Uma Carta de Amor ao Visual nos Games – Coluna do Frost #2

Por Jack Frost

Não me diga que a lua está brilhando, mostre me o cintilar da luz no vidro quebrado.

– Anton Chekhov, porcamente traduzido por mim.
The 25th Ward, como qualquer jogo da empresa Grasshopper Manufacture, conta com uma direção de arte excêntrica.

“Jogo Feio, Hein Mané?”

O que torna um jogo “bonito“? O que atrai alguém visualmente a buscar um jogo? Para a massa consumidora de hype (comprem lançamentos comprem lançamentos comprem lançamentos), com certeza o fator mais importante é a questão dos jogos hiperdetalhados. Não estou dizendo nem em parâmetros técnicos – vendo que valores como framerate, frametime, anti-aliasing e afins não são parte do vocabulário popular. É sobre fazer algo que seja digno de extrair o máximo do console para trazer os visuais mais detalhados possíveis, irrelevante do uso excessivo de motion blur e afins.

Também tem o oposto, o público que consome tecnologias gráficas e olha, detalhe por detalhe, o quão tecnicamente impressionante um jogo pode ser, cobrando muito mais de parâmetros técnicos mais específicos, brigando e brigando com o software para extrair um frame a mais na execução de um jogo. E isso, é apenas na esfera de quem busca jogos fotorrealistas, que não é nem 10% desse universo.

The Last of Us 2
Enquanto alguns criticam The Last of Us 2 por não se manter estável em todas as versões do Playstation 4, outros exaltam o nível de detalhe alcançado pela Naughty Dog. Nenhum dos dois necessariamente estão errados, mas mostram duas perspectivas diferentes de uma análise visual.

Outras pessoas, puxam para outra discussão. Buscam as famigeradas pixel arts, visuais que parece que saíram de jogos de quando cada pixel na tela podia ser contado por uma pessoa persistente. Mas, dentro de pixel art, tem vários segmentos: desde artes mais minimalistas, até artes detalhadas que extraiam o máximo da resolução selecionada.

Dentro dos jogos, tem aqueles que prioriza a fidelidade visual do jogo à época retrô que ele tenta remeter (indo até na paleta de cor permitida pelo console), e gente que se importa mais com o visual ser agradável acima de fiel. Até porque temos vários consoles antigos, desde os computadores japoneses que tinham artes extremamente detalhadas, até um Atari que parece uma pintura concretista.

As possibilidades dentro do campo da estética – até dentro de um estilo delimitado – são infinitas. Curiosamente, o termo “estética” não se remete apenas à parte visual, mas também aos sons, música e atmosfera. Tudo isso contribui para a experiência sensorial de um jogo, afinal: são onde grande parte do orçamento de um videogame atual vai. Nesse texto, irei me referir apenas ao aspecto visual e espero que durante a leitura, eu levante algumas questões. Lembrete que estética é, se duvidar, o campo mais subjetivo dos videogames. Se essa discussão fosse simples, a definição do que é arte não seria um tópico de discussão problemático na academia.

O que é Arte? A Maldita Pergunta

Arte é algo confuso. Pelo fato de não ter uma definição exata, é uma discussão que exige um pouco da perspectiva pessoal de quem interpreta. Arte pode ser desde a expressão de uma geração – delimitada por movimentos artísticos –  até uma expressão mais introspectiva e excêntrica, subversiva para sua própria época. A resposta mais simples para a definição de arte é que arte é expressão (seja de temas, emoções ou conceitos), mas a delimitação vai ficando cada vez mais e mais confusa. Questões como indústria cultural acabam dividindo opiniões e até confundindo um analista.

Seria decisões específicas que trazem menos popularidade à uma obra – que usam padrões bem conhecidos por motivos comerciais – um detrimento ao valor artístico? Seriam obras que priorizam marketing e vendas acima de expressão, parte do que é arte? Será que isso é mais próximo de um espectro do que uma binária? Enfim, a solução é ir atrás de estudo, experimentação e especialmente em busca de criar sua própria compreensão do assunto.

Existe um consenso – especialmente na área de games– que é empático e bonito nas palavras, mas que discordo fortemente: que o certo é analisar a arte a partir de sua intenção, e colocar tal opinião em primeiro plano será importante para o que acredito em relação à isso.

