The Last of Us Parte 2 – O Terceiro Lado

Por Silvio Diaz

The Last of Us Parte 2 é sobre raiva e vingança. Todo mundo sabe e o problemático diretor do game, Neil Druckman assumiu que o tema principal era “raiva”. Já a questão do ciclo prejudicial da vingança, ensopa o jogador a todo momento. Entretanto, aqui eu quero falar de um tema também óbvio no jogo, que honestamente, é até mais importante do que os que foram citados.

ESSE ARTIGO TEM SPOILERS

Tanto o sentimento de ódio, quanto o de querer fazer justiça com as próprias mãos são fortes em Ellie e Abby, as duas protagonistas do jogo. Duas personagens que tiveram seu pai arrancado de suas vidas com violência em um mundo em que justiça, certo e errado são apenas opiniões,e para contar a narrativa que querem, a Naughty Dog obriga o jogador a ver os dois lados da situação.

A questão, é que mais do que os sentimentos violentos do jogo, existe um muito mais forte e presente: A compreensão de lados. Não basta jogar com uma e depois a outra, é preciso entender cada uma das protagonistas para apreciar o jogo por inteiro. Não dá para manter a raiva até o final ou simplesmente não se conectar emocionalmente com a história. The Last of Us Parte 2 precisa disso e é dessa forma que ele consegue ter, não apenas os dois principais lados, como um terceiro extremamente importante para a franquia. É assim que chegamos em três sentimentos que dividem os lados e o jogo: vingança, remorso e raiva.

Vingança

Para compreender o lado de Ellie, tem que querer vingança. É por isso que precisamos ver Joel morrer. Esse é o pontapé do jogo e não é atoa que o tão amado personagem é assinado daquela maneira terrível. É de chupetão, é assustador e extremamente frustrante. Em um jogo que podemos matar diversas pessoas de maneira violenta, tanto infectadas quanto saudáveis, no controle de Ellie, não conseguimos ajudar o protagonista do primeiro jogo.

Todos esses sentimentos são necessários para esse lado da continuação. É preciso conhecer o primeiro para se conectar a Ellie na morte de seu pai adotivo e é necessário explorar Seattle para entender aquele lugar que nutre tantos sentimentos ruins na primeira protagonista. Da mesma forma que é preciso matar infectados, humanos e cachorros em sua jornada.Todos esses elementos, tanto mecânicos quanto narrativos só funcionam e fazem sentido quando queremos vingança.  É assim que a história a ser contada prepara seus argumentos: com violência.

The Last of Us Parte 2 - Barco

Sem os gritos de dor dos inimigos ou o choro dos cachorros quando matamos seus donos, The Last of Us Parte 2 seria apenas mais um videogame em que matar é parte da “mecânica” e do desafio. Sendo que aqui, ela faz parte de como o estúdio quer contar sua história. Com a vingança vem dor e sangue e sempre termina com o remorso.  

Remorso 

O lado da Abby, que começa a ser o foco na segunda metade do jogo, não apenas passa a mostrar para o que veio, como é quando se torna mais complexo. Somos apresentados a personagem depois de completar sua vingança. Nela, não existe mais o sentimento de raiva e o jogador é absorvido em um momento difícil da vida da personagem.  

Após matar Joel, Abby está se recuperando e aos poucos passando a sentir tudo o que perdeu nos quatro anos -em que só pensava em matar o assassino de seu pai. Com isso, vem o remorso. Nas lembranças da segunda protagonista o jogador aos poucos entende esse lado. Ela deixa de aproveitar um romance com o garoto que gosta por não conseguir pensar no homem que deseja matar.

É com esse arrependimento que a nova personagem faz de tudo para ajudar Lev e sua irmã que passam não apenas a direcionar a história, como criar uma narrativa já conhecida para os que jogaram o primeiro Last of Us. Nesse momento, tal qual Joel, Abby acolhe uma criança e aos poucos se encanta por ela, por meio de uma absurda vontade de resolver o que deixou passar. Entretanto, o remorso vai além. Tal qual temos que querer vingança com Ellie, no segundo lado da história, o jogador tem que sentir o arrependimento.

