Um ping pong entre minhas memórias e Breath of the Wild

Por Silvio Diaz

Em uma noite qualquer, na época do ensino médio, eu e mais dois amigos decidimos sair para andar pela cidade. Não tínhamos um rumo, era apenas uma vontade de andar, conversar e descobrir aquele lugar que moramos por anos e nunca exploramos. Sinceramente, eu nunca entendi como essa ideia veio e como em nenhum momento pensamos que seríamos assaltados,andar de noite nas ruas do Rio de Janeiro, em lugares que nunca fomos antes é claramente uma ideia errada.

A questão é que esse “rolê” é até hoje lembrado por nós e depois de muitas horas de The Legend of Zelda: Breath of the Wild, eu comecei a perceber a relação entre o jogo e essa pequena aventura que tivemos. Um motivo quase  subliminar para que o jogo da Nintendo tenha se tornado o meu favorito da vida.

Breath of the Wild é muitas vezes sobre não ter um rumo. Seu mapa parece ter sido meticulosamente criado para que cada canto tenha algo que pareça interessante. Cavalos, casas destruídas, torres, shrines e diversos outros elementos que de alguma forma chamam atenção do jogador. Não é atoa que na primeira vez que sai do Plateau (área inicial do jogo) eu fui na direção oposta da missão principal. Uma imensa montanha do outro lado me chamou atenção.

Aquela noite foi da mesma forma,eu e meus amigos olhávamos para uma rua, um boteco ou uma casa que chamava atenção e seguíamos naquela direção. Tal qual o último Zelda, chegar nesses locais não davam uma recompensa imediata. O andar até lá, conversando e olhando envolta, descobrindo o lugar e vendo as (poucas) belezas que se escondiam naquele bairro faziam parte da recompensa.

Aconteceu praticamente o mesmo no jogo quando fui para a montanha. Ao chegar lá, ganhei apenas a imensa vista daquele mundo que poderia explorar e a presença de alguns espíritos com forma de animais. As armas,shrines e lutas contra inimigos, recompensas diretas e mais “importantes” para o andar do jogo, estavam pela viagem, e mesmo assim, aquela paisagem e a descoberta dos espíritos marcou muito mais. , Breath of the Wild é muito mais sobre descobrir o espaço a nossa volta, e aquela noite também.

Espirito Zelda Breath of the Wild

Boa parte da caminhada por morros, ruas, e vielas não ficaram nas memórias, ainda sim, um pequeno boteco sem nome com um jukebox tocando NX Zero enquanto um único bêbado dançava marcou. Naquele momento já tínhamos andado por muito tempo e centenas de ideias e piadas tinham surgido. Ainda sim, um lugar com tão pouca importância foi marcante e igual a montanha do game, até hoje eu não lembro exatamente como chegar lá.

Após mais de 80 horas de jogo, sem querer eu encontrei uma shrine em uma montanha e não demorei muito para perceber que finalmente havia encontrado aquela mesma vista e espíritos. Se me perguntar hoje como chegar lá, eu não faço ideia, ainda sim, o sentimento de perceber as conexões do mapa, e naquele momento entender a variedade de caminhos possíveis para o mesmo lugar foi maravilhoso.

É algo que tenho percebido nessa nova jornada com Breath of the Wild que tenho feito nos últimos dias. Após mais de um ano que joguei no Wii U, comprei para Nintendo Switch e esse sentimento de encontrar novas formas de chegar em locais que já estive são extremamente gratificantes. Aos poucos reconhecer elementos do mundo e em uma virada de câmera perceber até onde foi e o quanto andou são constantes e mesmo assim não enjoam. O tempo todo é uma surpresa.

Em diversas rua, percebemos já ter passado  perto em algum momento de nossas vidas. Entretanto, o mais marcante para mim foi quando sem querer chegamos em um morro muito alto e além de chegarmos sem querer na rua de uma amiga, eu percebi estar muito perto de casa. No alto daquele morro eu podia ver a praça e a igreja católica, dali, eram apenas alguns minutos a pé de onde eu morava na época.

O sentimento de tudo se encaixando em um bizarro mapa da minha cabeça foi impressionante. Pela primeira vez eu estava naquele lugar,  absorvendo tudo a cada passo e como recompensa recebi uma vista, não muito bonita, mas que me arrebatou. Pela primeira vez eu via aquele lugar que passei tantas vezes por outro ângulo. Isso até hoje é cravado em minha memória e me fez até hoje gostar de andar por lugares novos sem muito rumo, só para aos poucos perceber tudo se encaixando.

São João de Meriti Zelda

Foi nesse exato lugar que percebi estar perto de casa e o quanto andei. Imagem retirada do Street View.

É engraçado só ter percebido essa semelhança tão importante após um ano, mesmo desde as minhas primeiras dezenas de horas no jogo, tendo posto ele como meu favorito da vida, eu não sabia transformar isso em palavras sem citar todas as qualidades mecânicas e artísticas do jogo. Ainda sim, só agora, jogando no Nintendo Switch eu consegui traduzir isso. Tudo graças a uma noite que poderia ser qualquer uma,  se tornou um dos momentos mais importante que tive com os amigos. Tal qual o último Zelda me mostrou o que eu queria em um jogo, aquela noite me fez perceber uma parte minha que eu nunca tinha conhecido.

OBS: Tentamos fazer isso mais uma vez um ano depois e logicamente fomos assaltados.