Vamos primeiro pensar no que é válido: arte pode ter várias intenções e um bom analista deve ser aberto às ideias que talvez sejam subversivas ou saiam de um padrão agradável. Enquanto coisas belas tem seus méritos, também existe a questão do grotesco, do mundano, e de várias outras sensações que podem ser atingidas. Quando consideramos que a nossa meta de analisar arte deve ser em entender a intenção do autor, iremos ser mais abertos à outros sentimentos e conseguiremos extrair mais de uma determinada experiência artística.

Sentimentos opostas, intenções opostas, certo? ERRADO.

Isso, pois não consideramos que há uma camada importantíssima para a arte: a interpretação. Apesar do artista ter o total poder de criar o que quiser, a real magia está no impacto que a sua obra tem nas pessoas, e pessoas são inexatas. Apesar de você querer passar um tema específico, uma mensagem ou um sentimento… A vivência individual, os conhecimentos e os sentimentos de uma pessoa tornam cada perspectiva única, e isso é o que cria toda a camada subjetiva.

Daí, a ideia de “A Morte do Autor“. O que o autor pensou em criar algo, apesar de ser relevante para uma discussão, não necessariamente significa que é um martelo final no que uma obra pode significar. O impacto cultural e social de uma história, o quanto ela pode significar para uma pessoa e quais discussões ela levantou são o resultado final, e são uma perspectiva muito mais essencial à uma obra do que o que passava pela cabeça de quem fez. Oras, as vezes o autor nem sabe o que tá fazendo. :^)

Um exemplo disso é Death Note. Uma dos mangás mais icônicos dos anos 2000, que fala de um garoto que encontrava um caderno mágico onde, se escrito o nome de alguém, essa pessoa morreria. Em uma década que personagens como O Justiceiro estavam em alta, a história usava de seu protagonista egocêntrico para criar uma narrativa sobre a questão de fazer justiça com suas próprias mãos. Apesar de não ser uma história particularmente densa, adolescentes e adultos se questionavam e discutiam se as atitudes do protagonista Light Yagami eram justas. Muita gente se dividia entre apoiar o detetive L, que buscava acabar com esses assassinatos em série, ou o psicopata supracitado por ter como alvo principal os bandidos. Interessante como um produto da cultura pop pode influenciar o pensamento das pessoas, gerando reflexão e interesse em tópicos inusitados, certo?

Sim, e eu diria que o autor, Tsugumi Ohba, está de parabéns – se não fosse pelo fato que ele disse que não criou a história com a intenção de falar sobre isso.

O protagonista de Death Note, Light Yagami, é um dos exemplos mais marcantes da cultura popular de um anti-herói justiceiro.

Se a intenção não foi exatamente fazer um comentário político, significa que os adolescentes dos anos 2000 estavam errados? Significa que a discussão que o mangá trouxe é totalmente descartável? É óbvio que não. O mangá trouxe isso ao público – irrelevante da intenção do autor – e isso enriqueceu a obra muito. Até porque muitos valores que a obra passa são inerentes às crenças do autor. Em algumas entrevistas, Ohba diz também acreditar que nenhum humano pode julgar o outro humano, sendo a mais provável origem dos valores transmitidos em sua história.

Podemos concordar que a ideia provavelmente não era dissertar sobre isso e que talvez Death Note tenha sido criado para ser apenas um duelo entre um detetive e um psicopata. Mas o autor permitiu que algumas ideias inerentes a ele entrassem, tornando a sua intenção totalmente irrelevante. Mesmo se esses valores nem existissem nas crenças do autor em si, o que importa é a interpretação que as pessoas tiveram, pois esse que é o ponto de interagir com arte.

Assim, a conclusão é: arte é feito para expressar e a interpretação individual importa. Arte pode expressar o que quiser, mas parte da graça de experimentar arte é ver como a sua visão interage com a obra. E isso torna tudo muito interessante, pois é o que torna análises muito subjetivas: a interpretação, no fim do dia, é sua. E uma boa análise com certeza não irá ignorar a identidade e os conhecimentos do analista.

Abstração e Detalhamento

Um usuário do Twitter ironiza uma polêmica, onde certo usuário dizia que um quadro do mangá Berserk, de Kentaro Miura, era superior à pintura Abaporu, de Tarsila do Amaral.

