13 anos depois, Ghost Trick: Phantom Detective revive melhor do que nunca

Escrito por Colaborador
Crítica

Uma tela preta coberta por uma narração em primeira pessoa. Um holofote se extende para revelar uma personagem, de pé, aflita, cujo narrador diz não conhecer. Um segundo holofote revela um homem armado à frente dela. A segunda figura aponta a arma para a primeira, e nosso narrador comenta: “eu não sou o tipo de cara que só assiste a uma mulher levar a um tiro, mas tem em um pequeno problema…”. Os holofotes então se viram para o centro da tela, revelando um terceiro corpo, enquanto a narração continua: “eu já estou morto”.

Texto escrito pelo colaborador Mateus Carvalho.

Eu joguei Ghost Trick: Phantom Detective há 12 anos, e não encostei nele desde então. Apesar de descobrir um jogo completamente novo nessa revisita, minha memória dessa cena inicial nunca se foi, e, hoje, entendo ainda mais o porquê.

escrevi sobre o trabalho de Shu Takumi quando comentei sobre The Great Ace Attorney, e lá mencionava de passagem este jogo, que nomeava como seu melhor. Novamente, a última vez que joguei uma fase de Ghost Trick foi em 2011, mas esse é o tipo de obra cuja impressão que fica ao terminá-la é tão profunda que, por mais que alguns dos vários detalhes se apaguem da memória com o tempo, a sensação de ter vivido algo especial nos 17 capítulos que a compõe não.

Claro que, tendo rejogado agora, descobri que se trata de um trabalho um tanto diferente do que eu me lembrava. O que, na minha memória, era uma pequena história de assassinato, é na verdade um thriller político extremamente intrincado cujas dezenas de peças e centenas de pequenos detalhes servem uma função direta e lógica para a conclusão que o jogo nos leva.

Também é um jogo extremamente engraçado. Talvez o maior trunfo dessa versão remasterizada seja em como, com seu upgrade visual, podemos apreciar ainda mais as animações incrivelmente vivas de cada pequeno personagem e objeto na tela. Tenham em mente que esse é um jogo cujo gameplay depende vitalmente de observação dessas pequenas animações, afinal.

O cerne do gameplay de Ghost Trick é simples: você é um fantasma com as habilidades de navegar por objetos inanimados e controlar alguns deles. Esses são os verbos de gameplay. Em jogo, Sissel, nosso protagonista, conta com mais dois poderes essenciais: viajar para outras locações através de linhas telefônicas e, principalmente, se conectar com um cadáver e reboninar até 4 minutos antes da sua morte, podendo assim alterar o destino da vítima em questão.

Como comentei em meu já mencionado texto sobre The Great Ace Attorney, Shu Takumi trabalha com pequenas ideias esticadas ao máximo. Em Ghost Trick, os puzzles que acontecem dentro de cada cenário levam em consideração não só as habilidades que cada item vai permitir, mas também a distância do alcance do fantasma e, principalmente, o timing que cada animação permite que o jogador atue.

Isso pode criar frustrações. Quanto mais as fases vão se complicando, mas acaba sendo uma questão de tentativa e erro para finalmente descobrir o que fazer. São níveis projetados para que o menor dos deslizes cause um reset. Apesar disso, com exceção de apenas um, nenhum desses capítulos são longos o suficiente para que voltar ao início ou a um checkpoint soe como um sacrifício.

Mais interessante, porém, é observar o excelente trabalho de animação em cada pequeno objeto, inclusive aqueles que pra nada servem à solução dos puzzles. Essa versão remasterizada é um pulo gigante não só pelo aumento nos frames por segundo, mas também por nos permitir observar cada elemento e cada detalhe do cenário em uma tela grande (ou, pelo menos, maior que o pequeno touchpad do NDS).

Com isso em mente, é impossível não apontar a direção de arte de Ghost Trick como seu grande trunfo já que não só concebe cenários únicos simultaneamente afogados de detalhes mas também completamente inteligíveis para o jogador. Há também inteligência na composição geral da atmosfera do jogo, visto que cada uma dessas locações contam com um elemento cartunesco ou surreal que ajudam a costurar a vibe sobrenatural plástica da obra (meus favoritos são a coxa de frango gigante em um restaurante e o globo de ferro no parque).

A inteligência nas animações também se extende para os personagens, dado que existem elementos perceptíveis na concepção de seus sprites feitos simultaneamente para dar mais dinamismo aos seus movimentos enquanto aplicando simplicidade. Notem, por exemplo, como eles colocam três rabos em Missile para dar uma constante sensação de movimento intenso no filhote (e aqui talvez seja a hora de mencionar que Ghost Trick conta com dois dos melhores animais da história dos videogames, o pequeno lulu da pomerânia sendo um deles).

E pra fechar os aspectos técnicos, é necessário elogiar a música de Masakazu Sugimori (o mesmo da trilogia original de Ace Attorney). Minimalista em seu uso de sintetizadores e baixo, mas extremamente eficiente no que tange atmosfera, é um dos trabalhos mais calculador e, por conta disso, mais certeiros da carreira do artista.

E se tudo isso já seria o suficiente para elogiar Ghost Trick como um jogo único, a verdadeira força está na história que não só não deixa a menor das pontas solta, como também faz um excelente trabalho em manter seu mistério vivo até os últimos segundos. Jogar Ghost Trick já sabendo da reviravolta é elucidante pois nos faz perceber como o roteiro é excepcional em deixar as soluções dos mistérios à plena vista, mas ainda assim sem que um jogador de primeira viagem consiga associar a importância desses vários elementos, visto que muitas vezes eles são apresentados de forma banal.

Deixe-me lembrá-los como esse é um jogo que entrelada vários personagens, sub-tramas complexas e uma linha do tempo extensa. Apesar disso, em momento algum o jogo deixa o jogador se perder em meio às informações, e, a cada avanço, o escopo cresce ao mesmo tempo que se ilumina mais.

A estrutura também merece méritos por fluir sem tropeços ou pontos baixos. Raramente um jogo consegue se manter consistentemente interessante por toda a sua duração, e a escalada que essa obra faz em seus últimos capítulos é tão catártica que, ao final, consegui reaver aquele sentimento de 11 anos atrás, e, agora, consigo dizer com mais confiança e propriedade do que nunca: Ghost Trick é um jogo extremamente especial.

Penso muito em como a percepção do que faz um bom jogo acaba muito sendo atrelada à fatores externos e à parâmetros que ão necassariamente tangem o aspecto artístico de cada obra. Um jogo excelente, porém curto, pode acabar sofrendo por um preço inflado. Outro jogo pode acabar sendo ignorado por não ser ambicioso quanto outro lançamento da mesma época. Ao meu ver, uma obra que se propõe a algo e consegue entregá-la de maneira excepcional é passível de todos os elogios que lhe forem possíveis.

E se Ghost Trick: Phantom Detective foi engolido e esquecido 13 anos atrás, me dá uma felicidade imensa em hoje poder dizer com toda a certeza: este pequeno jogo é sim uma obra-prima.

Nome do jogo:

Ghost Trick: Phantom Detective

Publisher:

Capcom Co., Ltd.

Desenvolvedora:

Capcom Co., Ltd.

Plataformas Disponívies:

PC, Playstation 4, Xbox One, Nintendo Switch

Esta crítica foi escrita usando uma key enviada para o Game Lodge