainda não havia encerrado sua circulação. Me desfiz das coleções de EGM, Nintendo World e afins faz coisa de alguns meses, desapegando durante a pandemia.

Esse background é interessante, pois mesmo com internet escassa, gastava meu tempo escrevendo para blogs, alguns até em atividade, de forma que tudo o que consumi, por muito tempo, foram notícias e discussões de games. As análises, vinham apenas após jogar, claro, mas vale começar o ponto principal disso daqui falando que: depois de muito discutir e consumir, eu diria que é até justo um jornalista fazer um review sem terminar o jogo. Você consegue uma análise só da fala dos devs em preview, ou só do trailer, na imensa maioria dos casos.
Os motivos disso não vem ao caso até aqui, o ponto que quero dizer é: passei muito tempo mais falando, discutindo, e criando conteúdo sobre videogames, do que de fato jogando, experienciando, aproveitando essa mídia que eu gosto tanto. Até que, uns 5 anos atrás, me veio um estalo na cabeça…

QUANTAS PLATINAS VOCE TEM?


“A partir desse ano, vou fechar pelo menos um jogo por mês”. E assim fiz. Mantenho uma lista no Google Keep com todos os jogos/mes/ano que terminei. Busquei os clássicos que todo mundo falava, como Chrono Trigger, me afundei em incontáveis indies. Se fosse uma experiência que chegasse a um final com tela de créditos apertando alguns botões no percurso, eu tava dentro. A única exclusão que fiz foi de jogos majoritariamente multiplayers, porque né? Também não me incomodo com platinar nada, não me importo com as conquistas. Só queria sentar e conseguir jogar algo do início ao fim.

sem platina, mas com a biblioteca de first-parties do PS4 inteira completa.

Rapidamente tomei gosto pela coisa. No janeiro que iniciei, foram 3 jogos, e não apenas 1. Bacana, meu repertório cresceu, entendi que apesar de conseguir fazer uma análise, tem jogos que aquela reviravolta no final te mudam completamente o paladar, a relação com o jogo e até talvez a nota do Metacritic. Continuei fazendo por anos. Fechei coisa de 30 jogos por ano, logo, até aqui, dá para somar 151. Hoje, consigo me considerar, para meus próprios padrões, alguém que joga videogames. Porém, não quero mais isso.

PIKACHU COM A COLEIRA


A cada jogo que eu jogava, menos me surpreendia. Não por qualidade técnica. Como falei, entrei nessa já sabendo do que muita coisa se tratava. Lido com videogame a mais tempo do que sei escrever, se for parar pra pensar (minha primeira memória foi do Super Nintendo que ganhei com 3 anos de idade). Mas a obrigação de finalizar, de não me permitir “dropar” um jogo mais, estava me tirando o pequeno prazer de descobrir alguma coisa extremamente interessante. Perdi metade do charme de Yakuza 0 por fazer pouquíssimas sidequests. Eu tinha que ir para o próximo. Eu tinha que marcá-lo na lista, fazer uma anotação besta, e partir para jogar o próximo jogo. Ainda bem que mesmo assim o jogo é excelente, mas e o que não tem o seu creme nas mainquests?

achou que não ia ter essa imagem, né?

O jogo que me fez perceber isso, e pela confusão da sua UI, foi Cyberpunk 2077. Penso em escrever sobre a minha experiência de “mais fala que joga” até um riscador de listas já faz algum tempo, mas o fato do jogo quase não distinguir entre as quests principais e secundárias me fez abrir o olho para o quanto de coisa perdi ou acabei me rendendo a um guia cedo demais. Estava me tornando, a minha própria maneira, um ELITEGAMER.

Puta que Pariu.

2021 pela primeira vez resolvi me permitir jogar com mais calma, sem compromisso com completar, e sem barreira de tempo. Isso não quer dizer que eu vá jogar menos. De fato, na primeira semana do ano já tinha jogado o primeiro game que queria até o final. Mas é importante não se escravizar em função de ser um jogador melhor ou com mais repertório, tenha você ensejo de fazer conteúdo sobre, ou não. Nossos trabalhos nos dias de hoje já são regidos por métricas que parecem ter saído de um MMO asiático sem muito carisma, e no momento em que estamos, é cada vez mais necessário entender o que nos faz bem, o que nos dá prazer. Sigo agora para Half Life 2, mais um dos que deixei passar no passado, mas de cabeça aberta, sem me torturar. Joguem, mas acima de tudo, se emocionem, reflitam, se divirtam. Pois é o melhor que podemos fazer com videogames.