Infelizmente, uma das discussões mais acaloradas na boca popular sobre arte talvez seja a mais vexatória: a supervalorização da arte detalhada e o total desprezo por arte mais abstrata, menos direta. Entretanto, abstração – quando aplicado em um contexto visual – tem um conceito simples: é quando existe uma representação estética de um objeto real, e quanto mais abstraído, menos fiel é.

Muito do discurso conservador artístico é, por exemplo, considerar quadros como Abaporu ruins, simplesmente por apresentar um corpo visualmente deformado – como se o grotesco por si só fosse errado. Alguns, que pelo menos tentam parecer mais artisticamente conscientes, tentam desmerecer a obra por quão fácil de ser feita ela é. O engraçado é que nunca vi um comentário usando de exemplo o Mickey Mouse por ele ser uma abstração bizarra e simples de um rato.

“Nossa, mas essa ilustração do Mickey Mouse é simples, meu primo faria. Estranho, não parece um rato, parece mais um urso de pelúcia.”

Considerando nossa discussão anterior, suponho que o leitor já tenha pensado o suficiente para chegar na conclusão que algo grotesco não necessariamente significa algo ruim, e que arte não precisa apenas evocar sentimentos positivos. Ora, qual lugar teria os filmes de terror e os monstros de Diablo se apenas as coisas belas fossem apreciadas? E também, até personagens fofos como Mario são frutos de abstração, e usam dessa ferramenta para tornar o seu visual mais confortável. Há lugar para todas as sensações. Mas abstração e realismo tem suas implicações e acho importante relevarmos isso, por mais simples que seja o contexto.

O youtuber Hossein Diba replicou o Mario de modo realista. Proeza em replicar anatomia nem sempre representa o melhor resultado final.

Representações realistas:

O fotorrealismo pode ser importante para a estética de uma obra. Mesmo com algumas liberdades artísticas, esse tipo de representação é aquela que engana os olhos e impressiona no nível de detalhes. Isso traz uma riqueza de informações: você vê os pelos, as feições e a expressão corporal de modo mais verossímil e pode ser usado, tanto para criar beleza, quanto para criar nojo.

Representações abstratas

A abstração é uma ferramenta poderosa. Simplificando e reduzindo um objeto às suas características principais, podemos distorcer os sentimentos e criar algo muito mais interessante. Desde tornar um objeto geralmente visto como repulsivo em fofo, até dar sensações mais negativas para objetos mundanos.

Apesar de não ser regra, o abstrato geralmente consegue remeter melhor aos sonhos, aos sentimentos e às emoções. Pode ser menos rico em informação sutil, mas tende a ser mais intenso. É um dos principais motivos que desenhos animados usam da abstração, além do fato que formatos menos detalhados favorecem o processo de animação.

Após esse breve pensamento, voltemos à Abaporu. Na imagem do começo desse tópico, o autor do tweet faz piada com uma comparação triste: alguém desmereceu a pintura clássica brasileira por não ser tão detalhada e esteticamente agradável quanto um dragão do mangá Berserk.

No lugar de julgarmos por ser abstraído, vamos tentar interpretar a obra, tentando extrair significado, temas e emoções – assim como incentivei no primeiro tópico do texto. As cores usadas são, coincidentemente: as cores da bandeira do Brasil: azul, verde e amarelo. Considerando o que o o movimento artístico que a Tarsina do Amaral participava tinha ideais nacionalistas, a estética referencia as cores. Então, estamos falando do Brasil em algum nível. A postura do personagem localizado no centro da pintura, entretanto é uma de pensamento. Estranho que, apesar de estar pensando, sua cabeça é pequena, mas seu pé é imenso. Seria um trabalhador braçal? Ele está em busca de senso crítico?

Pé imenso? Mão imensa? Nossa, não são as nossas principais ferramentas nos trabalhos braçais? Agora, pensando retroativamente: não foi ela que fez outra pintura famosa, chamada Os Operários?

Os Operários é uma das pinturas mais expressivas sobre a realidade brasileira até hoje. Pessoas, de várias etnias e origens diferentes, com feições tristes e cansadas.

Então, essa tal de Tarsila do Amaral está pintando sobre a realidade brasileira… E nossa, Abaporu significa “homem que come gente”, do tupi-guarani. O movimento que a artista participava se chamava Movimento Antropofágico, que tem como intenção “digerir”, se inspirar em influências artísticas internacionais para criar um estilo artístico fundamentalmente brasileiro. E por que esse nome? Talvez por que a pose da pessoa distorcida remeta à uma pose da estátua grega clássica O Pensador?