The Last of Us Parte 2 Abby

A narrativa de Abby é tão focada em se sentir mal com o que fez ou deixou de fazer, que o principal objetivo para a trama principal e mecânica é deixar claro para o jogador quem ele está matando. Em poucos minutos desse lado da história, aprendemos que os cachorros não são tão assassinos e as pessoas não tão desumanas assim. O remorso, de maneira diferente, passa a não ser apenas de quem controlamos, mas também nosso. É dessa forma que o estúdio fala sobre a temática principal, os problemas e o medo da raiva.

Raiva

Sem dúvida, o sentimento com mais foco é a raiva. É preciso sentir e entender o que que está se passando com as duas protagonistas e isso já ficou óbvio por todo o texto, mas tem um além, o terceiro lado da história. A narrativa que percorre todo o jogo e nos minutos finais se revela, afeta cada um dos personagens e torna o jogo um argumento para o final do primeiro, pois o terceiro lado é sobre Joel

No final de The Last of Us Parte 2 ouvimos o Joel assumir para Ellie que se tivesse a oportunidade de fazer tudo de novo, o faria. O motivo dele não aceitar perder a garota que passou a ver como filha e o fez ser tão egoísta não é tão diferente do que faz Ellie não ter controle, e assassinar de maneiras terríveis, diversas pessoas por todo o jogo.

A raiva dessa continuação é o resultado que Joel evitou, e é o sentimento necessário para que esse argumento funcione.  Não é como se ele tentasse fazer o jogador concordar com o que o personagem fez, mas da mesma forma que entendemos Abby, no fim, quando vemos o último momento dos dois juntos, entendemos ele muito mais. Dessa vez, estivemos por horas controlando uma personagem que passou por algo que ele evitava para si.

A raiva de Ellie que pode ser vista como dela mesma, quanto de todos os que ajudaram a matar seu pai adotivo. É parte do motivo dela não conseguir tirar todos os acontecimentos da cabeça e não conseguir ter uma vida, curtindo com sua namorada e filho. 

O Terceiro Lado

Na narrativa, a terceira visão é sobre Joel, mas ligado a Ellie, que por muito tempo não conseguiu aceitar o que seu melhor amigo fez. Ao perder alguém que ama, como ele temia perder, Ellie mergulhou em raiva e se permitiu largar tudo o que amava na tentativa de apagar esses sentimentos. Da mesma forma que seu pai adotivo não se importou com o mundo para evitar entrar nisso novamente. Algo que só no fim de sua jornada, ela entende.

O terceiro lado funciona como o segundo para o jogador, mas nesse caso, focado na evolução da personagem. Da mesma forma que entendemos, com Abby,  as atrocidades que Ellie fez em nosso controle por uma sede de vingança, a protagonista que acompanhamos desde o primeiro game só entende o que está fazendo e só perdoa seu pai quando percebe que está no mesmo lugar que ele esteve. 

Como em Wayfaring Stranger, de Jonny Cash. Ellie andou por um caminho extremamente difícil mas encontrou seu pai. De uma maneira emocional, Ellie e Joel finalmente se entendem e as decisões dele, tanto com exemplos de Abby e Lev, quanto pela falta de remorso dele, fazem sentido para ela.

Mais do que os três sentimentos que os dividem, a verdadeira temática e importância de The Last of Us Parte 2 é a compreensão do próximo. É deixar claro que todos tem seus motivos e nada é porque sim. Não é questão de concordar com o que o outro fez, apenas entender. O jogo não te deixa mais empático, não funciona assim. Ele usa dessa temática para quebrar o jogador sentimentalmente. Tal qual nossa raiva e vingança diminuem quando descobrimos o lado de Abby, Ellie, como o jogador, precisou se sentir na pele de Joel para entender. É dessa forma,usando de lados, que a narrativa dá sentido para o que parecia impossível, e no fim, Ellie o perdoa.