O Pensador, de Rodin, é a estátua que provavelmente inspirou a pose da estranha figura de Abaporu.

Com isso, não é difícil de concluir que a obra pode ser uma síntese de uma visão sobre o próprio movimento: tipicamente brasileiro, tentado pensar e se representar artisticamente apesar de não ser experiente nisso, um povo fisicamente sofrido, mas forte. Claro, a interpretação é pessoal, mas se quiser tentar ir além, recomendo esse artigo aqui.

Eu nem fui tão fundo nisso, mas podemos ver que há uma riqueza muito grande de significado, sendo uma obra altamente pensada. Tanto pela abstração, derivada das influências modernistas e a necessidade de ser uma arte que explora padrões estéticos que estavam vigentes, quanto por escolhas mais sutis. Pode ter várias interpretações, mas é inegável que há motivos para essa ser uma das maiores obras-primas da arte nacional. Abstração é uma característica, não um demérito, e você poderá estar perdendo informação e possíveis interpretações interessantes quando se nega a tentar entender algo.

Então, pelo amor de Deus, não compare o dragão de Berserk com Abaporu. Apesar de ser um dos meus mangás favoritos, a semântica do dragão na torre é triste se comparado ao que a pintora fez na obra em questão. O nível de detalhe, apesar de impressionante, não necessariamente vai tornar uma obra mais significativa ou culturalmente relevante que a outra.

E falo isso como fã doente do autor de Berserk, Kentaro Miura. Meu Deus galera, Berserk tem quadros tão mais densos em significado, por favor, pelo menos comparem com algo mais interessante do que um desenho detalhado genérico.

Duvido que a Tarsila do Amaral faria tanto hiato para jogar Idolmaster, hein, Kentaro Miura?

EDIT: Algumas horas depois do lançamento desse artigo, a morte de Kentaro Miura foi anunciada. Eu nem sei como expressar para vocês o quão mal fico. Berserk mudou o modo que vejo ficção e não acho que teria um canal, não faria jogos e muito menos escreveria aqui se Berserk não tivesse feito eu levar mídia a sério. Descanse em paz lenda, que fique com a minha última piada de hiato. Eu preferia que Berserk nem lançasse mais se isso trouxesse você de volta.

E os GUEIMES Nisso?

Games são arte, portanto: isso se aplica aos mesmos também. Arte evoca sentimentos e temas, e o visual é uma das ferramentas mais poderosas na mão de um game designer – o famoso CRIADOR DE GUEIMES.

Claro, eu não preciso me prolongar muito para explicar sobre abstração e sensações mais, pois já falamos sobre isso na parte anterior. Entretanto, existem coisas na linguagem dos jogos que são muito únicas ao meio e merecem atenção, apesar de não serem necessariamente exclusivas da área.

A HUD:
A interface mais popular dos jogos. O lugar que conta seu ponto. A barrinha de vida. Tudo que parece preso na tela e te acompanha durante a jornada. É extremamente importante para a maioria das aventuras que você terá no universo horrível dos videogames e tende a assumir várias formas. Enquanto uma HUD bonita e chamativa pode fazer diferença no seu jogo, o consenso geral é que uma HUD deve fazer o trabalho básico e deixar a ação para o jogo, evitando de ficar desnecessariamente poluída, por mais que isso não necessariamente seja regra. Uma HUD pode ser poluída e alcançar algum resultado emocional satisfatório no jogador. Um exemplo é em jogos arcade: onde a HUD poluída é feita para dar ênfase nos acontecimentos, trazendo mais impacto.

Menus:
O local onde você mexe em configurações, compra itens em uma loja e muito mais. Existem jogos de administração, como Democracy, que são inteiramente baseados no uso dos citados. São uma parte importante, feitos para serem intuitivos e simples até o possível se usarmos conceitos tradicionais. Mas isso não significa que talvez fazer um menu mais complexo visualmente não seja charmoso ou ajude a estilizar seu jogo, especialmente quando ele é muito baseado no uso desses menus. Certo, a gente conseguiu quebrar a regra, mas nem tanto… Então: talvez seja até inteligente fazer um menu propositalmente confuso e bizarro, se a confusão for o sentimento desejado e isso ajudar a criar alguma espécie de horror.

E muito… Muito mais…

(é sério, se eu for me prolongar aqui em todas as características exclusivas dos games, esse texto nunca vai acabar, mas pense em conceitos de interface num geral)

Caramba Menor, o Mapa do Jogo Está Ali na Tela!

Far Cry 2 incorpora o uso de mapas como uma função dentro do universo do jogo. Isso me impressionou bastante na época.

Bem, faltou um tema importantíssimo para qualquer um que produz arte, especialmente para jogos. Para quem se preocupa com a imersão dentro de um jogo, talvez seja uma das coisas mais importantes. Você já ouviu falar em diegese?

Para explicar esse conceito, preciso estabelecer nesse texto um dos maiores objetivos de um game designer quando está produzindo o seu jogo: a suspensão da descrença. É um conceito simples: sabe quando você estava vendo Star Wars Episódio 7 e chorou depois de uma cena impactante, onde o peludo Chewbacca se comovia? Ok. Aí sua mãe passa no seu quarto e diz, envergonhada: “Por que está chorando para um urso bizarro gritando?”

É aí que entra a suspensão da descrença. Você suspendeu a sua descrença, aceitou aquele bicho peludo bizarro como um “ser vivo” na sua cabeça, se conectou com seus dilemas e se comoveu com a tristeza do personagem. Por isso, a obra de ficção te dá apego, se transforma em algo além de narrativa para o seu psicológico. Enquanto isso, sua mãe não suspendeu a descrença, ou seja: ainda vê aquilo só como um filme e não criou empatia pelos personagens e seus dilemas. Suspender a descrença é relacionado ao quanto você se deixa ser afetado por uma obra de ficção, e tem pessoas com mais facilidade para isso, e outras que tem uma dificuldade imensa. Por isso certas pessoas podem preferir jogos mais realistas, e outras, mais fantásticos.

Você se “imerge” na obra e aceita a experiência de verdade. Não precisa ser uma história, pode ser uma partida de ARMA 3 que você começa a levar muito a sério, ou até um jogo social. O importante é se sentir dentro da tela e impactado de algum modo pela mídia que está tendo contato.

 

Enquanto meus pais nunca ligaram para Star Wars tanto por conta dos aliens peludos e bizarrices, eu sempre gostei do Chewbacca. Isso é um exemplo de suspensão de descrença: a minha era muito mais forte do que a dos meus pais, eu aceitava me imergir nessa ficção.

Certo, entendeu? Agora voltemos à explicar o que é diegese.

O conceito é simples. Quando algo é diegético, significa que o elemento em questão sendo analisado existe dentro do universo do jogo. Um exemplo é o mapa acima de Far Cry 2: o fato que o personagem pega o mapa quando o jogador pressiona o botão de mapa parece bobo, mas ajuda na imersão considerando que, no lugar de abrir um menu de pausa, o jogo não sai da sua “fantasia”, ajudando na suspensão da descrença.

Quando algo é adiegético, significa que é uma informação que apenas as pessoas que estão experimentando alguma obra tem acesso. Um exemplo seria as palmas e risadas que aparecem em programas de comédia antigos, não existe dentro da história do programa de comédia, é um estímulo direcionado ao externo, apenas à quem está vendo. Um mapa de videogame, normalmente, é adiegético e apenas o jogador tem acesso. Apesar de lembrar o jogador que aquilo é apenas um jogo, afetando a suspensão da descrença, ainda pode ser uma decisão ideal e tem suas vantagens. Muitas vezes, é um modo prático, direto e intuitivo de passar uma informação e pode ser vantajoso para ensinar o jogador a lidar com mecânicas muito únicas, por exemplo.

Arte e a Indústria Cultural

Por favor, parem de colocar seus amiguinhos em pôster dos Vingadores.

Alguém aí deve se lembrar de uma polêmica cinematográfica que aconteceu há um tempo atrás. O famoso Martin Scorsese – diretor de clássicos como Taxi Driver, Touro Indomável e O Lobo de Wall Street – fez uma polêmica afirmação sobre os filmes de herói, que adquiriram alto sucesso durante esse período: definiu todos como “parque de diversão“.

Enquanto alguns chamavam o diretor de pedante, falavam que ele estava com inveja do dinheiro que a Marvel vem faturando ano após ano e muito mais acusações, outros afirmavam que as pessoas estavam exagerando e evitando o ponto que ele quis relevar na entrevista. O que Scorsese quis falar? É sobre a tal da indústria cultural.

O termo, usado pelos filósofos Theodor Adorno e Mark Horkheimer, é crítico ao que filmes como Vingadores ou Velozes e Furiosos fazem. Descartando o valor expressivo – vulgo artístico – de uma obra em prol do máximo de consumidores possíveis, o processo criativo de uma obra da indústria cultural é baseado no dinheiro que uma obra pode conseguir, e não em significado. Scorsese, ao expor na entrevista uma grande preocupação com os cineastas do futuro, sentia que esse tipo de obra estava cortando o financiamento e a visibilidade de obras menos focadas em marketing, causando um problema para o cinema artístico. E o que torna o cinema de Vingadores menos expressivo? É o fato que eles estão mais preocupados com a popularidade do que com a expressão.

Quando você nota que o cinema Marvel é mais preocupado com tornar uma cena um meme engraçado e criar momentos épicos de ação do que abordar temas ou expressar algo, você decifra o significado de indústria cultural.

Não estou descartando que existe o fator econômico na produção cultural: todo artista precisa de dinheiro para trabalhar. Mas tomar todas as decisões do projeto se baseando no mínimo denominador comum, ou seja… Tentar fazer algo que qualquer um possa ir no cinema e se divertir, com medo de escolhas audaciosas que podem ajudar a sua obra a ser mais expressiva, é um dos maiores indicadores que a mídia em questão é parte do problema.

Se a obra trata a audiência como objeto e não como sujeito, foca em consumo imediato e satisfação rápida, traz padrões pré-definidos e não desafia o espectador em nenhum nível, pode contar que provavelmente se enquadra nesse espaço, que é o local que Scorsese despreza.

Isso inclusive, podia ser um tema separado para um futuro artigo, já que é um tema complexo e podíamos destrinchar vários jogos e discutir o que tornaria eles mais artísticos ou mais industriais, mas o ponto é: escolhas visuais também fazem parte disso. Existem sim escolhas mais rentáveis e elas podem influenciar no valor artístico de uma obra. E isso nos leva ao próximo tópico.

Vocês acham que os visuais de Valorant foram feitos pra expressar algo? Ou só porque esse estilo está na moda faz algum tempo, garantindo mais visibilidade, fanarts, cosplays e alcance?

Clichês

Warcraft 3 tem uma das direções de arte mais influentes da história.

Eu queria falar agora, sobre um dos jogos que mais marcou minha juventude: Warcraft 3.

Esse clássico era febre, não apenas entre as crianças ricas que jogavam cópias originais, mas até em lan houses e salas de informática nas escolas. Lembro de passar horas e horas jogando com meus amigos e eventualmente aprendendo a piratear jogos, baixando e me divertindo com esse clássico absoluto dos RTS. Uma das coisas que mais atraía, entretanto, era a direção de arte.

As cores vibrantes, o design que misturava o maravilhoso high fantasy com um aspectos mais rudes… Era um total arraso e a Blizzard era a queridinha do meu coração no aspecto visual. Mesmo com todos os problemas atuais, até hoje essa é uma das empresas que mais consegue trazer estilos artísticos interessantes e deixar qualquer nerd com olhos brilhando. Mas aí, vendo o sucesso de Warcraft, empresas e mais empresas tentaram copiar ou adaptar esse estilo para os seus jogos. O visual da franquia virou um padrão de mercado, mesmo que outros diretores de arte tentem adaptar o estilo para ficar um pouco diferente ou ter seu toque pessoal.

League of Legends tem concept arts muito bem produzidas, mas é inegável que a inspiração na Blizzard é tão forte que dói. Apenas os rostos, muitas vezes que puxam mais para um estilo anime, acabam dando um toque pessoal.

Clichês não são inerentemente algo ruim. Vários clichês podem ser usados inteligentemente para passar informações de modo rápido, usando de conceitos que já existem na mente do espectador para agilizar a narrativa e evitar muita exposição. Esse estilo artístico está, na nossa cabeça, associado à fantasia e épicos, e o uso clichê desse estilo artístico consegue passar a sensação épica que Warcraft alcançava há anos atrás.

Também podem ser usados justamente para serem subvertidos. Usar um estilo artístico mais fofo para criar uma história que sobrepõe paz com horror, ou muito mais. Por mais que algo ser clichê possa ser usado como crítica, é errado tomar isso como uma verdade objetiva. É uma característica e apenas é nociva quando a utilização não consegue sair do previsível (se tornando uma obra chata) ou expõe preconceitos.

Primeiro: quando o seu visual é clichê, é difícil de se atrair por ele justamente por não ter nada de novo ou interessante. Um dos motivos que perdi interesse por um número grande de indies modernos é o fenômeno que gosto de chamar de “indie roxo“. Por algum motivo, muitos indies com mecânicas ótimas e ideias interessantes começaram a optar por escolhas de paleeta de cor muito parecidas, cheia de saturação, cores quentes e muito rosa ou roxo. Enquanto isso de começo não me incomodava, aos poucos isso ficou tão previsível que viro o olho para um jogo assim, mesmo com total consciência que o jogo provavelmente é espetacular e faz meu estilo. O clichê se tornou algo previsível e cansativo, e fez eu perder o interesse.

Segundo: SIM, existem clichês preconceituosos. Por que todo marido que bate na esposa nos filmes usa uma regata, é gordo e careca? Por que todo filme na favela conta com bandidos negros contra uma maioria policial branca? Por que existem tantos filmes que personagens femininas só sabem discutir maquiagem e homens? Por que personagens trans tendiam a ser vilões em filmes antigos? Por que existe coisas como queercoding, onde características femininas são dadas aos personagens masculinos malignos?

Se pesquisar a história de Hollywood, isso ficará cada vez mais evidente (especialmente o queercoding, recomendo muito esse artigo se quiser uma leitura aprofundada). Alguns são mais descarados, e outros podem ser tão impregnados que são sutis, e muitos artistas replicam sem notar.

Um famoso caso disso é o negro místico, que associa religiões africanas ao oculto e reduz a imagem de um personagem negro para um praticante de magia, virtuoso e espiritualmente evoluído, mas exótico. Vemos visuais excêntricos nesses personagens com frequência.

Oda Mae Brown, de Ghost, é um exemplo de uma personagem esteriotipada racista. Em uma história composta de maioria branca, ela é reduzida ao esteriótipo do “negro mágico”.

Por isso, deve haver cuidado com clichês. Apesar de poder cortar caminhos na escrita, agilizando uma narrativa usando pensamentos já inseridos no coletivo, pode também tornar sua obra fraca, previsível ou ofensiva. Seu personagem, apesar de passar a imagem de um místico africano rápido, pode acabar sendo um preconceito tosco e é bom sempre buscar consultoria se ainda insistir em uma ideia perigosa dessas. É uma ferramenta que pode aprimorar ou danificar um conceito.

E se arte for puro clichê e não existir um bom motivo para isso, prepare-se para criar algo que não tem nenhum diferencial e isso pode empobrecer o seu trabalho, especialmente como arte.

Dois exemplos que acho ótimos nisso é a visual novel (esqueçam o anime, ele é horrível) Higurashi No Naku Koro Ni e o filme clássico Blue Velvet.

Higurashi traz uma atmosfera pacífica e clichês visuais de visual novels fofas, isso ajuda eles a depois subverterem esses clichês, causando uma lenta transição para horror e suspense. Enquanto isso, Blue Velvet usa da imagem dos EUA pós-Segunda Guerra Mundial, perfeito e economicamente promissor para dar uma sensação de segurança e contrastar os momentos felizes dos mais tensos. Os dois usam os clichês para criar expectativa e criam algo único com o uso.

O que é uma Boa Direção de Arte, Então?

The 25th Ward é a minha direção favorita de arte da história dos jogos. Joguem a franquia Kill The Past!!!!

Consideramos tudo o que falamos, não é difícil concluir que… A RESPOSTA É SUBJETIVA.

Mas, para mim, que já joguei muitos jogos convencionais e cresci apaixonado por essa mídia, tendo a preferir quando coisas saem do padrão e tem um foco mais artístico do que industrial.

O que mais me agride é quando uma determinada direção de arte parece preencher uma lista de demografias acima de priorizar algo significativo e único. Quando um jogo quer vender acima de comunicar algo interessante. Creio que, priorizando o valor industrial acima do cultural, a experiência se torna visualmente pobre, agregando pouco e fazendo eu perder o interesse.

Irei separar aqui algumas obras que acho bem dirigidas visualmente e outras que não gosto, com algumas justificativas.

Killer7 usa da abstração para criar personagens esquisitos e momentos desconfortantes, refletindo o aspecto metafórico. Digo fácil que os os inimigos do jogo são algumas das coisas que mais me desconfortam nos games.

Nier Automata usa um contraste entre ruínas e apocalipse para criar uma melancolia excêntrica, combinando com os temas existenciais. Você realmente fica com a impressão que o fim da humanidade talvez não seja algo tão ruim assim depois de ver o ambiente verdejante, renascendo como sociedade a partir de civilizações robóticas.

The 25th Ward usa de minimalismo para contar a história de uma sociedade extremamente controlada e vigiada. Cores sempre tem significados e cada campanha tem um estilo artístico, refletindo a visão da realidade de cada personagem, assim como o The Silver Case original.

Katamari Damacy usa de visuais loucos para complementar sua jogabilidade divertida e esquisita. É impossível não olhar e não sentir um surto de felicidade maníaca no cérebro.

A maioria desses tem escolhas focadas no que artisticamente funcionaria melhor com o conceito da obra como um todo. O fato que eles não confundem arte com marketing me atrai e o quanto o visual desses jogos é único torna a experiência muito mais memorável. Tudo “se encaixa” e não foi pensado simplesmente porque venderia.

Exceto a bunda da 2B, talvez. Ou não. Ainda assim é assunto para outro dia…

Finalmente, as que não gosto. Claro, repito: isso é tudo subjetivo e você pode ter seus motivos para gostar dessas aqui, mas eu não gosto. E irei explicar os meus motivos.

Smite não tem originalidade visual. Parece um derivado de Warcraft, sem graça, sem sal. Não tem nada único e é impossível diferenciar a direção dele de League of Legends e outros parecidos. Fizeram o equivalente ao biscoito gigante genérico de Todo Mundo Odeia o Chris, só que em direção de arte.

Trails é uma franquia fantástica, os momentos que gastei no primeiro Trails in the Sky foram ótimos e não me arrependo 1%, planejo fortemente retomar. Mas, convenhamos – o motivo que gostamos de Trails não tem a ver com a direção de arte. Apesar de eu gostar muito das roupa dos personagens, acho que o visual parece algo que sairia de um anime isekai ou um MMO coreano genérico. Não se sente único e eu não saberia o quão legal a franquia é se não fosse por indicação de amigos.

Tomb Raider (2012) é visualmente sem sal. Enquanto Uncharted – apesar da falta de originalidade – sabe trabalhar bem clichês de cinema para tornar a jornada entre ruínas memorável… Tomb Raider de 2012 faz o mínimo e tenta usar apenas gráficos bonitos, sem nem um rastro do cuidado que vemos nas últimas partes de exploração de Uncharted 4.

The Medium está preso no início dos anos 2000 e acha que o filtro amarelo do Linkin Park ainda torna tudo assustador. Ao contrário de jogos como Resident Evil 8, que vai atrás de sucessos do cinema cult como Tetsuo The Iron Man para criar criaturas visualmente únicas, o jogo da Bloober Team está longe de suceder as suas principais inspirações.

Espero que ninguém me agrida por esses aqui, especialmente alguém da redação. Eles sabem meu endereço. Por favor, alguém me ajude…

Amor

Esse texto foi um trabalhão. Precisei pesquisar consideravelmente e atrasei a data do lançamento. Dividi a atenção entre ele, um vídeo do meu canal e o trabalho no meu jogo. Isso, ainda ferrado de problemas pessoais e afins.

Evitei discutir coisas mais básicas como traço, proporção, anatomia, linha e definições do tipo. Claro, eu amaria escrever um artigo sobre paleta de cor e seu uso nos games, mas sinto que fugiria do intuito desse texto. Direção de arte é muito mais sobre saber a escolha coerente e quis focar nisso.

Com todo o esforço que fiz, espero que tenha aprendido algo novo ou pelo menos refletido sobre o que torna o visual de um jogo atraente ou fraco para você. Quais são os jogos que vocês mais apreciam os visuais? Por que? E os que vocês menos gostam? Por que? Podem mandar textão, estou interessado e lembre-se: a sua interpretação faz parte do que a arte é, e ela importa mais do que você imagina.

Mandem se puderem, seja no Twitter ou nos comentários. Estarei ansioso, aguardando com um sorriso no rosto.